A POESIA SOCIAL DE FEDERICO GARCÍA LORCA E ANTÔNIO FREDERICO CASTRO ALVES.

 

                                                                                                     Evandro Ribeiro da Silva¹

 

            A abordagem desse artigo se dirige para uma análise e discussão da poesia de caráter social dos escritores Federico García Lorca e Antônio Frederico Castro Alves, dois autores de séculos e línguas distintas. Essas distinções, entretanto não favoreceram no distanciamento dos conteúdos abordados nas composições de suas poesias, que na maioria das vezes traçavam críticas de cunho social, visando um olhar diferente para mudanças de conceitos e estereótipos de uma sociedade marcada pelo preconceito.

            A Poesia Social é o nome com que se conhece um movimento poético espanhol dos anos de 1950 y 1960 caracterizado pelas denúncias das condições políticas e a reivindicação da liberdade. Este movimento nasce nos anos 1950 na Espanha, quando as cicatrizes da Guerra Civil Espanhola 1936 – 1939 ainda não haviam terminado. Como resultado desse conflito, se instaura no país uma ditadura 1939 – 1977 regida pelo general Francisco Franco até sua morte em 1975.

            A Poesia Social convive com uma lei de imprensa muito restrita, redatada em 1938 e vigente até 1966, lei que permite a censura prévia. Tudo que for escrito tem de passar por um censor antes da sua publicação. As reivindicações pela liberdade dos integrantes do movimento teriam de passar pela mesa dos funcionários do regime, que não se opunha a mutilar ou condenar a publicação das obras que afetasse ao regime. A Poesia Social exercia um importante peso sobre a cultura espanhola, tanto no final do período franquista como o de sua transição.

            Os integrantes deste movimento vêem a poesia como um instrumento para tentar mudar o mundo, denunciar a realidade que os rodeia e conscientizar aos seus leitores sobre as injustiças sociais. A Poesia Social se mantém em defender as vitimas da marginalização e os desamparados. Um precedente importantíssimo foi à revista Espadaña 1944 – 1951, na qual publicaram nomes como Cézar Vallejo, Pablo Neruda o Blas de Otero. Desde essa, quiseram recorrer à vanguarda que haviam cultivado na Espanha da República e anos anteriores, com a exposição da geração de 27 e opor a uma corrente mais classicista que afeta ao regime do general Franco.

FEDERICO GARCÍA LORCA E A POESIA SOCIAL

 

            Federico García Lorca nasceu em 05 de junho de 1898 em Fuente Vaqueros, um pequeno povoado da Vega Granadina filho de um fazendeiro agrícola, e uma professora que lhe ensinou as primeiras letras. Desde pequeno manifestou um enorme interesse pelas canções e jogos infantis populares da época, inspirados na cultura dos servos, criados e jornaleiros de sua população. Sobre essas primeiras experiências infantis, García Lorca se manifestaria já como um adulto, em relação à tristeza y melancolia das mães espanholas, dizendo:

Son las pobres mujeres las que dan a los hijos ese pan melancólico y son ellas las que lo llevan a las casas ricas. El niño rico tiene la nana de la mujer pobre que le da al mismo tiempo, en su cándida leche silvestre, la médula del país. (LORCA, 1898 – 1936).

            Lorca assimilou à rica e inesgotável cultura popular e logo a poliu e elevou em um estilo depurado, ao calor das tendências mais vanguardistas do momento. Federico García Lorca foi um poeta, dramaturgo e prosista espanhol, também conhecido por sua destreza em muitas outras artes. Pertencente a chamada Generación de 27, é o poeta de maior influência e popularidade da literatura espanhola do século XX.

            A Generación de 27, nome com que se identifica ao grupo de escritores espanhóis ligados historicamente pela homenagem a Luis de Góngora, ao cumprir, em 1927, o tricentenário da sua morte. A recuperação do poeta barroco impõe uma diferença substancial com o movimento ultraísta: enquanto este propunha uma busca constante do novo, na generación de 27 se produz um encontro entre certos princípios das vanguardas literárias e a poesia espanhola clássica, desde a lírica popular.

            Considerado um dos poetas mais conhecidos do mundo, só perdendo para Cervantes em número de edições y traduções de suas obras, Lorca se tornou o símbolo das vitimas do regime autoritário da Europa, demonstrando, assim, sua indignação contra esse regime. Foi uma das primeiras pessoas vitimadas da Guerra Civil Espanhola, dotado de uma personalidade extraordinariamente voltada para a arte, além de ser um grande poeta, se dedicava a música e ainda fazia alguns desenhos animados.

            A poesia de Lorca encontra-se intimamente relacionada ao seu modelo revolucionário, usava seus poemas com propósitos de defender os grupos menos favorecidos da sociedade espanhola no século XX: os ciganos, judeus, negros y homossexuais. García Lorca denunciava as injustiças sofridas por estes grupos, mantendo assim, seu espírito revolucionário. Movidos pelas idéias, dizia: Yo nunca seré político. Soy revolucionario por que no hay verdadero poeta que no sea revolucionario.” Desmitificava em seus poemas alguns paradigmas que a burguesia e a igreja católica, sendo conservadores, impunham como valores da época, com isso perseguia y tirava os direitos de alguns grupos a exemplo dos ciganos.

Romancero Gitano

            Nessa obra, Lorca estiliza o mundo cigano, e cria um mundo místico que o aproxima do costume e tipos folclóricos, situa em um mundo misterioso onde convivem santos e virgens. O romance sintetiza o popular, o culto, a tradição e o novo; se trata de composições líricas narrativas y os diálogos dão um tom de dramatização ao poema, e alguns expressa um tom épico.

            A obra está formada por 18 contos. Pode-se dividir o romance em duas séries, deixando a margem os três anjos arcanjos que simbolizam as três cidades mais importantes de Andaluzia (Sevilha, Córdoba e Granada). A primeira série é mais lírica, com a presença dominante das mulheres, a segunda é mais épica e predomina os personagens masculinos. Deixando de lado os três romances históricos e a trilogia dos anjos arcanjos, os doze que restam tratam o tema cigano e seu ambiente, conteúdo social da poesia de Lorca.

            Os ciganos aparecem na poesia de Lorca como personagens de um mundo ficcional. Dessa maneira, o autor suspende o olhar sobre os ciganos para um nível extra-cotidiano, para um estado em que prevalece a imaginação. A singularidade dos textos encontra-se na apresentação de fatos cotidianos como brigas, amores e as constantes perseguições pela Guarda Civil Espanholas; por outro lado sobressaem as relações amorosas e o poder entre esses povos. A honra é um valor primordial que aparece para organizar as relações amorosas e o poder entre esses povos.

            Na “casada infiel” um cigano narra sua desilusão com uma cigana que levara ao rio, pensando que era moça solteira, mas ao descobrir que a mesma tinha marido, mostrou sua honra de “cigano legítimo”. O mesmo apresenta sua identidade masculina e se defende de amar a cigana casada, mostrando toda sua virilidade e honra.

            Em suma, nessa obra, o poeta Federico García Lorca pretendeu através de suas poesias quebrarem os paradigmas ditadas como ideais da sociedade e ao mesmo tempo, exaltar certos aspectos da moral e a vida dos ciganos.

           

                       

CASTRO ALVES E A POESIA SOCIAL

 

            Antônio Frederico de Castro Alves nasceu em 14 de março de 1847, na Bahia, lugar onde realizou seus estudos secundários. Posteriormente ingressou na Faculdade de Direito no Recife, mas não chegou a concluir. Apaixonou-se pela atriz Eugênia Câmara, a quem escreveu uma obra teatral, e com ela viveu por alguns anos.

            Pela vasta produção literária e o interesse que despertou na escrita e no público, Castro Alves é um dos poetas de grande popularidade no Brasil. Veiculado a um movimento literário conhecido como “Romantismo no Brasil” especificamente presente na terceira geração de românticos, foi o mais genuíno representante brasileiro do condoreirismo, comportamento artístico e poético que inspirado na poesia de Victor Hugo, caracterizou a última fase do romantismo brasileiro.

            Nessa última fase, conhecida também como terceira geração romântica brasileira a poesia regressa a realidade, a qual se alienara na geração anterior. Além disso, os poetas das décadas de 1860 e 1879 se envolvem em questões sociais e políticas e encaixam sua poesia nas grandes campanhas da época: a campanha republicana, e, sobretudo, a campanha abolicionista.

Os poetas da terceira geração romântica voltam sua atenção para a decadência da monarquia e para as lutas abolicionistas. Entre os temas recorrentes, figura o sofrimento dos escravos, merecendo destaque no tratamento dessa questão o poeta baiano Castro Alves, que ficou conhecido como o poeta dos escravos. (MAIA, 2006, p. 136).

            O grande tema dessa geração é a liberdade. O condor foi escolhido como símbolo de seus ideais, o alto vôo da imaginação a serviço da liberdade. Por isso essa geração é chamada condoreira. O tom exaltado de sua poesia é próprio para a leitura em público, para emocionar e convencer.

Essa geração é chamada de condoreira, devido ao simbolismo do condor, ave que voa a grandes alturas, transmitindo-nos a sensação de liberdade. Além disso, os poetas desse período demonstram altivez e grandiloqüência, características que se assemelham às da ave. (MAIA, 2006, p.136).

            A grandiosidade da poesia de Castro Alves, enquanto poeta social está exatamente em sua sensibilidade frente aos problemas cruciais que o Brasil atravessava por volta de 1850. Em vez de uma visão ufanista da pátria, o poeta retrata o lado “feio e esquecido” pelos primeiros românticos: As causas sociais e humanitárias, como a opressão e a ignorância do povo brasileiro, bem como os problemas da escravidão dos negros, constituíam a fonte principal de seu modo de ser e fazer poesia. A participação na campanha abolicionista forneceu ao poeta o principal tema de sua obra e o transformou no “poeta dos escravos”.

            Nesse sentido, Castro Alves se distingue sobremodo dos poetas antecessores. Dominam o conjunto de sua obra três temas básicos: a natureza, o amor e a problemática social, esta última abordada na subseção que segue.

Navio negreiro: Tragédia no mar

 

            O navio negreiro, conhecido poema de Castro Alves, mostra o sofrimento dos negros ao ser transportados da África para o Brasil em sujos navios, nos quais chegavam a permanecer aproximadamente três meses. Devido às condições precárias a que eram submetidos, muitos não resistiam e morriam no caminho.

            O poema navio negreiro – Tragédia no mar” é o exemplo mais vibrante da poesia condoreira. Esse poema se refere a uma situação anterior a 1850, ano em que o tráfico negreiro foi proibido. Essa composição de Castro Alves é produto genuíno da escola romântica de conteúdo liberal. O tema é realista no seu pingente da atualidade. Com uma poética presa a palavra que depende do seu fluir sedutor, o poeta dos escravos preserva sua essencialidade. É interessante mencionar, um fragmento do ensaio de ANDRADE, 1979, p. 353, “Castro Alves, dominado pelo patagruelismo do carnívoro da oratória [...], se ocupou de sistematizar o emprego da palavra em seu sentido exato, iluminando com uma luz nova e muito perniciosa”.

            Apesar da confusão da data, o poema se tornou o mais forte grito de indignação, utilizado pela campanha abolicionista, o poema passa do motivo as conseqüências. A declamação procura sensibilizar mais ainda as consciências, através da manifestação e apostrofe usada pelo eu lírico. O poeta intercede ao “Deus dos desgraçados”, apela para a fúria das tempestades, noites e astros.

            Uma das características, mais presente e que chama mais atenção é o tom exaltado de indignação; o eu lírico fica insatisfeito com a situação que passa os escravos diante dos sofrimentos que ocorrem com essa gente. Esses são tratados como mercadorias, suas forças eram necessárias para o árduo trabalho, quais eram submetidos nas fazendas de seus senhores. Nessa poesia, se manifesta à oratória e a eloqüência, estas servem como expressão dos dramas humanos diante das contradições e desajustes da sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            Diante da realização desse trabalho de cunho científico, o qual teve como propósito investigar a Poesia Social dos autores Federico García Lorca e Antônio Frederico Castro Alves se percebe a aproximação das idéias em que se referem às temáticos por eles desenvolvidos. Visto que, os mesmos ao invés dos outros escritores de sua época, manifestavam através das obras suas inquietudes e descontentamentos diante das injustiças sofridas pela população que ficava na margem da sociedade, dessa maneira, eles compunham em favor dos menos favorecidos, demonstrando assim, seus espíritos revolucionários.

            Assim, como dizia o próprio García Lorca: [...] “Soy revolucionário por que no hay verdadero poeta que no sea revolucionário”. Dessa forma, tanto Lorca quanto Castro Alves manifesta suas indignações perante os sofrimentos vividos pelo povo de sua época; os poetas antes mencionados não recorriam às armas para defender os clamores que os povos passavam, e sim, através das palavras que constituíam suas poesias.

            Considerando as problemáticas de cunho social, discutidas por García Lorca e o poeta dos escravos, é notável perceber os questionamentos feitos direcionados a alguns grupos, que nesse caso aqui discutidos foram os ciganos e os negros. Os ciganos, para Lorca, significavam um ser de profundo valor, dotado de cultura que representava a identidade da Espanha, merecedor de atenção por fazer parte integrante daquele mundo; as idéias que Lorca tinha, diferenciava das estereotipada em relação a que a população tinha, os ciganos eram vistos por esse povo, como seres sem valores, trapaceiros e sem caráter, características essas que não bem vistas e nem aceitas como comportamento ideal daquela sociedade.

            Castro Alves, também tinha a mesma preocupação, de ajudar as pessoas que necessitavam de atenção, por viver sem direitos e em situações vida muito mal, ele defendia os negros, esses que eram considerados como coisas, sem alma, “coisas” que não podiam viver no meio da “sociedade”, como parte integrante. Ao escrever o navio negreiro, Castro Alves descreve a situação real de como os escravos eram tratados, a linguagem usada pelo poeta para construir esse poema, remete a uma profunda indagação, o uso de metáforas, antítese e comparações serve para provocar impacto na construção da poesia.

            Como resultado, percebe-se as semelhanças de idéias de Lorca e Castro Alves nas suas composições poéticas de caráter social. Como poetas, eles se dedicavam em defesa dos mais necessitados, demonstrando através delas, a verdadeira imagem da sociedade qual faziam parte, com isso fazendo uso de suas palavras lutavam pela liberdade e direitos iguais para todos que necessitavam de atenção e vida mais digna.

REFERÊNCIAS

ALVES, Lazir Arcanjo. Poesias de Castro Alves: Antologia comentada. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo, Fundação Cultural do Estado, EGBA 1997.108 p. il.

      

LORCA, Frederico García. Romanceiro Gitano e outros poemas. São Paulo: Martins Fontes 1993.

LUCAS, Fabio. O Caráter Social da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra S. A 1970.

MAIA, Eliana. Projeto didático de literatura. São Paulo; DCL, 2006.

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