RESUMO - O artigo propõe uma reiteração sobre a importância do saber literatura para o desenvolvimento intelectual do leitor, essencialmente, o infantil, tendo como foco principal a obra Isso é coisa de pirata, do autor Wander Antunes.

PALAVRAS-CHAVE – literatura, formação do leitor, descobertas 

 Não seria novo dizer que o saber literatura torna o leitor cada vez mais atualizado e preparado para enfrentar todas as incógnitas existentes no mundo. E que é através da leitura, da vivência dos personagens e na significância da história que o leitor enriquece seus conhecimentos e faz-se preparado para desvendar o comportamento humano.

A leitura de “Isso é coisa de Pirata” certamente se torna importante para a formação do leitor infantil, uma vez que a absorção feita pelo leitor da obra é de grande relevância. O leitor entra no mundo imaginário de sininho e sua turma para salvar uma cidade admirada, Cuiabá, das garras de um pirata maldoso, cheio de má intenção.

Wander Antunes soube explorar muito bem a história, para aguçar a sensibilidade de todos os leitores infantis, ou adultos, afinal, os adultos também se encantam com este mundo fabuloso, o infantil. O adulto é o caminho para que os pequenos se interessem pelo mundo feito a eles, é através do adulto que o leitor infantil passa a conhecer as obras.

Fanny Abramovich (2008, p17.) expõe que é ouvindo histórias que se pode sentir (também) emoções importantes, como a tristeza, a raiva, a irritação, o bem-estar, o medo, a alegria, o pavor, a insegurança, a tranqüilidade, ou seja, viver profundamente tudo que a narrativa provoca a quem a lê. Partindo desse pressuposto, percebemos que o leitor de “Isso é Coisa de Pirata” se vê em todas as sensações exploradas por Abramovich. Imagina-se a tristeza e a raiva do leitor ao saber que o Capitão Gancho tem planos de roubar o ouro da mais antiga igreja da cidade de Cuiabá, também a irritação em saber que o maldoso Gancho saiu lá da terra do nunca para vir “aprontar” na capital do Mato Grosso, o bem-estar pela fada sininho, por intervir no plano monstruoso do pirata, o medo em se deparar com o pirata sequestrando a fadinha e os meninos, o pavor, por imaginar que Gonçalinho não resistiu ao andar na prancha, logo a tranqüilidade, em descobrir que Gonçalinho está salvo e certamente a insegurança, ao pensar que o Capitão Gancho pode voltar a planejar suas maldades na terra do nunca, ou, em outra história. Nota-se que o leitor infantil, ao ler histórias, comparadas com Isso é Coisa de Pirata, está exposto a sentir sensações inexplicáveis, mas cabíveis no mundo infantil.

Abramovich (2008, p. 33.) ainda diz que é através de uma história que se podem descobrir outros lugares, outros tempos, outros jeitos de agir e de ser, outra ética e outra ótica. É que o leitor encontrara na obra “Isso é Coisa de Pirata”, encontram lugares diferentes, o bem tentando vencer o mal, para quem não conhece a capital de Mato Grosso, passa a conhecer, e descobre através da fala dos personagens, que Cuiabá é muito “bonita”, percebe que em Cuiabá se fala “Votê”, ou seja, o leitor infantil passa a conhecer um pouco mais da cultura da cidade de Cuiabá e certamente ao fim da leitura, a admiração pela cidade prevalece. 

O leitor da obra de Wander Antunes, precisa se envolver com a história, entrar no ritmo, necessita de sensibilização para compreender o que a história deseja fazê-lo entender. O conhecimento de mundo ajudará a desvendar a obra e para àqueles que já leram a história de James Barrie, Peter Pan, a compreensão fica muito mais fácil.

A leitura de “Isso é Coisa de Pirata” certamente contribui para a formação do senso critico do leitor jovem, porém, Abramovich (2008) expõe que se esse tipo de leitura vir acompanhada de dever, tarefa a ser cumprida, automaticamente, deixará de ser prazerosa para ser meta, obrigação ao leitor, fazendo com que ele, o leitor, perda o interesse pela obra. E em um país que a democracia é buscada, é importante que o leitor tenha livre arbítrio para escolher o que gostaria de ler.

Segundo Abramovich 2008, Ao ler uma história a criança desenvolve todo um potencial critico. A partir daí ela pode pensar, duvidar, perguntar, questionar... Pode se sentir inquietada, cutucada, querendo saber mais e melhor ou percebendo que se pode mudar de opinião.

Após uma breve incursão através dos pressupostos levantados sobre a importância de obras como “Isso é Coisa de Pirata” na formação do leitor infantil, acrescenta-se comentários a respeito da importância de obras regionais, e para a contribuição deste assunto, julgamos necessários os comentários tecidos por Marta Helena Cocco:

Por que é importante que o currículo contemple obras regionais? A resposta parece tão óbvia que a pergunta poderia ser igualmente assim considerada. Mas, quando o assunto é ensino, nunca é demais repetir. Se pensamos a literatura como forma de conhecimento e como um “direito de todo cidadão” , conforme Candido, não podemos privar esse cidadão da reflexão, do pensamento crítico acerca da realidade do seu entorno, o que é possível por meio de obras cujos temas incidam sobre o local (não apenas como espaço geográfico, mas, sobretudo, local como espaço de reflexão sobre a vivência de seres da natureza, inclusive os humanos, considerados em sua historicidade). No caso de obras produzidas no local, com temas que tendem à “universalidade”, é inegável a importância de se observar como o artista que habita determinado espaço (por mais que peregrine, viaje por outros) imagina e recria o mundo a partir de um ponto de referência e como dialoga com outros mundos. (Cocco, Revista Ecos, Ano VI 8, 2010, p. 56) 

Em seu livro, o autor, Wander Antunes, soube explorar muito bem as marcas regionalistas de Mato Grosso, uma vez que o enredo da narrativa, gira em torno da região de Cuiabá – MT, em que os personagens através de um tempo e espaço vivem uma história encantadora na capital de MT. Contudo, Wander também mostrou as riquezas encontradas em Cuiabá, valorizando assim esta região e atraindo leitores para a admiração desta região.

Encaixa-se ainda neste momento, um comentário de Marta Cocco, haja vista que este trabalho é voltado para a importância da literatura para a formação do leitor: 

[...] Pensando a literatura como conhecimento e a formação do leitor como uma das mais importantes funções da escola, vemo-nos diante de um cenário em que a literatura, fora da escola, concorre com outras formas midiáticas, em que prepondera a cultura de massa. Na escola, em tese, seu locus mais importante, a disciplina perde a autonomia. Assim, antes de mais nada, parece ser urgente a defesa da especificidade da disciplina ou do compromisso do profissional de letras para então discutir – o que não faremos aqui - o que as ementas contemplam e como o ensino tem sido realizado. (COCCO, 2010 - Revista Ecos, p. 55) 

A preocupação de sobremaneira até aqui é de que atualmente, em uma sociedade que os valores estão cada vez mais se invertendo, o leitor infantil passe assim a não se interessar pela leitura e esquecer que esta contribui para a formação do cidadão, entretanto acredita-se que se obras como “Isso é Coisa de Pirata” continuar a serem publicadas, certamente os leitores ficarão mais instigados e com necessidade de ler, não por obrigação, mas sim, por prazer. Partindo desse pressuposto, cabe as reflexões de Zilberman que explana claramente que numa sociedade que cresce por meio da industrialização e se moderniza em decorrência dos novos recursos tecnológicos disponíveis, a literatura infantil assume, desde o começo, a condição de mercadoria. Aí a importância dos livros, como o de Wander Antunes, serem adequados a situação da sociedade atual, onde, embora alguns valores importantíssimos não se prevaleçam, ainda existem leitores dispostos a viver em meio a literatura. 

Ao indagar “viver literatura” não podemos deixar de comentar sobre o papel da escola nessa vivência. A união da literatura e a escola começam a partir do momento que a criança se vê em meio a obras impressas que, na verdade, são disponibilizadas na própria escola. Aproveita-se para lembrar que é a escola a responsável em estimular o leitor infantil a admirar e ter contato com as obras literárias.

Vejamos o que Zilberman expõe: 

Os laços entre a literatura e a escola começam desde este ponto: a habilitação da criança para o consumo de obras impressas. Isto aciona um circuito que coloca a literatura, de um lado, como intermediária entre a criança e a sociedade de consumo que se impõe aos poucos; e, de outro, como caudatária da ação da escola, a quem cabe promover e estimular como condição de viabilizar sua própria circulação.

 (Zilberman e Lajolo, 2006. p. 17)

Nelly Novaes Coelho 2005 afirma que estamos com aqueles que dizem “sim” a literatura, e em especial, aqueles que sabem que a literatura contribui para a formação do leitorem sociedade. Aindaexpõe que é ao livro que atribuímos a maior responsabilidade da formação da consciência de mundo das crianças e dos jovens. Portanto, devemos valorizar a literatura infantil como fenômeno significativo e de amplo alcance da formação de mentes infantis e juvenis, bem como dentro da vida cultural das sociedades.

Ainda no que diz respeito a importância do ato de ler obras como a de Antunes, não poderíamos concluir sem citar o clássico Paulo Freire. Conforme aborda Freire (1993, p. 11) a leitura do mundo precede a leitura da palavra em que linguagem e realidade se prendem dinamicamente.

Freire (1993, p.71) coloca que desde muito pequenos aprendemos a entender o mundo que nos rodeia. Por isso, antes mesmo de aprender a ler e a escrever palavras e frases, já estamos “lendo”, bem ou mal, o mundo que nos cerca.

Partindo da proposta de Freire voltada para a importância do ato de ler, percebemos que a leitura, seja escrita ou visual, está presente a todo o momento na vida do leitor. Cabe a nós, leitores, a buscar sempre refletir e tirar o máximo de ideias do que lemos. Temos que acreditar que a informação com preceito transformador, pode sim mudar o modo de pensar equivocado que algumas pessoas insistem em ter sobre a leitura.

 Maria Helena Martins (2004, p. 15) a respeito da leitura, diz que aprendemos a ler a partir do nosso contexto pessoal. Neste aspecto, a autora evidencia que a leitura participa da formação global do indivíduo, ajudando em seu convívio e atuações sociais, política e econômica.  Martins (p. 42) ainda contribui dizendo que antes de ser um texto escrito, um livro é um objeto, tem forma, cor, textura, volume. Cheiro. Pode-se até ouvi-lo se folhearmos suas páginas Para muitos adultos e especialmente crianças não alfabetizados essa é a leitura que conta. (p. 42) Na criança essa leitura através dos sentidos revela um prazer singular, relacionado com a sua disponibilidade (maior que a do adulto) e curiosidade (mais espontaneamente expressa). 

Conforme Abramovich (1995, p. 17) é através de uma história que se podem descobrir outros lugares, outros tempos, outros jeitos de agir e de ser, outra ética, outra ótica... É ficar sabendo História, Geografia, Filosofia, Política, Sociologia, sem precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de aula. Partindo desse pressuposto, repensa-se o ensino partindo de obras como a de Antunes, a qual alguns profissionais do ensino, preferem encarar como pedagógico e não como um ensino em que aqueles que estão em contato com a obra, refletirão sobre os valores morais e éticos que o homem precisa ter para viver em sociedade.

Zilberman e Lajolo (2007, p.34) contribuem dizendo que as histórias nos livros, com uma contextualização verossímil, cumprem sua função social, dando conselhos e prescrevendo virtudes aos leitores.

Conforme pesquisas de Lajolo e Zilberman (2006) as primeiras publicações de livros apareceram no século XV, porém, é somente no século XVIII que surgem os livros especificamente voltados para a criança. Até então, obras como as Fábulas de La Fontaine(1668 e 1694) e os Contos da Mamãe Gansa de Charles Perrault (1697), atualmente associados ao gênero infantil, haviam sido publicados visando o público em geral. Porserem obras originárias de histórias contadas pelo povo, não se enquadravam dentro dos parâmetros exigidos pelas Academia de Letras, o que dificultava o interesse dos escritores pelo gênero. É após o sucesso das obras de Perrault que a literatura infantil adquire espaço, caracterizada principalmente pelos contos de fadas. E apesar das publicações francesas de La Fontaine e Perrault é na Inglaterra que a literatura infantil, como produto de consumo, ganha importância, fortalecida pelo forte comércio do país, abundância de matéria-prima e, principalmente, seu desenvolvimento com a Revolução Industrial. Este é o período do crescimento das cidades e consolidação da burguesia. Entre as instituições que garantem o seu fortalecimento está a família. Cada membro assume um papel específico na sociedade, até mesmo a criança, "motivando o aparecimento de objetos industrializados (o brinquedo) e culturais (o livro) ou novos ramos da ciência (a psicologia infantil, a pedagogia ou a pediatria)" (LAJOLO; ZILBERMAN, 2006, p. 17). São associadas à criança características como a fragilidade e a dependência, cabendo à escola prepará-la para a vida adulta, que passa a ter frequência obrigatória.

Considerando a expansão da industrialização e comércio nesse período histórico, o livro infantil surge com características de produto, pensando-se num consumo. Para tanto, era necessário a alfabetização do seu público. Daí decorre a relação dos livros com a escola, fazendo com que muitas publicações adotassem uma postura bastante pedagógica.

Para encerrar, é preciso destacar que ao defender sobre a importância de livros para a formação do leitor, não estamos nos referindo a livros didáticos, monótonos, sem essência, onde apenas se disserta e ensina o prático. Pensa-se que os livros transformadores e enriquecedores de pensamentos são aqueles com estética que a cada ilustração renova o saber e enche o leitor de estimulo para novas descobertas. 

Referências

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1995. 

ANTUNES, Wander. Isso é Coisa de Pirata. Cuiabá: Editora, 1996.

BARRIE, James Ma.. Peter Pan. trad. Pedro Bandeira. Editora Ática, 2002.  

COCCO, Marta H. “O lugar do regional no ensino da literatura” in:Revista ECOS. Literaturas e Linguísticas.Coordenação de Agnaldo Rodrigues da Silva (Revista do Instituto de Linguagem). Cáceres-MT: Editora Unemat, 2010. p   

COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil – teoria, análise e didática. Editora Moderna; 2002. 

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo, Cortez, 2000.

LAJOLO, Marisa, ZILBERMAN, R.. Literatura infantil brasileira: histórias e histórias. São Paulo: Ática, 1987. 

PALO, Maria José de; OLIVEIRA, Maria Rosa D. Literatura Infantil: Voz de Criança. São Paulo: Ática, 1992. 

ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil da escola. São Paulo: Global, 1985.