A DISSOCIAÇÃO ENTRE A LÍNGUA MATERNA E A LÍNGUA PADRÃO: UMA ABORDAGEM SOBRE A VISÃO SOCIOLINGUÍSTICA

Clecivane Oliveira Albuquerque

INTRODUÇÃO

            Esta pesquisa consiste em mostrar através da esfera sociolinguística, os motivos pelas quais existem as diferenças linguísticas entre os falantes da língua portuguesa e por meio do entendimento, defendermos que a diversidade cultural precisa ser respeitada e apreciada pelo brasileiro, já que é uma característica marcante nossa.

            Dentro dessa perspectiva, há necessidade de conhecer as diversas variações da língua existentes em nosso Brasil que, embora vivendo em um mesmo país e falando o mesmo idioma, há, no entanto, mudanças na língua ocasionada pelo contexto histórico, geográfico e sócio-cultural no qual os falantes se manifestam verbalmente e que pode ser comprovado dentro do contexto escolar, onde abriga tantas diversidades.

            Mediante essa necessidade, compreender que não existe falar certo ou errado e sim falar diferente. O que acontece é que nem todas as variações linguísticas têm o mesmo prestígio social no Brasil, falantes da classe inferior que contribui para linguagem não padrão são as maiores vítimas de preconceito liguístico, cultural e social. Felizmente já é reconhecida pelas instituições oficiais encarregadas de planejar a nossa educação, a importância de se trabalhar o assunto em questão.

            Na tentativa de desmistificar a homogeneidade dos falantes da língua portuguesa e com objetivo de acabar com esse preconceito, a pesquisa será baseada, sobretudo em grande linguística brasileiro, Marcos Bagno, que trata dessa questão com muita objetividade.

 2. SOCIOLÍNGUÍSTICA: A LÍNGUA CONTEXTUALIZADA

            Na linguística há um ramo chamado Sociolingüística, que tem se ocupado, sobretudo da caracterização e de uso das variações linguísticas, que são justamente resultados da expressão da cultura de um grupo ou da variação no tempo (diacronia). Entende-se por variação linguística os vários falares entre falantes de uma língua. Toda língua natural tem suas variações. Essa variação é justificada não apenas pelo fator histórico, que, necessariamente, leva a profundas transformações na língua, como também pelas diferenças regionais, sociais, grau de escolaridade, sexo e principalmente pelas categorias profissionais. Dentro de uma mesma região, as pessoas formam pequenas comunidades que acabam criando, por repetição de hábitos, suas características, até não entendível por outras comunidades. O que é muito importante compreender é que essas variações não devem ser vistas como 'erro' e sim variações na língua.

            Infelizmente o preconceito lingüístico ainda está muito arraigado na sociedade, a linguagem informal ainda é vista como errada e é alvo de chacotas e piadas:

 

“A escola, a professora manda um aluno dizer um verbo qualquer e ele responde: - Bicicreta. A professora, então, corrige: - Não é “bicicreta”, é “bicicleta”. E “bicicleta” não é verbo. Ela tenta com outro aluno: - Diga um verbo! Ele arrisca: - Prástico. A professora, outra vez, faz a correção: - Não é “prástico”, é “plástico”. E “plástico” não é verbo. A professora faz a sua última tentativa e escolhe um terceiro aluno: - Fale um verbo qualquer! - Hospedar. A professora comemora: - Muito bem! Agora, forme uma frase com esse verbo. – Os pedar da bicicreta é de prástico.”. (http://www.iel.unicamp.br/cefiel/alfaletras/biblioteca_professor/arquivos/49Textos%20de%20humor.pdf)

            Na obra A língua de Eulália de Marcos Bagno vem discutir questões semelhantes com a explorada na piada acima, em que o simples fato de alguém falar diferente (com relação à fala culta) soa engraçado, servindo como motivo de piada. Esse preconceito está muito presente nas telenovelas, onde essa variação linguística é típica de um personagem pobre, de preferência nordestino, como afirma Bagno:

É um verdadeiro acinte aos direitos humanos, por exemplo, o modo como a fala nordestina é retratada nas novelas de televisão, principalmente da Rede Globo. Todo personagem de origem nordestina é, sem exceção, um tipo grotesco, rústico, atrasado, criado para provocar o riso, o escárnio e o deboche dos demais personagens e do espectador. No plano lingüístico, atores não-nordestinos expressam-se num arremedo de língua que não é falada em lugar nenhum no Brasil, muito menos no Nordeste. Costumo dizer que aquela deve ser a língua do Nordeste de Marte! Mas nós sabemos muito bem que essa atitude representa uma forma de marginalização e exclusão. (BAGNO, 1999 p. 44)

          O livro conta a história de três amigas: Vera, Emília e Sílvia. Estudantes universitárias que vão passar as férias em Atibaia na chácara de Irene, tia de Vera. Lá conhecem Eulália, uma empregada doméstica que mora na chácara. Ela fala um português diferente do das meninas e elas acham engraçados os “erros” gramaticais cometidos por Eulália. Então, Irene professora de Língua Portuguesa, não acha nada engraçado as chacotas das meninas e aceita dar umas “aulas” a elas e mostra que o que a Eulália fala não são “erros”, mas uma variação linguística do português. Um português diferente, esse é o assunto principal do livro, comparar o português-padrão e o português-não.

3. VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS: PORTUGUÊS-PADRÃO X PORTUGUÊS-NÃO-PADRÃO

            Caracteriza-se como linguagem padrão, falantes que seguem os preceitos gramaticais, são pessoas com estudos e de classe altas, enquanto o português não-padrão trata-se de pessoas ignorantes e pobres que aprendem com seu meio o português informal. O que leva a crê que Deficiência Linguística que é atribuída à pobreza do contexto linguístico em que vive o falante é que não se trata de preconceito as diferenças linguísticas, mas sim, as diferenças sociais.

                O livro “A Língua de Eulália: novela sociolinguística” vem discutir alguns aspectos do português não padrão, que sempre foi visto com preconceito, principalmente para alguns gramáticos, e o autor coloca de maneira bem descontraída que não existe um jeito certo ou errado de falar, mas sim heranças linguísticas, a língua muda com o tempo, o que hoje é visto como "certo" já foi "erro" no passado. O que hoje é considerado "erro" pode vir a ser perfeitamente considerado como "certo" no futuro da língua.

            Marcos Bagno coloca que “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente é o maior mito exposto no livro “Preconceito linguístico”, porque a sociedade ainda vê a língua como homogênea e esse pensamento tão arraigado não compete apenas às pessoas que não tem conhecimento sobre o assunto, como também intelectuais de renome, que estão por dentro dos fenômenos sociais brasileiros se deixam enganar por esse mito. Como por exemplo, Darcy Ribeiro escreveu sobre o povo brasileiro:

É de assinalar que, apesar de feitos pela fusão de matrizes tão diferenciadas, os brasileiros são, hoje, um dos povos mais homogêneos lingüística e culturalmente e também um dos mais integrados socialmente da Terra. Falam uma mesma língua, sem dialetos [grifo meu, Folha de S. Paulo, 5/2/95].

            Esse trecho mostra que a língua ainda é vista como uniforme, e dizer que o povo brasileiro é um dos povos mais homogêneos linguisticamente e culturalmente é um grande mito. Para começar, as origens do povo brasileiro advêm de uma grande miscigenação, existem as diferenças regionais, de faixa-etária, de grau de escolaridade, sem contar que o Brasil é um país de péssima distribuição de renda, que facilita o português não padrão, ou seja, haverá diferenças na fala de pessoas que moram em periferias daquelas que tem condições financeiras e que moram em bairros nobres, que têm mais acesso aos livros. Então não podemos dizer que a língua, principalmente a língua brasileira é homogênea. Aliás, toda língua humana é heterogênea por sua própria natureza.

                        Todo falante nativo de uma língua é um usuário competente dessa língua. Não existe erro de português. Segundo Marcos Bagno "A ortografia é artificial, ao contrário da língua, que é natural. A ortografia é uma decisão política, é imposta por decreto, por isso ela pode mudar, e muda, de uma época para outra." E  uma das maneiras mais eficazes para o combate ao preconceito linguístico seria o esclarecimento de que a gramática não é a língua:

O preconceito lingüístico está ligado em boa medida à confusão que foi criada no curso da história entre língua e gramática normativa. Nossa tarefa mais urgente é desfazer essa confusão. Uma receita de bolo não é um bolo, o molde de um vestido não é um vestido, um mapa- múndi não é o mundo...Também a gramática não é a língua. (BAGNO, 1999 p.9)

Por isso, deve haver respeito entre os falantes como afirma Soares[1]:

“Não há línguas ou variedades lingüísticas “superiores e inferiores”, “melhores e piores”, pois todas elas correspondem às necessidades e características da cultura a que serve”.

4. A ESCOLA COMO MEDIADORA DO PORTUGUÊS-PADRÃO E O PORTUGUÊS-NÃO PADRÃO

            A variação não padrão no contexto escolar atinge principalmente às camadas populares que compõe o maior número de matriculados nas escolas públicas, ou seja, destinada quase que exclusivamente para a população de classe inferior.

            Infelizmente, a escola ainda não está preparada para lidar com essas variações. Como uma hierarquia, a escola é cobrada que cobra dos alunos a seguir os padrões gramaticais, sem se preocupar com aquele aluno que desconhece as normas cultas. Então ela acaba o retraindo, no desqualificar da sua fala, podendo causar o fracasso na escola. E diante dessas diferenças linguísticas encaram como deficiências, daí a importância de se conhecer a realidade do aluno, porque o meio social é o reflexo do que ele é. A língua é a expressão da cultura, por isso ela não se apresenta uniforme e única e sim com variações conforme o meio que a usem chamado dialeto. Assim no ponto de vista linguístico não podemos considerar como erro, só porque o falante não segue as normas da língua padrão.

            A visão do falar “certo” ou “errado” deve ser trabalhada nas salas de aulas juntamente com a necessidade de construir uma metodologia de ensino que possibilite a relação entre a linguagem padrão e a não padrão, no que na verdade não acontece, muitas vezes, o professor ignora o dialeto do aluno consequentemente sua cultura, podendo se sentir discriminado levando-o a ter um baixo rendimento escolar, isto quando a escola não responde eficazmente, ao desafio de trabalhar as diferenças entre os dialetos. Os dialetos é a marca de uso de um determinado grupo e é papel da escola mostrar a importância da variação linguística, respeitar cada dialeto, e não o papel atual de manter as distâncias sociais. Compreender o raciocínio que o leva ao "erro" e mostrar o dialeto-padrão para utilizá-lo nas situações em que é requerido, mas saber como orientá-lo para que ele não se sinta indiferente.

Exemplo de dialeto pôde ser notório na sala de nono ano, onde um uma aluno disse: “Me empresta seu corretor” e todos da sala riram inclusive o professor dizendo que era “corretivo” e o aluno então disse: “ na minha cidade (Roraima) se chama corretor, corretivo lá significa bater em alguém”.

O que se perceber é que a escola ainda usa o método tradicional: corrige o aluno e falar “errado” ainda é motivo de piada.

      5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Felizmente os Parâmetros curriculares nacionais, publicado pelo ministério da educação e do departamento do desporto reconhecem essa verdadeira diversidade linguística e que cabe a escola acatar, quando diz que:

A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em “Língua Portuguesa” está se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades. [...]. Mais ainda, em uma sociedade como a brasileira, marcada por intensa movimentação de pessoas e intercâmbio cultural constante, o que se identifica é um intenso fenômeno de mescla linguística, isto é, em um mesmo espaço social convivem mescladas diferentes variedades linguísticas, geralmente associadas a diferentes valores sociais. [...] A imagem de uma língua única, mais próxima da modalidade escrita da linguagem, subjacente às prescrições normativas da gramática escolar, dos manuais e mesmo dos programas de difusão da mídia sobre “o que se deve e o que não se deve falar e escrever, não se sustenta na análise empírica dos usos da língua. (PCN, 1998 p. 29)

 Como essa proposta veio para ficar é preciso que a escola e todas as demais instituições voltadas para a educação e a cultura, abandonem esse mito de que a língua é homogênea e desde já começar a incorporar o processo de transformação social, em busca de uma sociedade mais justa e liberta de preconceitos linguísticos. O que interessa realmente é que o Brasil é um país riquíssimo em cultura e que a diversidade da nossa língua é um fator muito importante, que não deve ser alvo de preconceito. Enquanto essa proposta ainda não é nossa realidade, devemos desde já, combater o preconceito linguístico com as armas que temos de conscientização coletiva da sociedade:

E a primeira campanha a ser feita, por todos na sociedade, é a favor da mudança de atitude. Cada um de nós, professor ou não, precisa elevar o grau da sua própria auto-estima linguística: recusar com veemência os velhos argumentos que visem menosprezar o saber linguístico individual de cada um de nós. Temos de nos impor como falantes competentes de nossa língua materna. Parar de acreditar que brasileiro não sabe português, que português é muito difícil, que os habita. Acionar o nosso senso crítico toda vez que nos deparamos com um comando paragramatical e saber filtrar as informações deixando de lado (e denunciando, de preferência) as afirmações preconceituosas, autoritárias e intolerantes. (BAGNO, 1999p. 115)

            Uma mudança de atitude talvez seja uma solução, embora seja a longo prazo, pois estamos falando de processo de conscientização. A começar pelo reconhecimento da fala como herança e retrato cultural e a escola assumindo seu papel de mediadora das variações linguísticas.

 

 



[1] SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 10 ed. São Paulo: Ática, 1993

 

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico. São Paulo: Edições Loyola, 1999.

 

SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 10 ed. São Paulo: Ática, 1993

 

Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília : MEC/SEF, 1998.

 

11. REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES

 

BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolinguística. 11. ed. - São Paulo: contexto, 2001

 

http://www.webartigos.com/artigos/a-circunferencia-viciosa-ao-preconceito-linguistico/11237/

acesso em: 24 set. 2011.

 

http://www.piadasonline.com.br/Escola.asp

Acesso em: 28 out. 2011

 

http://www.iel.unicamp.br/cefiel/alfaletras/biblioteca_professor/arquivos/49Textos%20de%20humor.pdf

Acesso em: 28 out. 2011