Resenha: Um olhar para as canções e letras do U2

Rogério Duarte Fernandes dos Passos

DIRANI, Cláudio D. U2: História e canções comentadas. São Paulo: Lira, 2006, 174 p.

“U2: História e canções comentadas”, do jornalista Cláudio D. Dirani, é uma obra que além de trazer a narrativa da banda irlandesa desde os primeiros sucessos, celebra revisita a esta trajetória de êxito, espiritualidade e arte, guindando-nos à análise das letras no ínterim do álbum de estreia “Boy”, de 1980, até ao último lançamento contemporâneo ao livro, justamente “How to Dismantle an Atomic Bomb”, em Novembro de 2004.

Formado por Bono – voz –, The Edge – guitarras –, Adam Clayton – contrabaixo –, e Larry Mullen Junior – o baterista e fundador –, o U2 transformou-se em um dos maiores fenômenos musicais do Século XX, ensejando publicações diversas que abordam a concepção artística, o comportamento e as mensagens trazidas por jovens que saíram de um contexto periférico na Europa em direção ao estrelato e a uma posição de vanguarda e protagonismo no interior do showbusinnes.

Nesse sentido, a obra de Dirani surge no escopo de melhor elucidar essa caminhada grandiosa, no que o autor realizou pesquisas em diferentes semanários musicais – sobretudo, europeus –, aptas a construir explicações da musicalidade da banda e, especialmente, das letras, aliando às investigações o seu repositório de inúmeros conhecimentos sobre o U2, adquiridos como fã e participante de comunidades de discussão sobre o grupo.

Álbum por álbum, canção por canção – incluindo as faixas lançadas em singles e os chamados “lados b”, isto é, músicas que ficaram de fora de discos regulares – a interpretação arquitetada por Dirani aprofunda o entendimento da já conhecida vertente religiosa do U2, a paixão singular do vocalista pela esposa Alison Stewart Hewson expressa em diversos hinos (em exemplo de Sweetest Thing), e aloca para compreensão até mesmo percepções dos outros membros banda sobre as mensagens contidas nas letras, em referenciais inéditos para a maioria dos fãs do quarteto irlandês e que acabam por remeter a outros significados emocionais e distintas assimilações cognitivas em face das que normalmente são edificadas por aqueles que ao longo de quatro décadas acompanham o grupo.

É possível argumentar que a linguagem da letra de uma música pop é diferente daquela que se quer retratar em uma poesia, especialmente porque no primeiro caso, a mensagem vem acompanhada do significado sonoro, que no U2, traz um resultado de volúpia em função da instrumentação de quatro artistas excepcionais, destacando-se o trabalho do guitarrista e arranjador The Edge. No entanto, as palavras entoadas por Bono funcionam muito bem mesmo sem a melodia enquanto expressão estética e, também, se confirmam substancialmente no intuito de outorgar viés pessoal para os admiradores do grupo de Dublin, seja por permitir dialogicamente mais de um sentido, seja por concretizar uma expressão coletiva nas memórias afetivas dos fãs.

Dito isso, a obra surpreende, pois ao tentar interpretar as letras a partir dos conhecimentos e pesquisas de seu autor, igualmente ressignifica as canções para o fã do U2 e leitor. Mesmo trazendo consigo grande reconhecimento da crítica e premiações diversas – solidificando verdadeiro status de “guru” para os fãs –, o vocalista Bono constrói ideias a partir de referenciais deveras comuns, como no caso de seus ídolos, livros preferidos e sofrimentos, e, vale dizer, especificamente, pelo amor à América, à Irlanda, e, no que é interessante pela sua história (inclusive por conta da militância em favor dos direitos humanos), revelando aquilo que paradoxalmente talvez menos se possa ver em um artista de sua magnitude: a humanidade.  

Não se negue, da mesma forma, que a análise do autor nos remete à necessidade de igualmente tentar aprofundar a compreensão da linguagem e do próprio trabalho do U2 em inglês, visto que algumas das letras apresentam grande beleza por conta dos jogos sonoros e rimas que são criadas no idioma materno de Bono e, que, traduzidas, acabam por não refletir integralmente a proposta estética original. 

A jornada do U2 continua até os dias hoje, produzindo grandes canções com grandes letras. A última turnê da banda – “iNNOCENCE + eXPERIENCE Tour”, que rodou América do Norte e Europa no ano de 2015 –, trouxe um resgate aos sentimentos da juventude de Bono, The Edge, Adam Clayton e Larry Mullen Junior – além do próprio início de carreira do grupo –, permitindo inclusive que tantas outras referências de quarenta anos de estrada pudessem ser melhor compreendidas.

Em guisa de conclusão, acrescente-se, portanto, que “U2: História e canções comentadas”, de autoria de Cláudio D. Dirani, é uma importante contribuição para aqueles que objetivam aprofundar seu conhecimento sobre o U2, diagnosticando um trabalho poético e musical de grande valor estético que traz magnitude mais que suficiente para ser observado muito além da superfície que se materializa na volátil cena pop.