O colecionador

Por Carlos José Esteves Gondim | 27/09/2021 | Crônicas

Quando eu tinha uns 12 anos colecionava quase de tudo. Desde moedas antigas a selos de cartas, dentre outras. Pequenas pedras que encontrava pelas ruas e praças. Embalagens de cigarros como se dinheiro fossem. Fichas de refrigerantes para trocar por figuras de personagens de Walt Disney. Figurinhas de papel de personagens de filmes famosos ou de times de futebol, especialmente da seleção brasileira, colecionadas em álbuns dedicados para este fim. Enfim, um mundo cheio de coleções ou quase isso.

Talvez a de selo tenha sido a primeira delas. Os envelopes das cartas que minha mãe recebia pelos Correios, depois de lê-las, eu pedia pra recortar os selos. Tratava-os com água em um pequeno pires; horas depois, com cuidado, removia os selos do papel e os colava em uma folha de caderno de desenho, comprado para este objetivo.

As das moedas comecei com um presente que ganhei de meu pai. Uma latinha com algumas delas. Fiquei curioso e comecei a pesquisá-las. Mil réis, cents e outras que não lembro a procedência. Só sei que a maioria eram brasileiras e portuguesas. Lembro que recolhi diversas delas entre os entulhos em que certa vez a rua de casa, a Rua Veiga Cabral, foi aterrada. Fui saber tempos depois, que a origem desses entulhos eram as construções históricas do bairro da Cidade Velha que estavam sendo derrubadas… Entre as brasileiras, uma grande me chamou a atenção. Era de prata. Tempos depois, já jovem, resolvi transformá-la em medalha de pescoço com cordão e tudo. Acho que era moda na Jovem Guarda.

As pedras foram resultados de alguns passeios pela Praça da República, antigo Largo da Pólvora, em Belém, Pará. Percebi que as calçadas de alguns dos caminhos por onde a gente passava eram revestidos de uma pedrinha esbranquiçada e arrendondada. Algumas delas, soltas, as raptei e levei pra casa. Outras recolhi no chão da rua e outras por onde eu passava… Acho que foi nessa época que eu pensei pela primeira vez qual a profissão seguir e lembrei de geólogo!

As fichas de refrigerante, na verdade, era por causa do prêmio que receberia ao juntar uma certa quantidade delas. Guara Suco, Coca Cola, Grapette, Pepsi Cola eram as marcas que mais faziam essas promoções. Depois de alcançar o número mínimo para troca, esperava ansioso a passagem do caminhão pela rua para fazer as trocas! Os prêmios variavam desde copos a miniaturas de personagens de desenhos do Walt Disney.

A coleção de embalagens de cigarros, na verdade, eram transformadas em “dinheiro”. Catava as embalagens pelo chão por onde estivesse caminhando e em casa fazia o devido tratamento. Removia o envólucro da folha de alumínio que revestia os cigarros.
E a folha impressa da marca desamassava com cuidado e as dobrava como as cédulas de dinheiro verdadeiro. O envólucro com uma folha de alumínio era transformado em bola. Deixava descansar em uma vasilha com água e depois, com cuidado, removia o papel celulose que se soltava e deixava a lâmina de alumínio fino inteira. Ao fim, amassava carinhosamente essa com a mão para formar uma bola que ia crescendo à medida que novas folhas de alumínio eram conseguidas. No grupo de colegas era disputado o campeonato de quem tinha a maior bola de alumínio!

Uma coleção especial era a de letras e palavras impressas em diversas formas – hoje chamadas de fontes – e tamanhos. Ao folhear uma revista já lida pelos meus pais, como a Manchete, o Cruzeiro, Capricho, Contigo e outras que me chegavam às mãos, eu selecionava aquelas que mais gostava, recortava com cuidado e colava em um caderno de desenho também adquirido exclusivamente para este fim. Devo dizer que me ajudavam bastante na hora de fazer algum trabalho escolar que exigisse confecção de cartaz.

Prestes a entrar no Científico – o ensino médio de hoje –, as formas das folhas das plantas me chamaram a atenção. Por onde andasse que tivessem plantas, desde jardins até bosques eu coletavas as que estavam no chão. Guardava com cuidado e em casa as colocava entre folhas de livros de tamanho apropriado. Deixava secando por algum tempo e depois ia vê-las. Me impressionavam as formas e as suas intricadas “veias”. Certamente me encorajaram a seguir a carreira de agrônomo que tinha na botânica uma das matérias básicas e dentro dela a taxonomia e sistemática. Foi aqui que aprendi a fazer as exsicatas!

Por volta dos dezoito anos, já cursando o Científico, meus interesses voltaram-se para as bancas de revistas de rua, uma modalidade de comércio que estava aflorando em Belém. Passei a ser freguês diário de uma que se instalara na calçada da av. Nazaré, próxima da Basílica de Nazaré, em Belém, Pará. Diariamente, ou nos intervalos das aulas ou ao fim das mesmas, lá ia eu e um colega visitar a banca de revistas. Passava minutos e mais minutos folheando as publicações expostas, sempre com o olhar atento e cuidadoso do dono da banca, que nos acompanhava e às vezes dava sugestões de novas publicações.

Foi nesse período que passei a ser um leitor inveterado do jornal O Pasquim, Opinião, dentre outros, que passei a guardar cuidadosamente os exemplares comprados e lidos. Em dois dias da semana eu comprava as edições do jornal O Globo. Por acaso descobri uma coluna chamada “Qual é o Tom”, que publicava a letra de uma música popular brasileira, acompanhada com as cifras para tocá-la ao violão, instrumento musical que eu estava aprendendo na época. Cuidadosamente eu recortava a coluna e a colava em uma folha de caderno de desenho. Cheguei a ter três volumes dessa coleção. Era o tempo dos festivais de música, da Bossa Nova e da Jovem Guarda!

Nesse mesmo período, a editora Abril, precursora em todo o Brasil das coleções fasciculadas, tinha acabado de lançar a primeira enciclopédia ilustrada fasciculada: a Conhecer. Semanalmente eram lançados novos fascículos e ao fim de um certo tempo, sua capa e elementos desta para encadernar. Penso que foi nesta época que comecei a dar importância para o bom trato com os livros. Cuidados ao guardá-los e disciplina para mantê-los organizá-los.

A grana era pouca mas dava pra comprar alguns deles. Foi assim que colecionei a segunda edição da enciclopédia Conhecer e passei a colecionar diversas novas publicações lançadas então. Edições da História de Nossa Música Popular Brasileira (acompanhava um disco vinil); Grandes Compositores da Música Clássica (idem); Jorge Amado; Os Pensadores; Os Grandes Cientistas; Ciência Ilustrada; Como Funciona; e muitos outros. Comprava regularmente, além do Pasquim e Opinião, as revistas National Geographic, O Planeta e outras logo que eram lançadas. Mais tarde, já com o serviço de assinaturas a nível nacional, passei a ser assinante de algumas delas como a National Geographic, que tinha maravilhosas fotografias coloridas, e O Planeta, que tratava de um tema para mim profundamente interessante, os ETs e os fenômenos extraordinários.

Estas coleções, todas devidamente encapadas, encadernadas, etc., me acompanharam por muito tempo em minha vida. Nas mudanças temporárias de endereços e cidades, elas me seguiam guardadas em caixotes e comigo viajavam. Uma das situações mais marcantes que guardo foi durante o meu vestibular para Agronomia em 1970. Ia para o sofá da sala solitária e calma da casa de meus pais, e ouvia as músicas clássicas na eletrola de casa. Era uma forma que encontrara para relaxar do estresse diário das terríveis provas que estava enfrentando.

E, finalmente, lembro que foi através do uso de um pequeno microscópio montado a partir das peças que acompanhavam um kit da coleção Os Grandes Cientistas, que descobri maravilhado a reprodução das células da cebola, agora já calouro de Agronomia!!! Já dentro da faculdade, quando comecei a estagiar e ganhar alguma grana, fiz assinaturas das revistas Globo Rural e Guia Rural, que tratavam especificamente dos temas agropecuários, alvo de meu curso profissional. Estas me acompanharam por muito tempo e me ajudaram quando fui sitiante na hora de fazer as castrações dos leitões, aula que faltei na faculdade…

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