Na véspera (62)

      Quarenta e um anos atrás eu escrevi a primeira das Vésperas, para comemorar mais um ano de vida que se completava. O olhar retroativo me mostra um jovem sonhador e inseguro que queria ou, melhor dizendo, precisava ardentemente se expressar pelas palavras. As palavras borbulhavam ao ponto de causar uma erupção, como um vômito ou um jorro, um disparo de raios de luz e som que almejam alcançar o espaço e ficar em órbita ao alcance dos olhos e ouvidos de quem habitasse na mesma frequência.

       Quarenta e um anos atrás havia um outro mundo onde a vida humana transcorria, um mundo amedrontado pelas possibilidades de concretização da guerra fria, tão falada e debatida por tanto tempo que se transformara em fetiche. Um mundo em transformação, que celebrava o consumo e deixava para trás alguns ideais mais igualitários. Um mundo sobrecarregado pelo peso e o custo das armas criadas para nunca serem usadas, um custo que já teria levado a humanidade a um estágio superior de desenvolvimento, conforto e convivência se as vidas humanas valessem mais do que as balas e a pólvora de sua ignição.

      Quarenta e um anos atrás e o país estava cansado dos anos de martírio e chumbo, olhando adiante para novos tempos mais iluminados, rompendo a velha casca que perdera a razão de ser, ou certamente nunca tivera razão de ser. A geração que viera ao mundo numa era de rara concessão de liberdades, criatividade e afirmação positiva , numa janela de tempo pleno de esperanças e expectativa, uma geração que não vivera os horrores da guerra e suas consequências imediatas e que traria uma carga mais leve sobre seus ombros agora chegava na idade adulta, com muito o que construir, muito para ser vivido e experimentado, tudo por ser transformado.

     Quarenta e um anos depois sou um homem maduro, contente com a vida que teve, ainda inseguro e ainda sonhador, pois o mundo nunca terá a feição que eu gostaria, o mundo mudou de forma irreversível e as gerações se sobrepõe e se sobrepujam. A única constante é a guerra, a alternativa daqueles que nunca aprenderam a fazer amor. Na véspera os mísseis voam sedentos por morte e a vida humana continua custando menos do que as balas e a pólvora que as disparam.

 

Ivan Henrique Roberto 14.04.2024