As sanfonas ou acordeons tem uma longa história na música. Sua origem está num instrumento de origem chinesa chamado cheng que era um tipo de concertina tocada pela boca. Consta que um alemão chamado Buschmann adaptou o instrumento iniciando o que hoje chamamos de sanfona ou acordeom. O termo  Sanfona vem do grego Symphony e acabou se transformando em sinônimo de tudo que é flexível ou que  abre e fecha.

Passei boa parte da infância ao som das sanfonas, harmônicas ou acordeons. Meu pai era um admirador do Mario Genari Filho, para ele o maior de todos os tempos, mas gostava também do Mario Zan que ficou imortalizado pela composição do Quarto Centenário  em homenagem aos quatrocentos anos da cidade de São Paulo. Mais tarde fiquei sabendo que o meu pai quando moço tocava uma sanfona de oito baixos para animar os bailes na Noroeste paulista, chegando a ser convidado para tocar até em Mato Grosso. Segundo soube, ele conhecia bem o repertório da época e a famosa “Saudades de Matão” era a mais executada.

Ele contava que o pessoal aparecia de caminhão para buscá-lo nas sextas ou sábados na velha fazenda São Vicente e ele só voltava no dia seguinte, como não bebia, só vinha mesmo com odores de perfumes femininos ou marcas de batom.  Com o casamento e filhos, essas escapadas começaram a dar problemas e brigas. Com o tempo, as responsabilidades foram tirando o sanfoneiro das noitadas e quando o casal resolveu mudar para São Caetano do Sul, ele vendeu a sanfona e prometeu nunca mais tocar. O dinheiro da venda da sanfona ajudou a completar a entrada de uma casa comprada com suadas prestações.

Com a filha mais velha completando 14 anos decidiu que ela seria a sanfoneira da família ou melhor, uma acordeonista, que era um termo mais moderno e menos brejeiro. Comprou um acordeom Todeschini, fabricado no Rio Grande do Sul, todo revestido de madrepérolas, uma lindeza. O professor que morava há uns dois quarteirões, era o italiano Miguel Adolpho, um exímio instrumentista que meu pai, sempre que podia, ia ouvi-lo tocar suas belas valsas. A Neusa fazia, a bem da verdade, mais o gosto do pai, pois se achava fora de moda tocando acordeom, pois isso lhe lembrava os caipiras do rádio ou da televisão. E assim, em poucos meses nossa casa foi inundava pelo som da Todeschini, que chegava a atrair até os passantes na rua. Sob as Ondas do Danúbio era uma das belas valsas austríacas que ela tocava e muito bem, pelo menos na minha percepção musical.

Mas antes que ela se tornasse uma acordeonista profissional, uma tragédia com o professor Miguel destruiu o sonho do velho.  Descobriu-se que ele tinha um câncer que teve uma evolução muito rápida. Em poucos meses o mestre foi tocar nas longas tardes da eternidade.  Fui ao velório acompanhando minha irmã que foi render as últimas homenagens ao mestre. O bairro quase todo estava na casa dele, incluindo o prefeito e vereadores. O filho do mestre assumiu as aulas do pai, mas a minha irmã não quis continuar e encerrou sua carreira de acordeonista.

No final meu irmão mais novo, ainda chegou a tirar algumas notas no acordeom, mas o seu entusiasmo não foi muito longe. Meu pai, um músico amador há muito aposentado, já havia perdido a destreza e aos poucos a música foi ficando no retrovisor com que via a sua longa estrada da vida e a bela harmônica foi sendo esquecida. Até que um dia apareceu um comprador que a levou por uma pechincha, muito abaixo do valor desembolsado pelo instrumento.

Algumas décadas depois, encontrei na casa do amigo Jorge Moscardi, na Rua Teffé, em São Caetano, um sanfoneiro que estava lá participando de um grupo de músicos convidados para uma festa. Puxei conversa com o rapaz e para minha surpresa, fiquei sabendo que ele era o filho do mestre Miguel que deu aulas para minha irmã. Falamos do seu pai e ele se lembrou da minha irmã e comentou que ela era uma ótima aluna e talentosa.