O Brasil tem uma história de manifestações nas quais a juventude foi componente relevante ou principal. Comparando as expressões atuais com as grandes manifestações passadas no Brasil, desde meados do século XX – como as mobilizações contra a ditadura, as Diretas Já, os Caras Pintadas e o Movimento pela Ética na política, além das manifestações mais regulares, como o Grito dos Excluídos, as Marchas das Margaridas, os movimentos pela Reforma Agrária, ou dos atingidos por barragens, movimentos negro, indígena, etc. –, há fatos comuns, mas também diferenciações que merecem serem lembradas.

Hoje, uma das diferenças está na convocatória pelas redes sociais virtuais, o que trouxe o povo para rua quase em tempo real, ampliando o número de manifestantes e os locais de protestos. Isso causou uma enorme visibilidade na mídia e o respectivo impacto político, produzindo uma resposta rápida da parte do sistema político. Mas também produziu uma diversidade de demandas, muitas vezes conflitivas e antagônicas.

Abandonando a passividade das posturas conservadoras, ou ditas ‘neutras’, o estereótipo de que “política é coisa de corrupto”; para além do senso comum, alargando a ideia, é possível dar-se conta de que não se é apenas observador de um fato social externo, mas que se é também partícipe de um espaço onde a política está por todos os lados; e que ela se dá num ‘locus’ social, por meio dos laços e formas de convivência.

Os homens, diferentemente da pera que não escolhe entre cair da pereira ou apodrecer lá, para além de suas necessidades biológicas, na vida contingente, têm que fazer escolhas, lidarem com valores, que são definidos mediante a comparação entre o mundo e suas referências – que são plurais e frequentemente excludentes. Logo, contrapondo-se ao lema conservador de que “o mundo só pode ser o que é”, no âmbito da convivência toda revolução é bem vinda, e a política diz respeito ao que decidimos sobre ela, é a inteligência a serviço de uma convivência aperfeiçoada no campo e nas atividades que ela pode transformar. As manifestações são a materialidade do processo de mutação das relações sociais, do enfrentamento das ideias no seio da sociedade civil em busca de hegemonia, do estabelecimento de valores, antigos ou novos, na maioria das vezes contradizentes – como, quando a Lady Di foi morta por um paparazzi, paladino do valor da transparência, valor muito em voga na época, o mundo inteiro ficou chocado.

É nesses entraves que se define sociopoliticamente os papéis sociais; os papéis de dominador, de senhor e de escravo não são definidos pela natureza, mas pela inteligência e vontade de alguns; e portanto, a política tem a ver, também, com a organização de um coletivo, resulta das disposições, investimentos, engajamentos e condutas de seus agentes.

Mas, não podemos excluir totalmente a contribuição da natureza à política; pois é efetuada por homens que, antes de tudo, são por natureza entes desejantes. O trabalho político é, ademais, a gestão dos desejos contraditórios, que no espaço público se materializam em interesses, estratégias, cartas de intenção, propostas, ideologias; é a viabilização da convivência entre desejos divergentes num mundo escasso, onde, segundo Thomas Hobbes, há a luta de todos contra todos.

E a luta nas manifestações, da mesma forma que se alavanca, nas redes sociais, pode ser dissipada; justamente porque na medida que há uma multidão de pessoas prontas para dar sua opinião, há uma massificação desta. As mídias, as organizações sociais, têm sido instrumentos de reprodução de ideias reacionárias, retrógradas – e a história da humanidade não é exemplo de convivência justa; se pretende-se propôr formas de convivência harmoniosas, e garantidora das singularidades sociais, tratase de entender que as formulas conhecidas não são possibilitadoras de uma convivência feliz. E muitas vezes o povo é ludibriado elegendo políticos cínicos, que acobertam alguns desejos pessoais de poder por outros socialmente interessantes.

Portanto, a mudança no destino do país não depende apenas da rotineira atividade parlamentar, muito menos da inércia; mas, também, necessariamente, da externação dos desejos individuais dos cidadãos, politicamente, nas ruas, nas escolas, em todo espaço denominado público, que é deles, que – portanto – deve servi-los.