USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA: UM BREVE ESTUDO ACERCA DA RELAÇÃO ENTRE O INSTITUTO E O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE[1].

                                                                                                                              Poliana Coqueiro Gouveia[2]

  Renata Orlando de Deus[3]

              Viviane de Brito[4]

 

RESUMO

Sabe-se que o fenômeno da urbanização, nos últimos séculos, tem proporcionado uma série de problemas ao homem em virtude da aglomeração desordenada das ocupações quanto à própria poluição em geral. Neste diapasão o Brasil, nas últimas cinco décadas, assistiu a um desenvolvimento urbano sem precedentes, sendo que a população urbana responde pela maior parte do país; acompanhada de problemas estruturais que assolam as grandes cidades (falta de moradia, saúde, educação, etc.). Tendo em mente esta constatação é que o legislador constituinte avaliando os problemas sociais instituiu através dos artigos 182 e 183 as regras que tratam de Política Urbana para que se resolvesse, de fato, o problema da moradia brasileira. Daí a criação de uma lei a de nº 10.257 intitulada de Estatuto da Cidade. Muito embora esta lei ainda não represente de fato uma garantia de moradia digna ao brasileiro devido a uma série de questões, tanto de ordem econômica quanto política. Por essa constatação é que se irá trazer à baila o estudo sobre a Usucapião Especial Urbana como forma de ocupação de imóveis urbanos e que carrega como princípio a Função Social da Propriedade, o que para isso irá exigir a explanação de uma série de elementos subjacentes ao objeto em estudo.

Palavras- Chave: Propriedade. Usucapião Especial Urbana. Função Social.

 INTRODUÇÃO

 

A pesquisa visa traçar um estudo sobre a relação existente entre um dos modos de aquisição de propriedade conhecido como usucapião, no tocante à modalidade conhecida como Usucapião Especial Urbana com o princípio basilar constitucional da função social da propriedade.

A questão que se pretende apresentar está em discutir a abrangência que aquele instituto se mostra frente à urbanização crescente dos últimos séculos e como se coaduna com a Carta Constitucional do Brasil, haja vista que para a devida regularização da posse foram necessárias as criações de estatutos e demais atos normativos, os quais viabilizaram a aquisição de propriedades em vias urbanas não deixando de lado, mas somando a ele a conscientização que o homem precisa no tocante à preservação do meio ambiente e o aproveitamento do espaço social urbano.

A relevância da pesquisa esta em apresentar esta modalidade de ocupação territorial tendo em vista os problemas sociais que assolam o Brasil e de que forma esta modalidade de aquisição de imóveis tem contribuído para a utilização social da propriedade.

1  DIREITO DE PROPRIEDADE

Conforme a Carta Constitucional Brasileira salienta no artigo 5º, XXII; “é garantido o direito de propriedade”. Assim, tem-se que o direito de propriedade é também um direito individual e considerado como tal tem a categoria de cláusula pétrea. A relevância deste direito foi estabelecida no próprio caput do artigo 5º, o qual dispõe que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.

No que tange à natureza jurídica do direito de propriedade trata-se de um direito de propriedade do tipo absoluto, ou seja, o proprietário apresenta amplos poderes jurídicos, tais como o uso, o gozo e a fruição da coisa da maneira que lhe desejar (RODRIGUES, 2007, p.78). É oportuno destacar que a decorrência desse poder advém do próprio caráter exclusivo que o direito de propriedade possui.

Segundo o alusivo autor, a exclusividade sobre o domínio da coisa - exercido pelo titular - é decorrente da ausência de concorrência de outra pessoa, assim aquele que tem o direito sobre a propriedade pode e deve afastar qualquer tipo de intromissão tencionada por um estranho que não apresente poderes sobre a propriedade. Daí decorre que essa ideia de absolutismo e exclusividade sobre a propriedade está tipificada no artigo 1231 do Código Civil o qual dispõe que “a propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário”.

Há que se ressalvar, segundo Pereira (2006, p.92), que os atributos inerentes ao direito de propriedade (usar, gozar e dispor da coisa) podem estar reunidos todos nas mãos de uma pessoa, o que corresponderá ao exercício pleno do direito, embora nem sempre isso possa acontecer. Por exemplo, pode ser que ocorra o desmembramento e, desta forma, havendo a transmissão de parte daquele direito a outra pessoa, como por exemplo, na constituição do direito real de usufruto, ou de uso ou de habitação, o proprietário somente terá o dominus sobre o bem, pois a utilização ou fruição da coisa está a cargo de outra pessoa.

Como dito acima, o direito a propriedade é em sua normalidade um direito uno em sua plenitude, ou seja  presume-se que o exercício ocorra de forma exclusiva e plena, conforme o artigo 1231 do Código Civil, ou seja, até que se prove em contrário o titular deste direito exercerá todas as prerrogativas ligadas à sua qualidade de proprietário. Contudo, esses direitos devem respeitar a ordem jurídica e a função social que a própria Constituição Federal dispôs acerca de sua respectiva fruição, para que não incorra na própria desestruturação da harmonia social e da economia nacional, eis os pontos a serem explanados no item a seguir.

2  FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

 

Considera-se a função social da propriedade como um princípio que se liga a um projeto de se construir uma sociedade mais igualitária, o que somente é possível a partir da submissão do acesso e utilização aos interesses a uma dada coletividade; assim, por exemplo, uma propriedade urbana cumpriria a sua função social quando pudesse atender às necessidades dos habitantes de uma cidade que estão ligadas ao direito às cidades sustentáveis, as moradias em condições dignas de vida, à saúde, à educação, à infraestrutura urbana, ao saneamento básico e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado[5].

Atualmente o direito de propriedade não pode mais estar desligado da sua função social; diferente do que se apresentava no século XIX onde o proprietário exercia de forma exclusiva, plena e sem compromisso com algum princípio norteador. Essa condição que submete o direito de propriedade aos interesses da coletividade se opera em relação a todas as formas de propriedade; mobiliária, imobiliária, urbana ou rural.

 Essa mudança conjectural advém do fenômeno de constitucionalização do Direito Civil iniciado na Constituição do México de 1917, no artigo 27: “a nação terá, a todo tempo, o direito de impor à propriedade privada as determinações ditadas pelo interesse público” e da Alemanha de 1919, no artigo 153: “a propriedade obriga e o seu uso e exercício devem ao mesmo tempo representar uma função no interesse social”. [6]

Deste modo, o que se pode depreender sobre este princípio atribuído ao direito de propriedade é que ele se liga às Constituições baseadas no estado de bem- estar social, onde a solidariedade e a busca pela harmonia social são elementos basilares para o exercício pleno do direito de propriedade. Assim depreende-se que esse princípio norteador daquele exercício se pauta da seguinte maneira:

A função social, hodiernamente, cumpre o papel de elemento inibidor e repressor das distorções jurídicas originárias da degenerada e ilegítima utilização da propriedade. Trata-se de um agrupamento sistematizado de regras constitucionais que objetiva manter ou repor a propriedade na sua destinação normal, de forma que a mesma seja benéfica e útil a todos, e não apenas ao proprietário[7].

A propriedade, ou melhor, o direito sobre ela, passa a estar condicionado ao bem- estar social ligada também a uma função social ambiental. O princípio da função social da propriedade representa o cerne da propriedade urbana, a qual somente poderá receber a tutela estatal se atender a essa função social, a qual compreende ao aproveitamento justo e saudável do espaço urbano em condições equilibradas ambientalmente. Daí a relevância em se entender as formas de aquisição da propriedade existentes no direito brasileiro, em especial a usucapião, e avaliar a importância daquele princípio para o exercício desta.

 

3 A USUCAPIÃO NO DIREITO BRASILEIRO

 

O estudo da propriedade e de sua relação com o instituto da usucapião leva em consideração diversos elementos adstritos às diversas áreas do Direito. As mudanças pelas quais a ideia de propriedade passou, principalmente após a Constituição Federal de 1988 e sua extensão ao Direito Privado acabaram por resultar em ressignificações de diversos institutos jurídicos unindo-os ao balizamento proporcionado pelo texto constitucional.

Conforme Pereira (2006, p.17) a posse de um bem exige, independente das escolas[8] teóricas que analisam os princípios basilares deste exercício, envolve uma situação de fato a qual uma pessoa mesmo não sendo a verdadeira proprietária daquele bem acaba exercendo poderes incisivos que se caracterizam pela conservação ou defesa da coisa empossada.

Daí se pode depreender que a aquisição da posse, independente qual seja a modalidade que se adota (inter vivos, mortis causa, judiciais) prescinde à noção fundamental de posse (PEREIRA, 2006, P.43). Deste modo para que se possa compreender a aquisição por meio da Usucapião exige-se em se saber além dos fundamentos que circundam a noção de posse, mas também do próprio instituto em estudo. Sabe-se que a questão temporal é de suma importância para a constituição das relações jurídicas, em que pese à extinção ou a aquisição de direitos.

A usucapião, deste modo, é considerada uma forma de aquisição de propriedade reconhecida a partir da presença de dois elementos basilares; o tempo e a posse. Também considerada como uma modalidade de aquisição originária de um bem imóvel ou de outro direito real sobre a propriedade alheia, implica numa posse por tempo indeterminado, com animus de dono, sem qualquer tipo de oposição e respeitando o prazo disposto no Código Civil.

3.1  Conceito e espécies de usucapião no Brasil

 

A usucapião é considerada para o Código Civil como um modo de aquisição da propriedade e de outros direitos reais, tais como; uso, habitação, enfiteuse, servidões prediais, através da posse que decorre ao longo do tempo no tocante à observância de requisitos legais; “forma de aquisição de domínio pela posse prolongada” (DINIZ, 2010, p.155).

Conforme Pereira (2006, p.138) a aquisição por usucapião presume dois elementos basilares; a posse e o tempo; haja vista que são os mais relevantes e fundamentais para a operacionalização desta forma de assenhoramento de um bem ou coisa. O Código Civil Brasileiro dispõe de quatro espécies de usucapião; Extraordinária, Ordinária, Especial Urbana e Especial Rural, sendo que independente de suas peculiaridades todas apresentam requisitos semelhantes, principalmente no que tange a função social da terra utilizada (SOUSA JUNIOR, 2010).

De acordo com Rodrigues (2003, p.16) a posse pode ser entendida como uma situação de fato a qual é tutelada pelo legislador e que diverge da própria noção de propriedade, uma vez que a propriedade envolve uma relação entre pessoa e coisa mediada pela lei o que resulta numa relação de direito enquanto a posse envolve a relação entre pessoa e coisa baseada principalmente na vontade do possuidor; resultando numa mera relação de fato.

Daí se pode depreender que a aquisição da posse, independente quão seja à modalidade que se adotada (inter-vivos, mortis causa, judiciais) prescinde à noção fundamental de posse (PEREIRA, 2006, P.43). Deste modo para que se possa compreender a aquisição por meio da Usucapião, e em especial à modalidade do tipo Especial Urbana (objeto da pesquisa) exige-se em saber além dos fundamentos que circundam a noção de posse, o próprio instituto em estudo, o que implica na apresentação de elementos pontuais presentes na Carta Constitucional Brasileira.

3.2  A política urbana na Constituição Federal de 1988

 

A matéria em questão se tornou algo constitucional a partir da Carta Constitucional de 1988, na qual o constituinte originário avaliando a necessidade de se positivar legalmente e em respeito aos direitos fundamentais a questão da ocupação do espaço urbano trouxe a possibilidade de se conjugar os meios para que haja a compatibilidade do conceito de propriedade do Código Civil com o princípio da função social da propriedade[9].

De acordo com os artigos 182 e 183 é de responsabilidade do Poder Público Municipal o planejamento urbano, o que implica na própria utilização do poder de coerção ao proprietário que viole os deveres ligados ao fim social da propriedade, colaborando para a utilização social dada à propriedade.

Tem-se que os objetivos da política de desenvolvimento urbano expressos nos alusivos artigos do Código Civil visam oferecer o desenvolvimento das funções sociais da cidade, assim como em garantir o próprio bem estar de seus habitantes[10]. Eles oferecem meios para se alcançar os objetivos da Constituição Federal, presentes no artigo 3º, daí se depreende a relevância de se elaborar previamente um planejamento dos meios, com o objetivo de se atingir de fato os fins sociais inerentes ao direito de propriedade.

A Usucapião, independente de qual modalidade é abordada, representa um importante instrumento para a devida regularização da questão fundiária brasileira, seja urbana ou rural, colaborando para o princípio constitucional da função social da propriedade. Esta função social que deve ser atribuída à propriedade liga-se a um projeto de se construir uma sociedade mais igualitária, representada no acesso e uso da propriedade ao interesse coletivo.

3.3  Lei nº 10.257 (Estatuto da Cidade): noções gerais

 

O legislador constituinte avaliando os problemas sociais instituiu através dos artigos 182 e 183 -do Código Civil- as regras que tratam de Política Urbana para que se resolvesse, de fato, o problema da moradia brasileira. Daí a criação de uma lei a de nº 10.257 intitulada de Estatuto da Cidade.

O Estatuto da Cidade visa oferecer ao cidadão a garantia em usufruir das possibilidades que a cidade ou que as vias urbanas possam oferecer a ele. Essa referida lei foi criada levando em consideração o número crescente de pessoas que se deslocaram do campo para cidade nas últimas décadas somado às reivindicações que a população juntamente com entidades civis realizou em prol destes direitos[11]

Daí que a análise acerca da espécie de aquisição de propriedade do tipo especial urbana é de suma relevância para se avaliar os desafios a serem enfrentados tanto por aqueles que adquirem a propriedade de um bem por essa modalidade quanto aos efeitos que surgem no espaço urbano, haja vista que o princípio da função social da propriedade implica na ocupação racional e com fins de garantir o bem-estar coletivo e o respeito ao meio ambiente equilibrado. 

4 USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA

 

A Constituição da República 1988 introduziu a chamada usucapião especial urbana (art. 183, caput) que também pode ser denominada usucapião pro moradia ou pro morade. (GAMA, 2011, 329). Tal possibilidade destina-se essencialmente à aquisição de pequenas áreas de propriedade por populações de baixa renda exclusivamente direcionadas à moradia. Vale mencionar que tal espécie de usucapião subdivide-se em: individual (aquisição de espaço, cumpridos os requisitos, por pessoa isolada) e coletiva (possibilidade prevista no art. 10 do Estatuto da Cidade de aquisição de propriedade por um conjunto de pessoas que mantenham um vínculo social e econômico).

 

 

 

 

4.1  Requisitos

 

São necessários alguns requisitos para que se atribua tal tipo de usucapião. Primeiramente quem pretende adquirir a propriedade por tal via deve possuir, como sua, área urbana limitada até 250 metros quadrados, por cinco anos de forma ininterrupta e sem que nenhuma pessoa a tenha reivindicado.

 Um aspecto fundamental nessa avaliação é que o espaço seja utilizado para moradia própria ou da família. O art. 9º, § 2º do Estatuto da Cidade esclarece ainda que não se reconhece o direito ao mesmo possuidor por mais de uma vez. Dessa forma, a aquisição de propriedade por esta via só poderá ocorrer uma única vez pelo mesmo possuidor, mesmo que os outros requisitos estejam presentes. (RIZZARDO, 2011, p.294).

 

5 O INSTITUTO DA USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

 

Em razão principalmente dos destinatários de tal possibilidade de aquisição especial de propriedade a usucapião especial urbana liga-se fundamentalmente à noção de utilização do espaço urbano em adequação ao princípio da função social da propriedade. O que se procura com tal instituto jurídico, essencialmente com base em sua possibilidade e extensão, é a busca de promoção do direito fundamental à moradia, marcadamente relacionada à unidade familiar, já que a usucapião especial urbana é verificada com relativa incidência como meio de apropriação coletivo do espaço para moradia por pais, filhos, e outras pessoas que acabam estruturando a entidade familiar.

Como dito acima, a destinação é verificada essencialmente às pessoas de baixa renda. O próprio Estatuto da Cidade (Lei n.º 10.257/01) prevê a possibilidade da usucapião especial coletiva de imóvel urbano (art. 10)[12]. A utilização de tais espaços por tal beneficiários, cumpridos os requisitos legais, se delineiam no sentido de destinação às pessoas mais carentes, acabando por atender ao necessário princípio da função social da propriedade.

A forma de ocupação buscada a partir de tal instituto beneficia uma utilização eficiente do espaço urbano, evitando um problema sério dos grandes centros em desenvolvimento – a especulação imobiliária. No sentido de interpretação sistêmica e compreensão da usucapião especial urbana é bastante característico o que afirma Guilherme da Gama (200:

A usucapião especial urbana, como instituto do direito à moradia, deve ser compreendida nas seguintes vertentes: (a) como instrumento de política urbana, em atendimento ao princípio da função social da cidade...; (b) como instrumento de regularização fundiária (...); (c) como instrumento de reconhecimento do direito à moradia em favor da população de baixa renda que ocupa coletivamente determinada área. (2011, p. 331).

Garantir a utilização eficiente do espaço urbano, propiciando de forma coletiva, o direito à moradia, é um efetivo alinhamento ao princípio da função social da propriedade, impedindo a inutilização ou subutilização urbana, que tem peso consideravelmente negativo na contemporaneidade. Assim deve ser entendida a propriedade, possibilitada por meios efetivos e em perfeita consonância com os ditames previstos no texto constitucional.

 O Artigo 170, III da Constituição Federal dispõe que o direito de propriedade não pode ser gozado sem a estreita relação com a sua função social, adequando tal fruição aos ditames que impelem que ao direito coletivo deve ser destinada importância considerável, na medida em que o aspecto econômico e estritamente individual da propriedade há muito deixou de ser a ótica de maior relevo no ordenamento jurídico brasileiro.

Associa-se isso ao que dispõe o art. 182 do texto maior que une o desenvolvimento urbano, notadamente no âmbito municipal, à ideia de função social de modo a garantir o bem-estar dos habitantes. Dessa forma, o plano diretor deve abranger tal concepção impondo a necessidade de que a ocupação dos espaços urbanos se dê em conformidade com tais ditames, inclusive proporcionando as medidas restritivas de direitos, como a promoção da desapropriação, quando não observadas às diretrizes fixadas pelas exigências antes mencionadas.

Pensar a cidade e os aglomerados urbanos como ambientes que precisam primar pela justiça social e democrática é ligar a concepção da propriedade ao seu aspecto coletivo e efetivamente tensionado à caracterização de um ambiente socialmente sustentável, estruturado em bases que buscam concretamente a defesa da dignidade da pessoa humana, já que o direito à moradia se relaciona estreitamente a essa garantia também.

É nesse sentido que tanto a Constituição quanto o Estatuto das Cidades acabam interpretando a forma de aquisição da propriedade por via da usucapião especial urbana coletiva. Este último diploma, nas palavras de Arlete Rodrigues (2004, p.02): “Inova ao reconhecer a cidade real, a necessidade de legitimar, legalizar as áreas ocupadas por moradias”. Estabelece novos critérios para parcelamento do solo, inclui a obrigatoriedade de participação da sociedade civil na elaboração do Plano Diretor Municipal, tido como propulsor da gestão coletiva.

Os instrumentos introduzidos, além de fazer referência aos ditames já inseridos no texto constitucional, acabam por desenvolver uma concepção conjunta acerca da necessidade de se pensar o povoamento urbano associando-o à máxima da função social da propriedade, no seu sentido integral e, portanto, adequada à garantia da moradia como elemento promotor de desenvolvimento social em todos os níveis.

Vale mencionar que os requisitos antes descritos para a configuração da usucapião especial urbana coletiva destinam-se a limitar sua utilização com base em critérios específicos, mas que se unem à ideia geral presente no instituto da usucapião genérica, principalmente no que diz respeito ao binômio presente na conduta omissiva do antigo proprietário ou postulante e na conduta ativa do possuidor, resguardada em direitos que garantem e condicionam o objetivo de regularizar a propriedade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A propriedade deve ser pensada na amplitude de sua concepção e esta não se restringe ao aspecto puramente econômico e individual. Sua conformação segue balizamentos construídos na esteira que a concebe como elemento norteador de um direito tão caro a diversas sociedades, mas que o Brasil sempre introduziu importância considerável, entendendo que a possibilidade que o indivíduo tem de ser dono de determinado terreno ou de imóvel é um direito que influencia positivamente diversas outras garantias e se liga fundamentalmente à noção ampliada de dignidade da pessoa humana, que passa necessariamente à garantia de uma moradia de qualidade.

Não se pode pensar a tão afamada função social da propriedade desvinculada desses elementos acima dispostos e isso se coaduna com o real sentido presente em tal direito. A possibilidade presente com a usucapião especial urbana coletiva concebe a fruição de um direito potenciado ao extremo já que a função social da propriedade é buscada de forma característica. Isso se dá porque a maior extensão de tal garantia é aquela que promove a reunião de vários fatores a partir da concepção de um instituto de concreta realização. A transformação da posse em propriedade, possibilitando sua fruição de forma coletiva é um mecanismo que seguramente mostra-se condizente com os anseios direcionados à ideia de moradia digna em nível macro.

As cidades podem deixar de ser espaços de evidente exclusão social, subocupadas e em total desconformidade com níveis básicos de urbanidade e dignidade. Faz-se necessário pensar o instituto da usucapião, marcadamente aquela destinada a propiciar o direito de propriedade de forma coletiva, como efetivo mecanismo de inclusão social, pensada sob o prisma constitucional presente na ideia de função social ligada ao direito de propriedade.

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

ANJOS FILHO, Robério dos. A função social da propriedade na Constituição Federal de 1988. Disponível em < http://www.juspodivm.com.br/novo/arquivos/artigos/agrario/roberio-a_funcao_social.pdf>. Acesso em 29 Out. 2013.

 

A Função Social da Propriedade. Disponível em:<http://www.forumreformaurbana.org.br>. Acesso em 29 Out. 2013.

BRASIL. Estatuto da Cidade: Lei 10.257/2001 que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília, Câmara dos Deputados, 2001.

 

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva 2010.

 

FAÇANHA, Ludiana Carla Braga. A política urbana à luz da Constituição Brasileira de 1988. Disponível em < http://jus.com.br/artigos/2334/a-politica-urbana-a-luz-da-constituicao-brasileira-de-1988>. Acesso em 29 Out. 2013.

 

 

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direitos Reais. São Paulo: Atlas, 2011.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

 

 

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

RODRIGUES, Arlete Moysés. Estatuto da Cidade: função social da cidade e da propriedade. Alguns aspectos sobre população urbana e espaço. Cadernos Metrópole, n.º 12. 2º semestre. Disponível em: <www.cadernosmetropole.net/dowonload/cm_artigos/cm12_56.pdf.> Acesso em 25 out 2013.

 

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito das coisas. São Paulo: Saraiva 2003.

SOUSA JÚNIOR, José Lopes de. Usucapião Especial Urbana e a Função Social da Propriedade. THEMIS- Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará, UNISUL/LFG, 2010.

 

 

 



[1] Paper apresentado à disciplina Direitos Reais do 5º Período do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom-Bosco (UNDB).

[2] Aluna do 5º período Noturno do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom-Bosco (UNDB).

[3] Aluna do 5º período Noturno do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom-Bosco (UNDB).

[4] Professora, especialista, Orientadora.

[5] A Função Social da Propriedade. Disponível em <http://www.forumreformaurbana.org.br>. Acesso em 29 Out. 2013.

[6] ANJOS FILHO, Robério dos. A função social da propriedade na Constituição Federal de 1988. Disponível em < http://www.juspodivm.com.br/novo/arquivos/artigos/agrario/roberio-a_funcao_social.pdf>. Acesso em 29 Out. 2013.

[7] Idem.

[8] Aqui se está referindo às teorias subjetiva de Savigny e objetiva de Ihering. A primeira considerava como elementos fundamentais da posse o corpus e o animus enquanto que a segunda o animus estava subjacente ao corpus.

[9] FAÇANHA, Ludiana Carla Braga. A política urbana à luz da Constituição Brasileira de 1988. Disponível em < http://jus.com.br/artigos/2334/a-politica-urbana-a-luz-da-constituicao-brasileira-de-1988>. Acesso em 29 Out. 2013.

[10] Idem.

[11] ESTATUTO DA CIDADE. Disponível em:< http:// www.senado.gov.br/senado/programas/estatutodacidade>. Acesso em: 29 Set. 2013.

[12]As áreas urbanas com mais de 250m2, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por 5 (cinco) anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são suscetíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários e outro imóvel urbano ou rural.