Tribunal de contas estadual e o julgamento das contas do prefeito ordenador de despesas
Publicado em 20 de outubro de 2011 por fabiana augusta de araújo pereira
1. Introdução
Polêmica questão que tem despertado especial atenção dos juristas brasileiros concerne ao caso do Prefeito Municipal ordenador de despesas. Doutrina e jurisprudência digladiam no intento de solucionar a dúvida acerca do órgão competente para o julgamento do Prefeito, quando este acumula a função de ordenador de despesa.
A Constituição Federal de 1988, respeitando a dualidade do regime de contas públicas, atribuiu ao Poder Legislativo, auxiliado pelo Tribunal de Contas, o julgamento político das contas dos Chefes do Poder Executivo municipal. No mesmo passo, determinou que as contas dos demais administradores e responsáveis por haveres públicos (entre os quais figura o ordenador de despesa), seriam julgadas pelo Tribunal de Contas.
Em grande parte dos municípios brasileiros, no entanto, o Prefeito Municipal acumula a função de ordenador de despesas, fato que provoca grande confusão no que tange ao órgão responsável pelo julgamento de suas contas. Realmente, ao avocar a função de ordenador de despesa, o Prefeito gere duas modalidades de contas: as de governo, inerentes a seu cargo político e as de gestão, outorgadas ao ordenador de despesas.
Ora, é sabido que a Câmara de Vereadores deve julgar as contas de governo do Prefeito, mas deve o mesmo órgão político julgar as contas de gestão do Prefeito? Ou, ao contrário, deveria ser a Corte de Contas a instituição competente para o julgamento das contas de gestão relativas aos atos de ordenamento de despesas desempenhados pelo Prefeito?
Para deslinde da controvérsia, faz-se indispensável não olvidar o fato de que o Tribunal de Contas tem essência oriunda da estruturação do Estado Democrático de Direito, possuindo insofismável relevância à fiscalização técnica das contas dos agentes públicos. Com efeito, a Corte de Contas é o órgão responsável por garantir à sociedade a transparência e o exame das contas públicas, além de deter o poder sancionatório em face dos agentes públicos que não atuam em consonância com os fundamentos insculpidos na Constituição Federal. Por outro lado, a Câmara Municipal é órgão eminentemente político e, justamente por não deter competência para o exame técnico das contas de governo do Chefe do Executivo, é obrigatoriamente auxiliado pelo Tribunal de Contas.
Assim, há posição no sentido de apenas a Câmara de Vereadores ter a competência para o julgamento das contas do Prefeito, mesmo sendo ordenador de despesa. Ou seja, as contas deveriam ser julgadas de acordo com a autoridade que as conduz e não de acordo com a essência do que se contabiliza. E há os que entendem que quando Prefeito acumula a função de ordenador de despesa, maneja duas classes de contas, de sorte que devem ser julgadas duplamente: as contas de governo, julgadas pela Câmara, com emissão de parecer prévio do Tribunal de Contas e as de gestão julgadas exclusivamente pelo Tribunal de Contas.
A divergência jurisprudencial e doutrinária é nítida e revela um problema de fundo ainda mais funesto: a Corte de Contas, instituição democrática nascida como fruto de tanto labor da democracia, hoje tem sua força e autonomia encurtadas, de sorte a favorecer maus administradores públicos em detrimento dos devastadores prejuízos ao Estado e à sociedade. Pois é certo que a dúvida acerca da competência do Tribunal de Contas para o exame de contas de gestão (determinada pela Constituição Federal de 1988) é prova inequívoca da incipiente compreensão acerca dos fundamentos que norteiam o controle externo e das consequências danosas desta oscilação doutrinária e jurisprudencial.
Neste mister, o presente estudo visa a despertar o leitor para premente necessidade de reflexão acerca dos pilares da fiscalização pública, o papel desempenhado pelo Tribunal de Contas e as consequências devastadoras de eventual afastamento da competência do Tribunal de Contas para o julgamento das contas dos Prefeitos ordenadores de despesas.