Resenha “Cidadania e Classe Social” - T. H. Marshall

O modelo de cidadania proposto por Thomas H. Marshall no Capítulo 3 da sua obra Cidadania, Classe Social e Status, apesar de se enquadrar perfeitamente apenas no caso inglês, já que se trata de um estudo empírico sobre o desenvolvimento da cidadania na Inglaterra, é muito importante e serve como referência para os estudos sobre o desenvolvimento da cidadania em outros países.

Em sua obra, Marshall faz uma análise e descreve como a cidadania se desenvolveu na Inglaterra, procurando apresentar argumentos para responder a algumas questões colocadas por ele no início do texto, das quais podemos destacar: se pode haver limites além dos quais a tendência moderna em prol da igualdade social não pode chegar ou provavelmente não ultrapassará e se há uma espécie de igualdade humana básica, associada com a participação efetiva na comunidade, que é consistente com uma superestrutura de desigualdade econômica.

Na primeira questão, é importante destacar que o autor não estava se referindo à custo econômico, como propôs o economista Alfred Marshall, o qual o autor cita como referência, mas nos limites inerentes aos princípios que inspiram essa tendência.

Segundo Thomas Marshall, o conceito de cidadania envolve três elementos, a saber: civil, político e social. O desenvolvimento da cidadania na Inglaterra se deu com a fusão e separação desses elementos. A fusão foi geográfica e a separação funcional. Na fusão a cidadania passou de instituição local à nacional e a separação refere-se à separação dos três elementos, de modo que se tornaram, nas próprias palavras do autor, estranhos entre si. Deu início, portanto, um novo processo de unificação desses direitos.

Os direitos civis foram os primeiros a se formarem, cuja formação se deu basicamente com a adição de novos direitos a um status já existente e que pertencia a todos os membros adultos da comunidade (homens). Quando os direitos políticos começaram a surgir, os direitos civis já eram uma conquista do homem. A formação dos direitos políticos se caracterizou pela adoção do sufrágio universal, mas esse não estabeleceu, por completo, a igualdade política de todos em termos de direitos de cidadania. Os direitos políticos se entrelaçavam com os direitos sociais que, por sua vez, começavam a surgir durante o século XIX com o desenvolvimento da educação primária pública.

Segundo o autor, a sociedade aceita as desigualdades sociais existentes entre as classes e, não apenas isso, a consideram necessária, uma vez que oferece o incentivo ao esforço e determina a distribuição do poder. Mas havia uma condição para essa aceitação, qual seja a igualdade de cidadania deveria ser reconhecida.

Contudo, a cidadania não foi impactante sob a redução da desigualdade social no final do século XIX, porém, ajudou a guiar o processo para o caminho que conduzia diretamente às políticas igualitárias do século XX.

Obviamente comparar o nível de desigualdade socioeconômica entre Brasil e Inglaterra não parece ter muito sentido, pois há uma diferença muito grande entre esses países. Podemos mensurar essa diferença através do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) onde, embora o Brasil tenha melhorado com relação aos anos atrás, ainda continua muito atrás da Inglaterra, mesmo estando essa passando por uma crise.

Porém, embora a diferença em termos socioeconômicos entre Brasil e Inglaterra sejam grandes, em ambos países há desigualdades, portanto, o modelo inglês de desenvolvimento da cidadania pode servir para analisar a cidadania brasileira. Por exemplo, quando o autor diz que há consistência entre igualdade de participação (cidadania) e desigualdade econômica na Inglaterra, isso também pode ser aplicado no Brasil. Da mesma forma que na Inglaterra, embora o exercício da cidadania seja uma realidade, o que vemos no Brasil é que a civilização faz questão que uma certa dose dessa desigualdade exista, já que sem ela não seria possível medir o sucesso e o fracasso do indivíduo. A título de exemplo, é por isso que no Brasil muitos abominam certas políticas públicas de ingresso, seja na universidade ou no serviço público, que priorizam as pessoas menos favorecidas em detrimento da meritocracia.

Hoje, o fator que difere a ideologia política é a igualdade de condições, que basicamente busca igualar o nível dos menos favorecidos aos demais para que, na luta por melhores condições de vida, não estejam estes em desvantagem. É possível ver que os partidos políticos que se dizem “de esquerda” e seus seguidores priorizam mais a igualdade de condições do que os partidos da “direita”.

Como há mais de 12 anos o Brasil vendo sendo governado por um partido cuja ideologia é de esquerda, o que vemos é que são fortes as políticas públicas em prol do combate à desigualdade socioeconômica, porém, a igualdade absoluta nos parece algo inatingível, seja pela qualidade e abrangência dos serviços sociais prestados no Brasil, seja por conflitos de interesse. Mas como o próprio autor diz, não buscamos uma igualdade absoluta. Eis que há limites para o movimento em favor da igualdade, já que parece haver um abismo entre as classes mais e menos favorecidas, que só seria possível desaparecer se houvesse uma mudança significativa no sistema capitalista, algo que não é do interesse das elites.

Referência:

MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. (capítulo 3 – Cidadania e classe social).

Lilian Segnini Rodrigues
Administradora da Universidade Federal de São Carlos
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