TELETRABALHO: DIREITO A DESCONEXÃO E À JORNADA REGULAR DE TRABALHO[1]

Anne Caroline Campos Soares e

Virna Elise Berrêdo Martins[2]

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O teletrabalho: conceito e características. 3. Desconexão: um direito fundamental do telempregado. 4. Atuação do Ministério Público do Trabalho na fiscalização do teletrabalho. 5. Conclusão. Referências.

RESUMO

O presente trabalho possui como escopo o estudo do teletrabalho, como relação trabalhista que vem sofrendo constantes mudanças no mundo globalizado. Assim, no artigo serão apresentados os conceitos e características do teletrabalho, abordando sua natureza jurídica, vantagens e desvantagens quando comparada com as relações de trabalho tradicionais. Também discutirá o direito a desconexão como direito fundamental do teletrabalhador, isto é, sua desvinculação total do ambiente de trabalho. Por isso, estudaremos meios hábeis ao controle da jornada de trabalho do teletrabalhador, garantindo o direito essencial à desconexão. E, por fim, aferir o papel do Ministério Público do Trabalho na fiscalização do teletrabalho, como meio capaz de reduzir irregularidades e condições desumanas de trabalho.

PALAVRAS-CHAVE

 Teletrabalho; Desconexão; Direito Fundamental; Regulamentação; Jornada de Trabalho.

1        Introdução

 

O aparecimento de novos mecanismos tecnológicos propicia o surgimento de novas profissionais, atendendo às necessidades do mercado. É aqui que surge o teletrabalho, como forma alternativa de atividade laboral exercida distante da empresa ou empregador, desempenhado por meio de aparelhos telemáticos e/ou informáticos.

Entretanto, a possibilidade de levar o trabalho para casa traz vantagens e desvantagens. A aproximação entre o ofício e a família produz grandes transformações, o que acaba gerando uma série de consequências em relação ao descanso, lazer e saúde.

 Assim, o presente artigo almeja estudar a forma como se dá a mudança do trabalho do ambiente de trabalho para a moradia do telempregado, a necessidade de controle eficiente do período trabalhado e como isso poderá implicar na violação do direito fundamental à desconexão.

 

2        O teletrabalho: conceito e características

 

De acordo com o dicionário Aurélio (2010, p. 2.953) tele significa longe, à distância. Teletrabalho nada mais é que o uma modalidade de trabalho exercido distante do controle e supervisão do empregador. Segundo José Augusto Rodrigues Pinto (2000, p. 115), o teletrabalho corresponde a “uma atividade de produção ou de serviço que permite o contrato à distância entre o apropriador e o prestador da energia pessoal”. Pinho Pedreira (2000, p. 584) defende que teletrabalho seria espécie do gênero trabalho à distância sendo exercido geralmente longe do local de trabalho, e excepcionalmente nesse estabelecimento. Para uma terceira corrente, “teletrabalho também pode ser denominado trabalho periférico, trabalho à distância, trabalho remoto e quer dizer prestação de serviço por um trabalhador, preferencialmente na sua casa, com suporte de instrumentos relacionados a telecomunicações e informática” (VALENTIN apud CASSAR, 2010, p. 183).

Jack Nilles, o fundador do teletrabalho, o define como quaisquer formas de substituição de deslocamentos relacionados com a atividade econômica por tecnologias da informação, ou a possibilidade de enviar o trabalho ao trabalhador, no lugar de enviar o trabalhador ao trabalho. Isso faz com que o desenvolvimento da atividade profissional seja realizado sem a presença física do trabalhador na empresa durante parte importante do dia, mas contatados por um meio de comunicação qualquer. (ESTRADA, 2003, p. 1)

 

O teletrabalho é modalidade de emprego cada vez mais presente no contexto econômico. Trata-se de uma nova forma de relação entre empregador e empregador, o qual possui como essencial a distância entre esses sujeitos, de maneira a dinamizar e facilitar o trabalho exercido pelo empregado uma vez que ele poderá estar mais próximo do seu público alvo, que pode ser clientes, empresas, fornecedores etc. Apesar disso ele não pode ser confundido com trabalho em domicílio:

O teletrabalho distingue-se do trabalho a domicílio tradicional não só por implicar, em geral, a realização de tarefas mais complexas do que as mauais, mas também porque abrange setores diversos como: tratamento, transmissão e acumulação de informação; atividade de investigação; secretariado, consultoria, assistência técnica e auditoria; gestão de recursos, vendas e operações mercantis em geral; desenho, jornalismo, digitação, redação, edição, contabilidade, tradução além da utilização de novas tecnologias, como informática e telecomunicações, afetas ao setor terciário. (BARROS, 2012, p. 258)

 

 

            Devido a grande imersão tecnológica nesta época contemporânea e a facilidade de comunicação por instrumentos mais leves, ágeis e acessíveis, foi possível a disseminação do teletrabalho no planeta. A dificuldade de locomoção para os locais de trabalho somados ao crescimento tecnológico nada mais são que a realidade atual devendo ser as mesmas ultrapassadas, com o auxílio constante das telecomunicações. É mais barato manter um funcionário em casa ou na praça que manter um estabelecimento de trabalho, com todos os seus custos. “Flexibiliza-se, portanto, o local de trabalho” (BARROS, 2012, p. 258).

O teletrabalho apresenta vantagens e desvantagens, como qualquer tipo de relação empregatícia. A primeira vantagem está relacionada a grande economia em relação a utilização do estabelecimento de trabalho para aquele empregador, recurso que terá seus custos reduzidos para utilização de local reduzido; diminuição dos custos com aluguel, manutenção, luz, material de escritório; o empregado estará mais próximo dos seus clientes, fornecedores e outros agentes;  gera maior produtividade do empregado; flexibilidade de horário (BARROS, 2012, p. 259).

            Em contrapartida, aponta-se a dificuldade de controle do empregado pelo empregador; a falta de domínio da jornada de trabalho; ausência de contato com outros trabalhadores; a eliminação da possibilidade de construção de uma carreira, promoções etc; o controle da empresa sobre o trabalhador pode gerar invasão de privacidade (BARROS, 2012, p. 259-260).

            No que tange a natureza jurídica, dispõe o art. 2º da CLT que “considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”. Empregado é definido como “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste mediante salário”. Quanto ao trabalho realizado fora do estabelecimento do empregador, o art. 6º aduz que “não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego”.

Manuel Martin Estrada (2003, p. 2) afirma que, para averiguação da natureza jurídica do teletrabalho, é necessário analisar as condições do fato concreto uma vez que a relação poderia ter traços tanto cíveis, trabalhistas ou comerciais, portanto deve está clara a presença dos requisitos que configuram a relação de emprego, que são: trabalho prestado por pessoa física, de forma não eventual, onerosidade, subordinação e pessoalidade. Nesse sentido, é cabível afirmar sua natureza jurídica mista.

Apesar de executar seu ofício longe do patrão, a subordinação, requisito essencial para caracterização do vínculo empregatício, está presente, ainda que não aparente, incidindo sobre os serviços e não sobre a pessoa (CASSAR, 2010, p. 184). A subordinação jurídica é pressuposto de distinção entre o trabalhado autônomo e o subordinado. Sérgio Pinto (2001, p. 95) defende que a subordinação existente entre trabalhador e empregador é chamada de parassubordinação ou telessubordinação.

A parassubordinação é característica das relações de trabalho que não são completamente subordinadas, e nem autônomas, possuindo características de ambas (PAIVA, 2010, p. 36). Nas palavras de Alice Monteiro de Barros (2012, p. 227) “os trabalhadores não são subordinados, mas prestam uma colaboração contínua e coordenada à empresa e, por motivos fáticos e de desnível econômico, contratam seus serviços com esta condição de inferioridade sob a modalidade de contratos civis ou mercantis”. Tudo dependerá do caso concreto e de suas características próprias:

 

Se a comunicação permite apenas uma coordenação do trabalho desenvolvido, estará presente a figura da parassubordinação. Se a comunicação for realizada em caráter fiscalizatório, configura-se uma relação de subordinação e de emprego. Entretanto, se a prestação de serviço é feita sem coordenação ou qualquer tipo de imposição ou fiscalização por parte da empresa contratante, a relação é autônoma. (PAIVA, 2010, p. 39)

 

 

Para que seja identificado qual o regime que deverá ser aplicado, é importante conhecer de que forma o empregador exerce seu poder diretivo através dos meios de comunicação e da tecnologia.

                             

3        Desconexão: um direito fundamental do telempregado

 

A Constituição de 1988 assegura o direito à desconexão nos incisos XIII e XVI do art. 7º:

 

São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XVI – remuneração do serviço extraordinário não superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal;

 

 

O direito à desconexão pode ser conceituado como o período de descanso concedido ao empregado previsto constitucionalmente, visando à manutenção de sua integridade física, mental e o lazer. Para Alice Monteiro de Barros (2012, p. 682), o período de descanso tem como objetivo oferecer ao trabalhador oportunidade de alimentar-se, descansar e repor suas energias.

São lapsos temporais regulares, remunerados ou não, situados intra ou intermódulos diários, semanais ou anuais do período de labor, em que o empregado pode sustar a prestação de serviços e sua disponibilidade perante o empregador com o objetivo de recuperação e implementação de suas energias ou de sua inserção familiar, comunitária e política. (grifo nosso) (DELGADO, 2006, p. 917)

 

 

            O intervalo do tipo intrajornada diz respeito ao tempo devido ao trabalhador dentro da jornada diária de trabalho, por isso o “intra”, que quer dizer dentro. Tem por objetivo fazer com que o empregado descanse para continuar o restante da jornada daquele dia. Por outro lado, o intervalo interjornada é aquele entre um jornada e outra, período de descanso mais longo com duração mínima de onze horas de um dia para o outro, vinte e quatro horas consecutivas entre uma semana e outra (art. 66 e 67 CLT) e férias de trinta dias a cada ano (art. 134 e segts. CLT).

Desta forma, o direito à desconexão é direcionado à garantia de que todo e qualquer individuo possui de fruir de descanso, lazer, diversão e sono, de maneira que o empregado está totalmente desvinculado ao empregador e das preocupações do cargo. “Além da remuneração pelo ‘tempo a disposição’ ou de sobreaviso, tem o trabalhador o direito fundamental ao descanso, sem os incômodos da modernidade e sem ter sua intimidade e privacidade invadidas” (CASSAR, 2010, p.189). Complementa Salomão Resedá (2007, p. 157-175) ao dizer que o “direito à desconexão apresenta-se como forma de garantia do cumprimento do preceito constitucional a partir dos novos paradigmas trazidos pela tecnologia”.

Tratando-se de teletrabalho, onde há um distanciamento maior entre empregado e empregador, e consequentemente menor controle, é difícil haver uma fiscalização pelo empregador do tempo dedicado pelo empregado ao serviço. O patrão, como pessoa detentora de algum poder econômico, deve apresentar ao seu subordinado meio capaz de fiscalizar a atividade deste impondo limites ao exercício do labor respeitando a jornada de trabalho de oito horas diárias e quarenta e quatro semanais sem, é claro, violar sua intimidade ou privacidade.

O essencial é que o empregador execute o controle a distancia. E, para que, concretamente o realize, devem ser determinados os seguintes pressupostos jurídicos: o direito de limite de jornada ao empregado e o ônus da prova desta jornada ser de competência do empregador (PAIVA, 2010, p. 50). A fiscalização do trabalho, de acordo com Vera Regina Winter (2005, p. 141) pode acontecer “mediante o uso de senhas, em face da necessidade de não-divulgação de dados da empresa ou do tempo gasto para controlar a utilização de determinado programa”.

O avanço tecnológico apresenta também o paradoxo de que ao mesmo tempo em que permite que o trabalho se exerça à longa distância possibilita que o controle se faça pelo mesmo modo, pelo contato “on line” ou outros meios, sendo que até mesmo pela mera quantidade de trabalho exigido esse controle pode ser vislumbrado. (MAIOR, 2003, p. 12)

 

Não é razoável determinar ao empregado a obrigação de permanecer a postos para ser acionado em horário que não seja o de trabalho, com todas as repercussões sociais, familiares e psicológicas que tal ônus acarreta, e não seja remunerado por esse tempo trabalhado a mais, a apropriação de sua intimidade, descanso e lazer (RESEDÁ, 2000, p. 6). A finalidade do direito do trabalho é evitar que a tecnologia possa ser usada como forma de oprimir, explorar e sujeitar o teletrabalhador, causando violação a sua intimidade e a de seus familiares. Nas palavras do jurista Jorge Souto Maior (2005, p. 7) “o trabalho (...) dignifica o homem, mas sob outro ângulo, é o trabalho que retira esta dignidade do homem, impondo-lhe limites enquanto pessoa na medida em que avança sobre a sua intimidade e sua vida privada”.

 

O direito à desconexão deve ser uma garantia assegurada a todos os trabalhadores submetidos ao regime do teletrabalho. Somente assim estará assegurado o cumprimento dos preceitos existentes na CLT e, por conseguinte, a viabilidade deste instituto perante o ordenamento jurídico pátrio. (RESEDÁ, 2000, p. 5)

 

 

Quando o trabalhador é obrigado a porta equipamentos como notebooks, pagers, blackberry e outros dispositivos para estar sempre conectado com seu chefe, mesmo que vez ou outra, terá direito à remuneração por aquele tempo dispendido. Nesse sentido, Vólia Bonfim Cassar (2010, p. 189) teoriza que “não se pode comparar o empregado que, ao final de jornada, pode se desligar do trabalho e relaxar, com aquele que, apesar de ter saído do ambiente de trabalho ao final da jornada, ainda leva consigo um prolongamento do ofício, tendo que responder aos chamados do empregador”. A autora defende que o uso desses equipamentos ensejaria sobreaviso (2010, p. 191). Discordando, Sérgio Pinto Martins (2001, p. 469) entende que o uso de bip, pager, blackberry da empresa não caracteriza sobreaviso uma vez que o empregador não fica limitado na sua liberdade de ir e vir. Neste sentido se posiciona o TST:

SOBREAVISO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 244, § 2º DA CLT[4]. I - O uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso. 

II - Considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso. (grifo nosso)

 

 

Quando ausentes os meios de controle por parte do empregador do labor exercido por seu empregado, a jurisprudência vem decidindo pelo descabimento de hora-extra por ser o ofício considerado de atividade externa, portanto não amparado pela jornada de trabalho de oito horas diárias. É o que dispõe o art. 66, inc. I da CLT: “Não são abrangidos pela regime deste capítulo: I – os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho (...)”.

A jurisprudência em relação ao pagamento de horas-extra para trabalho realizado fora da empresa vem se posicionando da seguinte forma:

 

TRABALHO A DOMÍCILIO. HORAS EXTRAS. Admitindo o reclamante a prestação de serviços em sua residência, no horário que lhe fosse mais conveniente, assim como o auxílio prestado por terceiros, impossível avaliar o período de tempo despendido. Assim, incabível o pedido de horas-extras. (TRT 3º região – 2º T – RO/21773/99 – Rel. Taísa Maria Macena de Lima – DJMG 14.06.2000 – p. 15).

 

Serviços externos não controlados – Não faz jus ao trabalhador horas-extras nessas condições. O trabalhador que prestar serviços externos não sujeitos a controle de horário enquadra-se nas disposições do art. 62 da CLT e não faz jus, portanto, ao pagamento de horas-extras. (TRT-SC; RO 2966/90 – AC 1ª T. 1250/91. 05.03.91, Rel. Rubens Miller, DJSC 30.04.91)

 

JORNADA – ART. 62, INCISO I, CLT – NÃO CABIMENTO. Contatos frequentes entre empregado e superior hierárquico através de telefone celular não pode ser considerado como fiscalização de horário de trabalho, mormente quando o primeiro é o único empregado da empresa no Estado e executa suas tarefas externamente. A submissão daquele à norma contida no inciso I do art. 62 da CLT é evidente. (RO nº 2266 – Acordão nº 523/02 – Sergipe – Tribunal Regioal do Trabalho da 20º Região – Tribunal pleno. Rel. Ismênia Quadros, 02.02.2002)

 

A ausência de fiscalização da jornada de trabalho do teletrabalhador é prejudicial ao empregado haja vista que, caso um dia entre na justiça para reaver as horas-extras não pagas, correrá o risco de nunca ver seu direito atendido, o que não ocorreria se houvesse alguma espécie de controle dessa carga horária pela empresa ou empregador. A contrario sensu, pelo fato do telempregado ser monitorado pelo telempregado, pode-se vislumbrar a possiblidade do teletrabalhador ter direito ao pagamento de horas-extras. Alice Monteiro de Barros discorre que é possível que o teletrabalhador faça jus ao pagamento de hora-extra, desde que presente uma mínima forma, que seja, de controle entre empregado e empregador:

 

É possível, entretanto, aplicar ao teletrabalhador as normas sobre jornada de trabalho, quando estiver em conexão permanente com a empresa que lhe controla a atividade e o tempo de trabalho, mediante a utilização de um programa informático, capaz de armazenar na memória a duração real das atividades, dos intervalos, ou o horário definido pela exigência dos clientes do empregador, sem que o teletrabalhador tenha liberdade para escolher as horas que pretende trabalhar ao dia. Não há incompatibilidade entre o teletrabalho e a jornada extraordinária e, consequentemente, é possível também fixar o salário por unidade de tempo. (BARROS, 2012, p. 263)

 

O direito às horas-extras configura como forma hábil de compensar a limitação do direito a desconexão. Entretanto, deve haver uma limitação clara e maior controle do telempregador no que tange a quantidade de horas trabalhadas por seu empregado, através de equipamentos tecnológicos capazes de calcular o tempo dispendido na atividade assim como parar de funcionar, por exemplo, depois de determinada hora. É uma forma rápida, e muita das vezes até mais simples do que aparenta, de permitir ao telempregado o seu direito fundamental ao lazer e repouso, evitando problemas posteriores com relação a pagamento de horas extraordinárias.

 

4        Atuação do Ministério Público do Trabalho na fiscalização do teletrabalho

 

Com o crescente surgimento de novas formas de trabalho mais flexíveis, entre elas o teletrabalho, é imprescindível a fiscalização dessas novas atividades muito presentes nessa nova realidade. A flexibilização como característica do teletrabalho, torna imperceptível a distinção entre a atividade laboral e o descanso, ocasionando em irregularidades que devem ser coibidas, trazendo consequências à segurança, saúde e ao ambiente de trabalho.

Por se tratar de atividade realizada preponderantemente no domicílio do telempregado, a fiscalização por parte do Ministério Público do Trabalho é problemática, em face da inviolabilidade do domicílio (art. 5º, inc. XI, CF), ressalvada a hipótese de consentimento do morador (WINTER, 2005, p. 148).

Devida às inúmeras repercussões da execução da atividade laboral dentro de casa, como a ausência da desconexão, prejuízos à saúde e ao lazer, faz-se importante a atuação de órgãos responsáveis pela fiscalização do trabalho como meio de dignificação do homem, e não sua degradação. Entre esses órgãos destaca-se o Ministério Público do Trabalho.

O Ministério Público do Trabalho nada mais é que instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, de apoio ao trabalhador contra abusos dos mais diversos tipos, que atua como órgão independente dos poderes judiciário, legislativo e executivo (art. 127 da CF). Possui diversas atribuições como a atuação judicial na intervenção dos processos judiciais, tanto como parte como de fiscal da lei, também atuando extrajudicialmente, no âmbito administrativo (LEITE, 2007, p. 119). Tem como missão “Defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis no âmbito das relações de trabalho, contribuindo para a proteção dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e para a concretização dos ideais democráticos e da cidadania” (MPT, online).

Dentre as atribuições do Ministério Público do Trabalho, dispostas no art. 83 da Lei Complementar nº 75­/93 estão:

 

Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:

I - promover as ações que lhe sejam atribuídas pela Constituição Federal e pelas leis trabalhistas;

II - manifestar-se em qualquer fase do processo trabalhista, acolhendo solicitação do juiz ou por sua iniciativa, quando entender existente interesse público que justifique a intervenção;

III - promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos;

IV - propor as ações cabíveis para declaração de nulidade de cláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores;

V - propor as ações necessárias à defesa dos direitos e interesses dos menores, incapazes e índios, decorrentes das relações de trabalho;

VI - recorrer das decisões da Justiça do Trabalho, quando entender necessário, tanto nos processos em que for parte, como naqueles em que oficiar como fiscal da lei, bem como pedir revisão dos Enunciados da Súmula de Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho;

VII - funcionar nas sessões dos Tribunais Trabalhistas, manifestando-se verbalmente sobre a matéria em debate, sempre que entender necessário, sendo-lhe assegurado o direito de vista dos processos em julgamento, podendo solicitar as requisições e diligências que julgar convenientes;

VIII - instaurar instância em caso de greve, quando a defesa da ordem jurídica ou o interesse público assim o exigir;

IX - promover ou participar da instrução e conciliação em dissídios decorrentes da paralisação de serviços de qualquer natureza, oficiando obrigatoriamente nos processos, manifestando sua concordância ou discordância, em eventuais acordos firmados antes da homologação, resguardado o direito de recorrer em caso de violação à lei e à Constituição Federal;

X - promover mandado de injunção, quando a competência for da Justiça do Trabalho;

XI - atuar como árbitro, se assim for solicitado pelas partes, nos dissídios de competência da Justiça do Trabalho;

XII - requerer as diligências que julgar convenientes para o correto andamento dos processos e para a melhor solução das lides trabalhistas;

XIII - intervir obrigatoriamente em todos os feitos nos segundo e terceiro graus de jurisdição da Justiça do Trabalho, quando a parte for pessoa jurídica de Direito Público, Estado estrangeiro ou organismo internacional.

 

 

Vera Regina Loureiro Winter (2005, p. 150) destaca o valor da atuação do Ministério Público do Trabalho, no que tange o teletrabalho:

 

No caso específico do teletrabalho, em que o empregado labora fora da empresa, é importante a atuação do MPT, mediante denúncia ou notícia de infração à lei laboral. Assim, denunciada a ação da empresa por fornecer equipamentos inadequados ao telempregado, ou exigir a empresa produção de tal monta que, pelo excesso, poderia assemelhar-se a trabalho escravo, ou, ainda, utilizar mão-de-obra infantil em trabalhos prejudiciais à saúde, caberia ao MPT instaurar inquérito civil público para averiguar possível lesão à saúde, segurança ou ao direito assegurado em lei e aplicar as medidas cabíveis contra a empresa denunciada. Ressalta-se que a atuação do MPT visa principalmente à efetivação do direito e não à simples reparação do dano material ou moral, para compensar a lesão já consumada.

 

 

Como instituição incumbida da tutela da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, passou a atuar como custos legis, possuindo competência para fiscalizar as atividades de trabalho, entre elas o teletrabalho, a favor da concretização dos direitos sociais.

 

5        Conclusão

O teletrabalho, como recente modalidade de relação de emprego, possui características peculiares em comparação à relação de emprego tradicional, apresentando vantagens e desvantagens. Entre estas, a que mais se destaca é a ausência de legislação específica o que resulta na ausência de inúmeros direitos garantidos aos demais trabalhadores. Essa omissão legislativa ocasiona a insegurança jurídica para o empregado, como para a sociedade. Nesse sentido, é importante a aplicação dos princípios trabalhistas entre os quais o da condição mais benéfica ao empregado e do in dubio pro operario.

Como bem estudado no decorrer do trabalho, o teletrabalho configura-se como modalidade de relação empregatícia na qual estão presentes todos os requisitos da relação empregatícia: pessoalidade, pessoa física, (para)subordinação, onerosidade e não eventualidade. Nesse diapasão, o teletrabalho consiste em relação de emprego e, portanto, é amparada pela Consolidação das leis do trabalho.

Todavia, para a concretização dos direitos dos telempregados, faz-se necessária a instalação de instrumentos capazes de conter a atividade laboral a fim de que ela não ultrapasse determinado tempo, podendo fazer jus à hora extraordinária, garantindo, assim, o direito constitucionalmente protegido da desconexão.

Para tanto, como visto, é imprescindível a atuação de órgãos fiscalizatórios, em destaque o Ministério Público do Trabalho, verificando as condições de trabalho do teletrabalho, a quantidade de horas trabalhadas, anotação da CTPS[5], bem como no que diz respeito à segurança do telempregado. Assim, reclama-se a atuação efetiva do órgão a fim de restringir atividades de teletrabalho sob condições irregulares ou até mesmo desumanas.

 

 REFERÊNCIAS

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2012.

BRASIL. Constituição (1988). República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>.

CASSAR, Vólia Bonfim. Princípios trabalhistas, novas profissões, globalização da economia e flexibilização das normas. Rio de Janeiro: Impetus, 2010.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 3 ed. São Paulo: LTr, 2005.

ESTRADA, Manuel Martin Pinto. O teletrabalho transfronteirico no Direito brasileiro. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2002-dez-30/teletrabalho_transfronteirico_direito_brasileiro>. Acessado em 12 de março de 2013.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 5 ed. Curitiba: Positivo, 2010.

GESTÃO ESTRATÉGICA DO MPT – Missão, Visão e valores. Disponível em: <http://portal.mpt.gov.br/wps/portal/portal_do_mpt/sobre_o_mpt/gestao_estrategica>. Acessado em 20 de maio de 2013.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: Doutrina Jurisprudencia e prática. 3 ed. São Paulo: LTr, 2007.

MAIOR, Jorge Luiz Souto. Do direito à desconexão. Disponível em: <http://www.nucleotrabalhistacalvet.com.br/artigos/Do%20Direito%20%C3%A0%20Desconex%C3%A3o%20do%20Trabalho%20%20Jorge%20Luiz%20Souto%20Maior.pdf>. Acessado em 12 de março de 2013.

PAIVA, Ana Helena Ferreira. A regulamentação da jornada de trabalho do teletrabalhador como um direito à desconexão. Monografia – Curso de Direito. Unidade de Ensino Superior Dom Bosco. São Luís, 2010.

PEDREIRA, Pinho. O Teletrabalho. Revista LTr., v. 64, nº 5. São Paulo: LTr, maio 2000.

PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2000.

RESEDÁ, Salomão. O direito à desconexão: uma realidade no teletrabalho. Revista Direito do Trabalho. São Paulo: nº 126, p.157-175, 2007. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/23040-23042-1-PB.pdf>. Acessado em 2 de maio de 2013.

WINTER, Vera Regina Loureiro. Teletrabalho: uma forma alternativa de emprego. São Paulo> LTr, 2005.



[1] Paper apresentado para obtenção da 2ª nota da disciplina de Direito Individual do Trabalho.

[2] Alunas do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[3] Professora titular da disciplina de Direito Individual do Trabalho da UNDB.

[4] “Considera-se de sobreaviso o empregado efetivo, que permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço. Cada escala de ‘sobre-aviso’ será, no máximo, de vinte e quatro horas. As horas de ‘sobre-aviso’, para todos os efeitos, serão contadas à razão de 1/3 (um terço) do salário normal”.

[5] Carteira de Trabalho e Previdência Social.