Werner Schrör Leber 

PARTE 1

O tom de Descartes é a pessoalidade. Seu Discurso se inicia na primeira pessoa. Descartes narra como chegou ao método. Chegou lá, assim já dá entender logo nas primeiras linhas, por ele mesmo. Escreveu: “Assim sendo, meu propósito aqui não é o de ensinar o método que cada um deve seguir para bem conduzir a própria razão, mas apenas mostrar de que maneira conduzi a minha” (DESCARTES, 2002, p. 77).[1] Desde a infância esteve alinhado com as letras, mas começou a se desviar do ensino tradicional, diz o autor. As humanidades clássicas já não lhe agradavam. Queria um outro paradigma. Confessa que a matemática lhe parece mais adequada (p. 80). Ela, assim parece, tem um grau de certeza e exatidão que as filosofias tradicionais não possuíam. Mas ele ainda não havia percebido toda a utilidade da matemática. Achava que servia apenas “[...] às artes mecânicas” (op, cit, p. 80). Ficava espantado que, apesar de seus fundamentos sólidos, a matemática nada de mais sólido havia construído. Descartes é dissimulado; escreve entre “as tumbas”, quer dizer, às vezes, quase sempre, por metáforas. Percebe-se um certo temor em suas palavras; um suspense. O que ele teme? Não o diz abertamente. Mas abandona as coisas que aprendeu nas escolas tradicionais, ou seja, estudo das línguas, leituras de livros antigos sobre as civilizações passadas da Grécia, Egito, Roma, Alexandria. Já teve admiração por essa cultura, mas algo lhe diz que o método que quer encontrar deve ser diferente dos ensinamentos clássicos. Agora Descartes (cf., p. 81) nos diz que já amou a teologia tal como a aprendeu, mas também está descontente com a teologia vinda da escolástica aristotélica, formada pela idéias de Tomás de Aquino. Esse Deus também já não lhe serve. Essa filosofia, derivada dos princípios da retórica escolástica aristotélica, nada provava; é precária. Decide abandonar a filosofia tradicional. Quer outro princípio e então escreve: “Resolvido a não mais buscar qualquer outra ciência, senão aquela que pudesse ser encontrada em mim mesmo, ou então no grande livro do mundo [...]”(Id. ibid., p. 82). Mas as opiniões dos homens eram demasiadamente diversas, iguais às opiniões da filosofia tradicional. Careciam de certeza; não tenham uma certeza última, final, indubitável. O que há de relevante nesta parte introdutória é justamente a noção de indivíduo como critério para a nova ciência que quer encontrar (digo, para o novo padrão, estatuto da razão que está a buscar). E, assim fecha a primeira parte: “[...] assim me desfazia pouco a pouco de muitos erros que podem ofuscar nossa luz natural e nos tornar menos capazes de ouvir a razão” (id. ibid., p. 83). Há alguma semelhança com Platão,? A luz natural, por acaso, não pode ser comparada à luz essencial do Bem (o Sol do lado de fora da caverna) que ilumina a alma? Descartes, assim como Platão, despreza o conhecimento sensível (experiência empírica); quer apenas o conhecimento intelectual (do latim Ratio=razão; daí a palavra racionalismo inerente à sua filosofia). É preciso ver com a cognição e não com os sentidos. 

PARTE 2 Na parte 2 de seu método Descartes começa lentamente e timidamente a mostrar no que quer assentar sua nova filosofia: só a razão, enquanto pensamento sem a presença da coisa (a exterioridade), pode nos fornecer um grau de certeza não encontrado em outra parte. É preciso não mais construir o conhecimento sobre velhas fundações (p. 85-86). Chega a afirmar, por exemplo, que nossos pais (p. 85) mais nos atrapalham do ajudam porque apenas nos ensinam “opiniões” e não nos levam a exercer a racionalidade desde pequenos. A pluralidade de vozes nos confunde com as várias opiniões. É preciso um marco novo. Descartes está em pugna contra as velhas tábuas do mundo, as velhas fundações, já não correspondem às exigências de uma racionalidade moderna. Mas como? Descartes então, uma vez mais, confessa que a nova ciência, o novo estatuto da racionalidade que quer apresentar, deve partir dele mesmo. Assim escreve: “Meu objetivo jamais esteve além de procurar reformar meus próprios pensamentos e construir sobre um terreno todo meu” (DESCARTES, 2002, p. 86). Ele é a norma do que apresentar. A verdade que procura encontra-se na alma, no espírito; a intelectualidade é uma espécie de existência que escapa do padrão material. Observe que Descartes tem clareza da individualidade do método que propõe. Fala então em dois tipos de espíritos. O primeiro seria um tipo arrogante, convencido de suas verdades, não aberto a novas possibilidades, “não consegue andar na senda estreita” diz Descartes (op. cit., p. 87). O segundo, um tipo mais humilde, mas que tem dificuldade de distinguir o falso do verdadeiro. Este, conforme dá a entender nosso autor, prefere ouvir opiniões a ter coragem de fundar as suas próprias. Nesse momento Descartes reconhece que “ainda” está no segundo caso, porém gostaria de abandoná-lo. Começa então a dar mostras de que a nova ciência (o novo estatuto da razão) deve estar na lógica, na álgebra, na geometria (p. 88-89). Quer encontrar um método que englobe essas três e as ultrapasse (p. 89-90). O método que Descartes imagina e propõe deve se assentar “desde” uma visão geométrica, matemática que dê suporte ao pensamento. É isso possível? Descartes conclui “provisoriamente” que sim, porque tanto a matemática quanto a geometria possuem a característica de partir do menos complexo ao mais complexo, isto é, das coisas mais superficiais às mais profundas. Seu Método manterá essas características.

 

PARTE 3:

Descartes afirma que não basta apenas derrubar a casa onde se mora. Isso seria um erro, pois necessário seria construir outra. É preciso ter um lugar onde habitar, estar e viver. O Método precisa de uma estratégia para poder surgir. Descartes esta temendo o quê? Precisamos imaginar; sempre há lacunas. Seria Descartes um fugitivo? Do que ele foge, afinal? Da Inquisição? É preciso supor que sim. Pois, os tempos de Descartes eram tempos de perseguição. E a estratégia é, primeiramente, não chamar muito a atenção, não fazer alarde, não provocar a ira dos adversários. Isso levaria a um desgaste que impediria o esforço para a confecção do Novo Método que busca instituir. Mas a casa deve ser reformada. 

MORAL PROVISÓRIA

É uma estratégia que tem a ver com a casa mencionada antes. A Moral Provisória é uma maneira de trabalhar “em silêncio” sem provocar o interesse de possíveis adversários ou daqueles que possam atrapalhar seus planos. Quem Descartes teme? Provavelmente a Inquisição? Os empiristas? Aqui fica sempre uma lacuna que só a imaginação do leitor preenche. Passa então a descrever as etapas da moral, que seriam em três etapas: a) obedecer as leis e normas do contexto, abandonar provisoriamente as opiniões próprias para poder reexaminá-las (p. 94). b) não seguir opiniões duvidosas; uma vez perdido, é melhor andar sempre em linha reta, pois é mais seguro de que assim se chega a algum ponto; quem anda em círculo só gasta energia sem lograr qualquer êxito; c) “Sempre vencer a mim mesmo”, isto é, não se conformar com os resultados já alcançados, pois o Novo Método exige dedicação e aperfeiçoamento. Aqui Descartes observa que a única coisa realmente em nosso poder são “os nossos pensamentos”. Observemos que Descartes outra vez põe a si próprio no método. A Moral Provisória, nesse caso, funcionaria como uma maneira de pôr seus próprios juízos em suspensão temporária para reexaminá-los. Descartes então afirma: “Pois o ato do pensamento pelo qual se acredita em uma coisa é diferente daquele pelo qual se conhece que se acredita nela, de modo que frequentemente um vai sem o outro” (DESCARTES, 2002, p. 94). Descartes confessa que quer “provisoriamente” o caminho cômodo. Quer evitar os excessos. A Moral Provisória (terceira máxima, p. 96) Descartes dá a entender que devemos fazer o melhor que pudermos. E repete outra vez que as únicas coisas que verdadeiramente estão em nosso poder são os nossos pensamentos, a da filosofia e não os objetos (a exterioridade). Eis aí já o dilema da filosofia cartesiana: o dualismo Fora/Dentro; Coisa Extensa /Coisa Pensante. Aqui pela primeira vez surgem os Estóicos, filósofos helenistas. Os estóicos, conforme Descartes, já haviam percebido que a natureza é limitada e que a única coisa que está em nosso poder são as nossas idéias, os nossos pensamentos. Para os Estóicos isso significava participar com o logos particular do Logos Universal (A Grande Razão). Qual a semelhança com o Método? Avancemos!!

Nessa Segunda Parte, propõe as quatro regras básicas do Método: a) aceitar só o que é claro e distinto; só é claro e distinto aquilo que se apresenta de modo claro e distinto à alma; ao espírito; b) dividir o que se analisa em partes para melhor poder percebê-las; c) estipular uma ordem que vá do mais simples ao mais complexo; d) fazer uma enumeração (revisão, resumo) para se certificar de que nada omitiu. Esse é um princípio da geometria que Descartes quer aplicar ao pensamento para toda e qualquer situação. Descartes então nos diz que deveria continuar o caminho que já iniciou, isto é, cultivar a própria razão (p. 97) segundo os critérios do Método que já está elaborou (97). Descartes agora confessa que descobriu verdades importantes e sempre ignoradas pelos outros. Agora nada mais importa, apenas o que ele descobriu é importante. Essa é Nova Questão do pensamento modernidade! Mas o que é isso? A luz natural da razão! Deus deu a cada um luz para distinguir o verdadeiro do falso (p.98), (Epa, isso não é Platão meus amiguinhos?) Uma ontologia? Claro que sim, mas como? É Descartes um teólogo? Ou é Descartes um platônico? Surgem as “verdades da fé”: “elas sempre foram as primeiras em sua vida”, confessa (p.98). A seguir menciona que não é um cético. O que é um cético, diz aí você que vai prestar vestibular!!!! Ele quer remover a terra movediça paraq encontrar a argila e a rocha firme (P.99). Descartes afirma ao final da Parte 3 que está convencido de que seu método é melhor que todos os outros já conhecidos. Só ele conduz à clareza racional,  uma certeza indubitável, e afasta as opiniões falaciosas e falsas. Sua filosofia quer superar a filosofia vulgar (escolástica) (p. 100-101). 

PARTE 4

Surge a Metafísica, a ontologia, a profundidade do Método que propõe. Primeiramente afastar todas as opiniões em que pudessem restar dúvidas (p.101). Isso é necessário para fazer surgir, ao final, aquilo que é último, verdadeiro, indubitável. Mesmo os sonhos revelam a substância verdadeira. Em qualquer situação a substância verdadeira que Descartes quer está presente. O pensamento não pode fugir dela; o pensamento é prisioneiro dela; ela simplesmente é, está aí, não surge dos objetos, das coisas, das “empeiria do mundo da prática e da sensibilidade”. Portanto “Cogito Ergo Sum” (Penso, portanto, sou). O que sou? Um puro pensamento, uma Res Cogitans Pura, sem a coisa corpórea. Mas e o corpo? Bem, o corpo é coisa externa e só nos confunde. Coisas são apenas nomes, e esses podem variar, mudar, nos confundir, desaparecer. Poder-se-ia inclusive fingir não ter corpo, mas seria impossível fingir não ter pensamentos. Não há como fingir sem pensar; fingimento implica comparecimento do pensamento. Aqui se sucede o mesmo que com os sonhos.  “Sou uma substância pensante”, conclui Descartes (op. cit., p.102). Não depende de nenhum lugar e de nenhuma coisa material. Esse “eu puro” é alma. A alma é o “puro eu” e, portanto, completamente distinta da coisa corpórea.

O método é constituído, até essa passagem, pela Dúvida Metódica, a dúvida que é ela mesma uma forma de tirar os entulhos da tradição e apresentar o “novo” do método. Descartes quer saber agora de onde vem essa certeza, no que consiste essa clareza, essa verdade indubitável? Primeira, assim observa, não há nada a me assegurar que estou realmente dizendo a verdade. Pode ser falso. No que se assenta a certeza? Eis o centro do Gogito! Aqui está a questão central, elementar e nevrálgica do argumento cartesiano: essa certeza vem da perfeição; o pensamento puro é participação na perfeição. “Conhecer é perfeição maior do que duvidar” (op. cit., p. 103). Como buscar algo mais perfeito do sou, interroga-se Descartes? Deve haver uma natureza mais perfeita na qual o meu pensar se insere, participa, se reconhece, se encontra. Descartes então observa que pensar em coisas naturais como o céu, terra, luz (fora dele) não transforma esses objetos em coisas superiores à natureza dele próprio. É pelo pensamento que ele identifica as outras coisas naturais. Então a minha natureza (pensante) tem um grau de perfeição. Podemos nos enganar a respeito de tudo que vemos, mas a ideia que permite o engano é sempre verdadeira. De onde vem essa perfeição? Aqui está a ontologia cartesiana. Seguimos os passos engenhosos de nosso autor. Descartes agora põe Deus no argumento. Perfeição maior só Deus. Um ser mais perfeito, portanto, existe: é Deus. Um ser perfeito não pode ser derivado do nada. O menos prefeito (eu) não pode gerar a perfeição, assim como o mais perfeito não é uma consequência do menos perfeito. Ela foi posta em mim por algo mais perfeito; ela é uma natureza mais perfeita do a minha. Ela só pode ser Deus, conclui Descartes. Agora conhecimento de algo que é verdadeiro e mais perfeito do que as coisas corpóreas. O argumento ontológico e mais ou menos o seguinte: Se o “eu” é independente de qualquer outra coisa, de modo que eu mesmo poderia ter atingido a participação na perfeição, então eu também poderia tornar-me perfeito, eterno, infinito, imortal (cf., p.104). Ora, isso não é possível. A imperfeição não gera a perfeição, mas o oposto pode ocorrer. A imperfeição carrega as marcas da perfeição, mas é bem menos que ela (Platão e Santo Agostinho chamavam isso “Menos-Ser”). Descartes agora estabelece que a natureza inteligente é muito diferente da corpórea. Fala da Geometria. Também a Geometria não precisa da coisa corpórea, da experiência sensível, como querem os empiristas. Um triângulo sempre haverá de ter três ângulos, ou que a soma de seus três ângulos sempre será igual à soma de dois retos. Essa verdade não vem da experiência sensível e empírica. Ela é construída mentalmente de modo inteiramente abstrato, imagina e vaticina Descartes. Desse modo, postula a geometria para estabelecer uma analogia com as ideias inatas que defende. Mas por que tão poucas pessoas, ou ninguém a não ser ele, percebem isso. Porque estão presos aos sentidos (alguma semelhança com Platão?) e aos resultados técnicos de suas próprias idéias. (crítica ao empirismo outra vez). É o meu “eu”, (o puro pensamento), a alma, que participa da perfeição. As coisas que tomamos como claras e distintas, como verdadeiras, só podem ser assim reconhecidas porque Deus “É” ou “Existe” (op. cit., p. 107). Por que então nos enganamos, erramos e temos tantas dúvidas? Resposta: Porque somos menos que a perfeição da qual participamos (menos ser). Argumento ontológico: “A falsidade e a imperfeição não vêm de Deus, assim como a verdade e a perfeição não vêm do nada”. Descartes pensa como os neoplatonista cristãos: a imperfeição não é maldade, mas apenas ausência de perfeição. Por isso também, como veremos adiante, de Deus não poderá vir um gênio maligno. Descartes fala agora “nossa razão” (luz natural que nos apresenta as coisas claras e distintas) e não imaginação e sentidos. A razão não nos diz que tudo o que vemos ou imaginamos seja verdadeiro.  Ela nos diz que todas as nossas noções ou idéias devem ter algum fundamento de verdade, pois procedem de um ser perfeito. 

PARTE 5

O inatismo das idéias era agora claro e distinto. Ao menos, nosso autor imagina que estabeleceu essa distinção geometricamente. Já não havia como duvidar dessa clareza, pensa ele. A perfeição de Deus torna-se o argumento que sustenta o inatismo das idéias (p. 108-109). Deus escreveu leis na natureza que permitem o conhecimento. Foi observando a seqüência dessas leis que aprendeu muito mais do antes, com os aristotelistas da escolástica, que agora quer refutar juntamente com todo empirismo de John Locke. Fala de algo que escreveu e não pôde publicar. Trata-se de “O Tratado da Luz”, que deixou de terminar ao saber da condenação de Galileu, 1633. Não quer discutir com os físicos aristotélicos (p. 110). Discute a possibilidade de haver outros mundos. Nesses, caso existam, dar-se-ia o mesmo que neste aqui. A perfeição já manifestada por meio da ideia inata, dá a noção clara de que, se houvesse outro ou outros mundos, haveriam de ter a mesma perfeição deste aqui. Não há motivo para supor que a matéria de um outro possível mundo, não seria da ordem da mesma matéria de nosso mundo. Será que aqui o problema é a astronomia que já sabe que o mundo é bem maior do que aquele da Igreja, dos teólogos da Inquisição? São as descobertas científicas que estão levantando essas questões, certamente. A força com a qual Deus criou o mundo é a mesma com a qual o conserva. O mundo, portanto, é conservado por Deus. Outra vez afirma que alma é completamente distinta do corpo e que sua natureza é somente pensar (p. 113).

O Capítulo 5 é formado de duas etapas. Uma primeira na qual Descartes continua a falar da ontologia, isto é, da existência da perfeição das idéias e do ser prefeito cuja existência não é possível não aceitar. Mas da página 113 em diante o tom do Discurso muda. Descartes dedica-se na Segunda Parte do Capítulo 5 e em todo Capítulo 6 a tratar da circulação sangüínea, descrita pela primeira vez em 1628, pelo médico inglês William Harvey (1578-1657). Mas por quê? Qual o interesse de Descartes nessa questão. Na circulação, como conhecimento médico, nenhum. Mas a circulação é explicada pela mecânica de Newton. A matemática é um conhecimento importante, mas não resolve questões ontológicas; apenas questões epistemológicas e lógicas. A circulação, partindo do princípio de que o coração é uma bomba, pode ser explicado pelo princípio da força que Newton elaborou. Segue uma rota determinada por leis naturais apenas; leis que a física e a matemática explicam (p. 116-117). Os grandes animais também possuem corações e neles o coração também cumpre uma função meramente mecânica: empurrar o sangue pelas artérias pelo corpo afora. Ora, o corpo também é parecido a uma máquina. Por que então os animais grandes e até maiores do que o ser humano não possuem inteligência capaz de perceber a perfeição das idéias? O corpo dos humanos é uma máquina feita por Deus. Mesmo que houvesse máquinas construídas pelas mãos dos homens e que funcionassem mecanicamente tão bem quanto os corpos naturais, faltar-lhes-ia o conhecimento ontológico, o entendimento da perfeição. O conhecimento, a razão é um instrumento universal que falta às máquinas. Só o homem possui: a) linguagem; palavras; b) razão universal, espírito. Um animal não tem espírito que possa fazer com que detecte o conhecimento claro e distintamente da coisa corpórea. O animal, assim como uma máquina, não tem alma e, portanto, não tem espírito criativo e inteligente capaz de compreender a perfeição e sua origem. Uma alma racional não pode ser tirada da Potência da Matéria (contra a Escolástica e Aristóteles). Esse era o argumento cosmológico, lembram-se?? Ela só pode ter sido criada. A nossa alma é independente do corpo (p. 124) e não está sujeita a morrer com ele; ela é imortal. 

PARTE 6

Descartes agora esclarece que fenômenos como a memória, a imaginação e o movimento voluntário são provocados pela influência da alma imortal sobre o corpo. Descartes discute o papel da ciência. Outra vez. Mas para mostrar a existência do Ser Perfeito as geometrias, as lógicas e as mecânicas apenas ajudam a pensar corretamente. Porém, não podem demostrar a perfeição. Só a luz natural (a própria razão), por meio da qual Deus está em nós, pode nos levar a ver a perfeição e o inatismo do pensamento, entendendo inatismo como algo que vem de fora para dentro e não um construto derivado de experiências empíricas. Ele (no caso Deus) existe muito além das coisas corpóreas da existência. Descartes também menciona na Parte 6 alguns escritos seus que não pôde publicar. A sexta parte é um pouco estranha se comparada à totalidade do Discurso cartesiano.

 

REFERÊNCIA 

DESCARTES, René. O discurso do método: para bem conduzir a própria razão e procurar a verdade nas ciências. Tradução de Thereza Christina Stummer. São Paulo: Paulus, 2002, p. 75-139.

[1] Seguimos aqui o texto conforme a seguinte tradução: DESCARTES, René. O discurso do método: para bem conduzir a própria razão e procurar a verdade nas ciências. Tradução de Thereza Christina Stummer. São Paulo: Paulus, 2002, p. 75-139. Portanto, quando aparecerem páginas citadas em que apenas consta o número, ex., (p. 95),  não se trata de uma citação direta, mas de um argumento ou afirmação que nela se encontra.