REQUISITOS DE ADIMISSIBILIDADE DOS RECURSOS DIRIGIDOS AOS TRIBUNAIS SUPERIORES: alíneas “a”, III dos artigos 102 e 105 da Constituição Federal [1]

 

Rita de Cássia Veras Freire[2]

Christian Barros Pinto[3]

 

Sumário: Introdução; 1 Juízo de admissibilidade e juízo de mérito dos recursos Excepcionais; 2 Admissibilidade dos recursos extraordinário e especial - alíneas “a”, III dos artigos 102 e 105 da Constituição Federal; 3 Divergências doutrinárias sobre a admissibilidade dos recursos dirigidos aos tribunais superiores; Conclusão; Referências.

 2º CHECK DE PAPER

RESUMO

O presente trabalho objetiva efetuar uma análise sobre a técnica utilizada para julgamento dos recursos cíveis, especificamente quanto ao juízo de admissibilidade e juízo de mérito, nas hipóteses constitucionais das alíneas “a” dos artigos 102 e 105, em seus correspondentes incisos III. Para isso propõe, num primeiro momento,  identificar a sistemática dos recursos destinados aos tribunais superiores; destacar os requisitos genéricos e específicos de admissibilidade recursal, bem como descrever as divergências doutrinárias e o entendimento dos tribunais superiores sobre a admissibilidade recursal.

Palavras-chave: Recursos excepcionais. Juízo de admissibilidade.  Juízo de mérito.

 

 

 

JUSTIFICATIVA

      A impugnação de uma de uma decisão judicial, por meio de recurso, está sujeita, inicialmente, ao exame dos pressupostos processuais, determinado por lei e depois se a impugnação será acolhida, caso provido o recurso, ou rejeitada, em caso do improvimento. (BARBOSA MOREIRA, 2012 p.274)

O primeiro caso denomina-se juízo de admissibilidade, que consiste na declaração da presença ou ausência dos pressupostos recursais;  o segundo  denomina-se juízo e mérito, que consiste na análise da existência de fundamento do recurso, podendo ser acolhido ou rejeitado.

Quanto aos recursos ordinários, não há qualquer discordância quanto a essas questões. Entretanto, quando se passa a examinar os recursos de natureza extraordinária, principalmente, quando os fundamentos são as alíneas “a” dos artigos 102 e 105 da Constituição Federal e seus respectivos incisos III, tem-se verificado que os tribunais excepcionais têm enfrentado algumas críticas quanto à sua prática, ou seja, de pronunciar-se acerca desses recursos, dizendo que deles não conhece quando entende inexistir a alegada infração. Segundo Barbosa Moreira, isso significa que se julga o recurso de mérito, pouco importando que se acolha ou se rejeite a impugnação feita à decisão recorrida. Nesses casos deve-se dizer que se conheceu do recurso e respectivamente, que se deu ou negou provimento. Essa forma de atuação do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça tem levantado algumas críticas.

Nesse sentido, o presente trabalho visa identificar a sistemática dos recursos destinados aos tribunais superiores; destacar os requisitos genéricos e específicos de admissibilidade recursal, bem como descrever sobre algumas divergências doutrinárias e o entendimento dos tribunais superiores sobre a admissibilidade recursal.

Vale ressaltar que a hermenêutica das normas constitucionais aponta no sentido de que não é possível a interpretação extensiva de normas que fixam condições para um recurso, além disso, onde se mencionam meios para o exercício de um poder outorgado, não será lícito admitir novos ou diferentes meios, sob o pretexto e serem mais eficazes ou convincentes          (MAXIMILIANO, 1979).

 Dessa forma, pretende-se verificar a dificuldade de aceitação da tese que sugere sejam os tipos constitucionais, referentes à alínea “a” dos incisos III dos artigos 102 e 105 da Constiruição Federal, no juízo de admissibilidade entendidos como passíveis de mera alegação pelo recorrente, para que no juízo de mérito, seja examinada a efetiva contrariedade à Constituição Federal ou a lei federal.

1 Juízo de admissibilidade e juízo de mérito dos recursos Excepcionais.

            Segundo Barbosa Moreira, todo ato postulatório sujeita-se a exame por dois ângulos distintos: o primeiro destina-se a verificar se estão satisfeitas as condições impostas pela lei para que o órgão possa apreciar o conteúdo da postulação; o segundo ângulo, subsequente, a verificar-lhe o fundamento, para acolhê-la, se fundada, ou rejeitá-la, no caso contrário. A primeira tem prioridade lógica, pois consiste em requisito indispensáveis para tornar legítimo o seu exercício.

            Portanto, o juizo de admissibilidade declara a presença ou ausência de semelhantes requisitos, enquanto o juizo de mérito apura a existência ou não de fundamento para o que se postula, ou seja, se procedente ou improcedente, acolhendo-se ou rejeitando-se a postulação.

            Nesse sentido, é lógico que só se passa ao juízo de mérito se o de admissibilidade resultou positivo. Dessa forma, segundo Barbosa Moreira, é absurdo declarar inadimissível a postulação por falta de fundamento, ou seja, a questão relativa à admissibilidade é, sempre, e necessariamente, preliminar, à questão de mérito.(MOREIRA, 2011, p.262).

      Nesse aspecto e considerando o contexto do presente trabalho, vale ressaltar sobre o cabimento do recurso extraordinário, fixado no art. 102, inciso III, letras “a” a “d”, da Constituição Federal, cujo texto, na redação da Emenda Constitucional nº 45, atribui competência ao Supremo Tribunal Federal para “ julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;    c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.”

            A previsão de cabimento, hoje, está toda no próprio texto constitucional, nem lei ordinária, nem disposição regimental pode fazer-lhe acréscimo ou supressões.

            Verifica-se que a técnica empregada pelo legislador constituinte nas letras “b”, “c” e “d” foi bem adequada à fixação de pressupostos de cabimento do recurso extraordinário, mas cuja relevância não ultrapassa esse nível, deixando intacta a questão de saber se ele deve ou não ser provido. Quanto a alínea “a”, muito pelo contrário, a decisão do texto contém um juízo de valor; a decisão que contrarie dispositivo constitucional é decisão, à evidência, incorreta, e como tal merecedora de reforma. De acordo com a redação da alínea “a” , III, do art. 102, “ texto constirucional, querendo indicar hipótese de cabimento, usou, por impropriedade técnica, expressão que já desenha hipótese de procedência, isso não , não é o caso, se deixe de atender à distinção entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito.”

( MOREIRA, 2011, p.585).

            Segundo Bueno Scarpinella, as hipóteses de admissibilidade do recurso especial são aquelas previstas nas três alíneas do inciso III do art, 105 da Constituição Federal. Além de se tratar de causa decidida em uma única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios Federais, a decisão recorrida deve alternadamente contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhe vigência; julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; dar a lei federal interpretação divergente da que lhe atrubuído outro tribunal.

            Nesse sentido, a primeira hipótese de cabimento do recurso especial e a mais comum, é a decisão recorrida contrariar ou negar vigência a lei federal. Fixada essa premissa, o recurso especial para ser admitido pressupõe a alegação de que a decisão recorrida, desde que preenchidos os requisitos genéricos e específicos, contraria lei federal, no sentido de violá-la, interpretando-a e aplicando-a mal  ao caso concreto, quer porque se aplica lei inaplicável, quer porque se deixa de aplicar a que merecia incidência. (SCARPINELLA, 2013, p. 266).

            Portanto, considerando o título do presente capítulo, serão usados como fonte de pesquisa, os entendimentos de Barbora Moreira e Cássio Scarpinella Bueno.

           

2 Admissibilidade dos recursos extraordinário e especiais - alíneas “ a” , III dos artigos 102 e 105 da Constituição Federal.

 

Segundo Bueno Scarpinella, a hipótese da alínea “a” do art. 102 , III da Constituição Federal, pela qual o recursos extraordinário cabe da decisão que “ contrariar dispositivo desta Constituição, é o mais comum de todos.

            De acordo com o mesmo autor, o verbo “contrariar” merece interpretação ampla, como sinônimo de violar, contrastar, infringir. Nesse sentido, para cabimento do recurso, basta a alegação, fundamentada suficientemente, de que se trata de decisão que contrarie a Constituição. A efetiva contrariedade é mérito do recurso e não diz respeito, consequentemente, a seu cabimento.

Dessa forma, a aproximação entre os “ juizos de admissibilidade” e os “ juizos de mérito” dos recursos de fundamentação vinculada é inerente à espécie em análise.

O “contrariar dispositivo da Constituição” não pode ser confundido com outra exigência constitucional, de que a causa tenha sido decidida, ou seja, que a matéria  prequestionada. O que interessa, para fins de preenchimento da alínea “a”, do inciso III do art. 102 da Constituição Federal, é que a decisão, tal qual proferida, tenha fundamento da Constituição Federal, que ela aplique ou deixe de aplicar algum princípio, explicíto ou implícito, ou alguma regra estabelecida na Constituição Federal. Dessa forma, se a forma da constrariedade à Constituição Federal é mais ou menos clara, isto não significa que a decisão não possa enquadrar-se na hipótese de cabimento.( BUENO SCARPINELLA, 2013, p. 248).

Segundo Bueno Scarpinella, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, contudo, foi e continua a ser bastante restritiva, exigindo que a incostitucionalidade que desafiar o recurso extraordinário com fundamento na alínea “a” seja direta, e não indireta, reflexa ou oblíquoa. O que importa é que a decisão tenha tenha fundamento, ou seja, tenha se baseado em uma tese de direito constitucional federal. Se está certa ou errada, isso diz respeito não ao cabimento do recurso extraordinário, mas ao seu julgamento.

Afirma, ainda, o referido autor, embora, a Constituição não diga nada a respeito, diferentemente do que se dá para recurso especial é correto o entedimento de que, havendo divergência entre dois ou mais Tribunais sobre a interposição de normas constitucionais federais, os recursos extraordinário fundamentado na alínea “a” do artigo 102, III, da Constituição Federal deve ser admitido porque a objetiva constatação de uma divergência constitucional, significa, por si só, que há a contrariedade exigida pelo “ modelo constitucional.”

Quanto ao Superior Tribunal de Justiça é prática quanto ao entendimento de que o recurso especial para ser admitido pressupõe a alegação de que a decisão recorrida, desde que preenchidos também os demais pressupostos, genéricos e específicos, contraria lei federal, no sentido de violá-la, interpretando-a e aplicando-a mal ao caso concreto, quer porque se aplica lei inaplicável, quer porque se deixa de aplicar a que merecia incidência. (BUENO SCARPILNELLA, 2013, p.266).

Nesse caso, vale as mesmas considerações efetuadas quanto ao cabimento do recurso extraordinário, relativo à alínea “a” , III, do art. 102 da Constituição Federal, inclusive no que diz respeito à distinção entre a contrariedade à lei e o prequestionamento.

Nesse sentido, no presente capítulo serão abordados mais especificadamente sobre o entendimento do juizo de admissibilidade para os casos das alíneas “a”, do inciso III, dos artigos 102 e 105 , da Constituição Federal, por meio do entendimento dos autores Barbosa Moreira e Cássio Scarpinella Bueno.

3 Divergências doutrinárias sobre a admissibilidade dos recursos dirigidos aos tribunais superiores.

Segundo texto de Carlos Scarpinella Bueno, no qual faz algumas reflexões sobre o Recurso Extraordinário nº 298.695/SP, vale a pena transcrever o respectivo Acórdão:

“I. Recurso extraordinário: letra “a” possibilidade de confirmação da decisão recorrida por fundamento constitucional diverso daquele em que se alcançou o acórdão recorrido e cuja inaplicabilidade ao caso se baseia o recurso extraordinário: manutenção lastreada na garania da irredutibilidade de vencimentos, da conclusão do acórdão recorrido, não obstante fundamentado este na violação do direito adquirido. II- Recurso extraordinário: letra “a”: alteração da tradicional orientação jurisprudencial do STF, segundo a qual só se conhece o RE, “a”, se for para dar-lhe provimento: distinção necessária entre juízo de admissibilidade do RE, “a” – para o qual é suficiente qu o recorrente alegue adequadamente a contrariedade pelo acórdão recorrido de dispositivos da Constituição nele presquestionados – e o juízo de mérito, que envolve a verificação da compatibilidade ou não entre a decisão recorrida e a Constituição, ainda, que sob prisma diverso daquele em que se hajam baseado o Tribunal a quo e o recurso extraordinário. III. Irredutibilidade de vencimentos: garantia constitucional que é modalidade qualificada da proteção ao direito adquirido, na medida em que sua incidência pressupõe a licitude da aquisição do direito a determinada remuneração. IV. Irredutibilidade de vencimentos já reajustados conforme a legislação anterior incidente na data a partir da qual se prescreveu a aplicabilidade retroativa da lei nova” ( STF, Pleno, RE 298.685, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j,m.v.6.8.03, DJ 24.10.03, p.12).

A partir do referido Recurso Extraordinário, o autor do texto faz várias análises, primeiro chamando a atenção de que o STF, por ser o guardião da Constituição Federal, tem grande responsabilidade quanto a sua técnica de julgamento. E para reafirmar esse entendimento apresenta um voto do Ministro Sepúveda Pertence, onde é demosntada grande essa consciencia das consequencias quanto a correta adoção da distinção entre “ juízo de admissibilidade e juízo de mérito. Não se trata, pois de mero apuro técnico, não se trata só de valer-se da técnica correta pelo gosto da própria técnica. Trata-se, coisa bem diferente, de se aplicar adequadamente a técnica para atingir resultados até então inéditos.”

No caso específico, o mérito em questão trata da clássica questão em se distinguir “ o direito adquirido” da mera “ expectativa de direito”. Nesse sentido, o voto do Ministro Sepúveda da Pertence, seguido pela maioria do Plenário do STF entendeu que o recurso estava em consonância com a garantia da Constituição Federal, mencionando o art. 37, inciso XV, ou seja, alterando fua fundamentação para “ irredutibilidade de vencimentos”,  reafirmando que a irredutibilidade nada mais é do que uma modalidade qualificada da garantia constitucional do direito adquirido, donde pouco importa ser um ou outro o específico fundamento do acórdão e do recurso extraordinário dele interposto. Em outro sentido, o Ministro Moreira Alves, afirmou que “ dada a natureza vinculada da fundamentação do recuros extraordinário” há que se julgar o que foi efetivamente decidido, ou seja, existência ou não de direito adquirido e não o que, por qualquer motivo ou circunstância, poderia ter sido, ou seja, irredutibilidade de vencimentos.

Sobre essa questão preliminar, o autor do texto entende que não parece possível, em recurso extraordinário interposto com base na letra “a” do inciso III do artigo 102 da Constituição, se deixe de examinar o fundamento do RE, que ataca o fundamento exclusivo do acórdão recorrido, que lhe serviu de base para chegar ao seu dispositivo que dá pela procedência da ação dos servidores.

Conclui o autor do texto, o recuro extraordinário se destina a julgar a tese jurídica do acórdão recorrido. Dessa forma, continua o autor, se o acórdão recorrido não atacá-la, mas versar outra tese jurídica, não pode ele ser conhecido  e provido, pela alínea “a” do inciso III do artigo 102 da Constituição Federal, o conhecimento do recurso implica necessariamente  o seu provimento, por falta de prequestionamento dessa questão. Continuando sua análise, o autor do texto diz “ se o acórdão recorrido, porém se basear numa tese jurídica e o recurso extraordinário com base na alínea “a” atacá-la indicando dispositivo constitucional do direito adquirido, como no caso, como sido mal aplicado, terá ele de ser julgado com base nessa questão e não com base em outra questão, que não foi versada nem no acódão nem no recurso extraordinário.

Nesse sentido, o autor alerta que a tese defendia se baseia no conhecido entendimento de que, ao recurso extraordinário, não se aplica o pincípio do iura novi curia, chamado nas discussões registradas no acórdão de “ causa de pedir recursal aberta”, ou seja é fundamental para a análise do RE, saber-se, especificamente, qual o fundamento do acórdão recorrido. Continua o autor do texto,é por isso que o Ministro Moreiraa Alves destacou em seu voto, que, uma vez recorrido o direito adquirido, único fundamento do acódão recorrido, o Recurso deveria ser conhecido e provido; caso contrário, o recurso necessariamente, não deveria sequer superar o juízo de admissibilidade, deixando de ser conhecido, à falta de qualquer violação a dispositivo constitucional. Como se verifica nesse caso, a tradicional técnica de julgamento das Cortes Superiores que “mescla a admissibilidade do recurso com seu mérito.

 

REFERÊNCIA

 

 

AMORIM, Aderbal Torres de. O novo recurso extraordinário: hipótese de interpretação, repercussão geral, amicus curiae, processamento, jurisprudência, súmulas aplicáveis. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. 2010.

BUENO. Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de direito processual civil. 4ª ed. Editora Saraiva. 2012.

DANTAS, Bruno. Repercussão geral: perspectivas histórica, dogmática e de direito comparado: questões processuais - 3 ed. atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais 2012

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9º edição, Rio de Janeiro. 1979.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. vol. V -  Rio de Janeiro: Ed. Forense - 2012.

OLIVEIRA, Carlos Alberto de. Recursos extraordinários: juízo de admissibilidade: constituição federal – Doutrinas e Jurisprudência. Revista nº 58. Jul de 2014. Ed. Juris Plenum.



[1]Paper apresentado à disciplina Recursos no Processo Civil do curso de direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

[2] Aluna da UNDB, 6º período de Direito – vespertino

[3] Professor do curso de Direito da UNDB e orientador.