RECURSOS EXCEPCIONAIS E AS MUDANÇAS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - Uma análise crítica acerca da Repercussão Geral como requisito de admissibilidade para o Recurso Extraordinário e os Princípios do Acesso à Justiça e da Razoável Duração do Processo[1]

André Pinheiro Lopes[2]

Isabela Tereza Barros Silva²

Christian Barros Pinto3 

RESUMO 

Do ano de 1973 para cá, o Código de Processo Civil vem sofrendo constantes transformações. À medida que os anos passam e justiça evolui e o Código de Processo Civil é modificado para acompanhar as novas perspectivas e anseios da Justiça. Tendo isso em mente, o presente trabalho busca fazer uma análise das modificações feitas no Código de Processo Civil principalmente no que concerne ao recurso extraordinário e seus requisitos de admissibilidade, envolvendo os principais debates em âmbito jurídico-doutrinário relacionados à aplicação de tais requisitos bem como os princípios que cercam esse tema.

Palavras-chave: CPC; Recurso extraordinário; Repercussão Geral; Princípios Processuais.

Introdução 

O presente artigo científico dará enfoque às inovações trazidas ao ordenamento jurídico pátrio com a introdução de um requisito adicional ao juízo de admissibilidade do Recurso Extraordinário, ou seja, a Repercussão Geral. A Emenda Constitucional nº 45/2004 alterou o dispositivo relativo ao Recurso Extraordinário, inserindo o parágrafo terceiro ao art. 102 da Constituição da República Federativa do Brasil, passando a exigir que o Supremo Tribunal Federal analise a Repercussão Geral da matéria ventilada, como pressuposto para apreciação do referido recurso.

Uma pesquisa foi realizada no bojo da reforma gerencial do Judiciário no intuito de fazer um diagnóstico dos problemas do Judiciário, para lhe dar maior eficiência. Foi assim que se chegou ao impressionante dado estatístico de que os recursos extraordinários junto aos agravos de instrumento representariam mais de 90% das demandas do Supremo Tribunal Federal.

Nesse sentindo, e no que tange à celeridade e ao direito a um processo sem dilações indevidas, o novo requisito de admissibilidade, previsto na Lei 11.418/2006, constitui, a um só tempo, um filtro para obstar a subida de Recursos Extraordinários com variáveis particulares e um instrumento eficaz para garantir a autoridade decisões proferidas por órgãos hierarquicamente inferiores ao STF.

Recentemente, a edição da Lei nº 11.418, de 19/12/2006, acrescentou os artigos nº 543-A e 543-B ao Código de Processo Civil, a fim de regulamentar a matéria. Ademais, o Supremo Tribunal Federal incluiu novos dispositivos em seu Regimento Interno, através da Emenda Regimental nº 21/2007, complementando as normas procedimentais sobre o tema.

A introdução da Repercussão Geral se coaduna com os princípios constitucionais de Acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da CF) e Razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII da CF), eis que sua aplicação atua como filtro redutor do volume de Recursos Extraordinários a serem analisados pela Suprema Corte, na tentativa de resgatar a efetividade da função precípua da Corte Maior do país, isto é, a guarda da Constituição.

Por derradeiro, é preciso registrar a relevância da nova lei especialmente nos processos de natureza previdenciária, administrativa, tributária ou financeira, que envolvem a União lato sensu (União, Instituto Nacional do Seguro Social, Caixa Econômica Federal, Instituto Nacional de Previdência Social, Delegado da Receita Federal, Banco do Brasil, Banco Central do Brasil e suas derivações), cujas decisões atingem um sem-número de pessoas. 

1. Aspectos gerais que motivaram a reforma do CPC 

O argumento basilar de ataque ao sistema recursal não é novo no Brasil. Tem como sustento o abarrotamento dos Tribunais pelo acúmulo de processos, sendo tal fato, considerado pelos “reformistas” como uma crise dos órgãos jurisdicionais. A argüição de relevância, congênere da repercussão geral, foi uma tentativa de amenizar essa crise entre os anos de 1975 e 1988[3]. A criação do Superior Tribunal de Justiça com a Constituição de 1988 foi produto, também, do abarrotamento de processos pelo qual passava o STF, como tentativa de solução dessa crise por excesso de trabalho[4]. Silva complementa dizendo que,

os ideais reformistas no Brasil passam pela discussão da reforma do estatuto da magistratura e da organização, competência e estrutura dos tribunais. Entretanto, para o movimento reformista brasileiro, a “grande mudança de que o país precisa” deverá ser implementada “através de uma transformação radical nas leis processuais”, pois o “povo aguarda com ansiedade a modernização das leis e a agilização da prestação jurisdicional”[5].

O discurso abraçado e exposto maciçamente pelos órgãos judiciais e pela maior parte dos juristas nacionais (principalmente dos adeptos do instrumentalismo) é o de que a demora do exercício da função jurisdicional é consequência da sobrecarga de processos nos fóruns e tribunais, advindos do exagerado sistema recursal presente, que retardam e obstruem a “marcha processual”. Os autores atrelados a uma concepção relacionista de processo afirmam que, a rigor, o acúmulo dos processos e a demora da prestação jurisdicional decorrem da complexidade da legislação processual e do número de recursos[6].

Por isso a rejeição de recursos pelo relator, que estiverem em discordância com as súmulas dos tribunais superiores e do STF (art. 557, caput e 518, §1°, CPC), a procedência de recursos pelo relator em que a decisão recorrida também ir de encontra com as súmulas dos tribunais superiores e do STF (art. 557, §1°- A, CPC), os processos julgados liminarmente improcedentes fundamentados como casos idênticos (285-A, CPC), a edição das súmulas vinculantes (103-A, CF/88) e a repercussão geral das questões constitucionais, de acordo com os instrumentalistas, são “mecanismos processuais” que favorecem para a compatibilização das decisões da justiça, uniformizando-as e proporcionando concretude do valor constitucional da igualdade no formalismo processual. Sendo assim, esses mecanismos contribuem para a unidade do Direito, trazendo racionalização da atividade do juiz e obedecendo também a economia dos atos processuais[7].     

O instituto da repercussão geral das questões constitucionais foi inserido como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário direcionado ao STF, pelo acréscimo do §3° do art. 102 da CR/88 pela EC n.° 45/04. Festejado como um importante mecanismo de seleção dos casos que devam ser submetidos ao reexame do STF por meio do julgamento do recurso extraordinário[8],

o instituto é definido como uma técnica processual que conspira para a realização do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (que é necessariamente prestada em prazo razoável), estimulando ainda a compatibilização vertical das decisões judiciais, prestando homenagem ao valor da igualdade e perseguindo a racionalização da atividade judiciária[9].

Contudo, a EC n.° 45/04 não baliza o conteúdo do que seja repercussão geral das questões constitucionais suscitadas no caso para dar ensejo à admissibilidade de recurso extraordinário. Essa tarefa é de competência do legislador infraconstitucional, conforme os termos da lei.

 

2. Recurso Extraordinário

Nos países estrangeiros é designado recurso extraordinário, os recursos interponíveis contra decisões já transitadas em julgado. O recurso extraordinário Brasileiro, ao contrário do que possa parecer, não se assimila, nem jamais se assimilou, às figuras recursais a que se costuma, em vários ordenamentos estrangeiros, aplicar essa designação. Para nós, somente se forma a coisa julgada quando não é cabível mais recurso algum, e nem mesmo o extraordinário. São recursos excepcionais ou extraordinários porque não podem apreciar matéria de fato, apenas matéria de direito, ou seja, tese jurídica, ou seja, o recurso extraordinário não da ensejo a novo reexame da causa[10].

A história do Recurso extraordinário divide-se em duas fases nitidamente distintas, a anterior e a posterior a Constituição de 1988. Antes da Constituição de 1988, a finalidade do Recurso Extraordinário era a de assegurar a inteireza positiva, a validade, a autoridade e a uniformidade de interpretação da Constituição e das leis federais[11]. Contudo, seu âmbito diminuiu após a Constituição de 1988 até os dias de hoje. A Constituição Federal “cindiu a matéria antes abrangida pelo recurso extraordinário: a este ficou reservada a suscitação de questões relativas à própria Constituição Federal (art. 102, III, alíneas a, b e c) enquanto as restantes passaram a ser suscitáveis por meio do recurso especial, cujo julgamento se incluiu na competência do então criado Superior Tribunal de Justiça (art. 105, III, letras a, b e c)” Assim, o STF ficou mais concentrado, embora, não com exclusividade, em funções caracteristicamente constitucionais e ambos, tanto STF como STJ possuem função constitucional de forma a uniformizar o entendimento acerca da Constituição Federal. Logo, o STF e STJ não se prestam em principio a tutelar o direito subjetivo dos litigantes, não se preocupam se quem tem a razão é A ou B, apenas por via reflexa, ou seja, ao se ditar a interpretação dessas normas é que os direitos das partes serão tutelados.

A hipótese de cabimento do Recurso Extraordinário está prevista no próprio texto constitucional.

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição. d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

Em relação a alínea “a”, Súmula nº 636 do STF dá o direcionamento de que: "Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida”. Quer dizer, a ofensa ao texto constitucional deve ser direta e verificada somente com a análise da própria Constituição, não podendo se recorrer a lei infraconstitucional. Já a alínea “b” aborda o controle difuso de constitucionalidade, ou seja, aquele que todos juízes e tribunais judiciários brasileiros podem realizar a fim de garantir a integridade da Constituição. A questão da constitucionalidade será simples prejudicial ao pedido principal. Ou seja, em sede de controle incidental (difuso)[12].

Em relação a alínea “c”, Araken de Assis explica da seguinte maneira:

As leis e os atos dos governos locais (Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) podem afrontar à CF/1988. Os "atos de governo" - expressão nada feliz - são os atos administrativos, em geral, originários dos Poderes locais (Executivo, Legislativo e Judiciário). A causa envolverá, portanto, a constitucionalidade da lei e do ato local perante a CF/1988. É nesta perspectiva que o órgão judiciário declara válidos, ou não, leis e atos locais, e, no primeiro caso, caberá extraordinário fundado no art. 102, III, c, da CF/1988. A hipótese se diferencia da prevista no art. 102, III, b, da CF/1988, quanto à origem da lei, nesta última, federal[13].

 

Enquanto que na alínea “d” é ressaltado que não existe em princípio conflito entre normas locais, em verdade existe um conflito de constitucionalidade. Não há hierarquia entre normas locais e federais. É uma questão de competência legislativa determinada pela própria Constituição Federal. Portanto há questão constitucional e não infraconstitucional[14].

Outro requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário é o requisito da Repercussão Geral previsto no art. 103, III, §3º incluído pela EC n 45 e art. 543-A, do CPC que será aprofundado no tópico a seguir.

Conforme as Súmulas 282 e 356 do STF: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”; “o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”. Em outras palavras, para que seja cabível o recurso extraordinário a decisão recorrida deve ter apreciado a questão constitucional discutida neste recurso sob pena de não haver prequestionamento.

Conforme a Súmula 281 do STF: “é inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”. Em outras palavras, antes de se interpor o recurso extraordinário deve haver o exaurimento das instancias ordinárias.

Quanto aos efeitos do recurso extraordinário, este terá efeito devolutivo conforme art. 542 § 2o “Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo”. Contudo a doutrina diverge quanto a profundidade que diz respeito aos argumentos e provas constantes nos autos.

Ante o exposto nos artigos 497 e 558 do CPC: “Art. 497. O recurso extraordinário e o recurso especial não impedem a execução da sentença; a interposição do agravo de instrumento não obsta o andamento do processo, ressalvado o disposto no art. 558 desta Lei.” “Art. 558. O relator poderá, a requerimento do agravante, nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara”. Pode-se auferir que o recurso extraordinário não terá efeito suspensivo por força de lei, contudo poderá ter mediante cautelar peticionada ao STF.

3. O requisito da repercussão geral para admissibilidade de Recursos Extraordinários

 

     Quando nos referimos a repercussão geral na verdade estamos tratando de um requisito específico de admissibilidade do recurso extraordinário e somente deste, não sendo o mesmo exigido para a admissão do recurso especial[15].

     A notória sobrecarga do STF levou o legislador a repensar em instrumentos para a redução de recursos extraordinários. Tendo isso em vista, a Emenda Constitucional nº45 de 8 de dezembro de 2004, condicionou a admissão de tal recurso à necessidade de demonstração de repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, conforme os termos da lei, contanto que haja a concordância de 1/3 dos membros da Corte Suprema (art. 102, § 3º/CF). Assim, a Lei nº 11.418 de 19 de dezembro de 2006 adicionou os arts. 543-A e 543-B ao CPC e cuidou de explicitar o requisito e de como se processará o seu reconhecimento[16].

     Mas o que vem a ser repercussão geral? Para Nelson Nery Jr. são as questões relevantes. Sobre o assunto ele fala que,

O conceito fornecido pela norma é aberto, devendo, pois, ser firmado por meio de jurisprudência do STF; todavia, como parâmetro mínimo para a determinação do que seja “questão relevante”, pode-se tomar a provável interferência da decisão do feito para além da esfera jurídica das partes (“interesses subjetivos da causa”). Essa situação metaindividual pode ser de natureza econômica, política, social ou jurídica[17].

Ou seja, as questões relevantes serão analisadas sob o ponto de vista econômico, social, político e jurídico e que ultrapassem os interesses pessoais da causa, consoante ao art. 543-A, §1º.

     Figuremos então alguns exemplos. É sem dúvida relevante do ponto de vista econômico, a dúvida sobre a constitucionalidade de determinado tributo. Já do ponto de vista político, também é relevante, a questão que interfira de modo profundo na atuação dos partidos, ou que verse sobre às relações do Brasil com outros Estados ou organismos internacionais. Por sua vez, é relevante do ponto de vista social, a questão relativa a proteção de direitos ou interesses de vastas camadas da população, principalmente das mais carentes, e notadamente em processos coletivos. Por último, do ponto de vista jurídico, é relevante a questão concernente à definição de instituto fundamental do ordenamento brasileiro, ou à divisão de competência entre a União e os Estados-membros para legislar sobre certa matéria. Vale ainda lembrar que nada impede que a repercussão geral se manifeste sobre mais de um campo dentre os exemplificados[18].

Registre-se, ademais, que exigência desse requisito não é instituto inteiramente novo em nosso ordenamento jurídico.

Ao tempo do regime constitucional anterior a1988 exigia-se, como requisito específico de admissibilidade de recurso extraordinário, a procedência da argüição de relevância da questão federal. A interposição de recurso extraordinário em certos casos que se demonstrasse que a questão federal a ser discutida era relevante. A argüição de relevância era processada por instrumento, que subia ao STF e era apreciada em sessão secreta, e se reputava acolhida se aceita pelo voto de pelo menos quatro ministros do STF, em decisão que dispensava motivação (grifo nosso)[19].

O art. 543-B trata da possibilidade de haver multiplicidade de recursos com fundamento na mesma controvérsia e não em idêntica controvérsia, frisa-se aqui, como diz equivocadamente o texto legal, já que a controvérsia de direito será sempre a mesma, ainda que sejam vários os recursos. Nessa hipótese, a análise da repercussão geral da questão constitucional deverá se dar nos termos do que dispõe o Regimento Interno da Corte Suprema. Mas caberá ao Tribunal a quo selecionar um ou mais recursos representativos de controvérsia e encaminhá-los ao STF, suspendendo-se o andamento dos demais até o pronunciamento definitivo do Pretório Excelso. Caso seja negada a repercussão geral da questão constitucional, automaticamente se deverá considerar que os demais recursos não foram acolhidos, se a necessidade de levá-los ao STF. Se, entretanto, aqueles recursos representativos de controvérsia a ser admitidos e julgados no mérito, será necessário avaliar o resultado julgado[20].

Se o STF negar o provimento aos recursos que admitiu, o órgão a quo deverá considerar prejudicados os recursos extraordinários que estivessem sobrestados (art. 543-B § 3º). Providos aqueles recursos, porém, e reformadas as decisões recorridas, aqueles recursos extraordinários que estavam sobrestados nos órgãos de origem deverão ser reencaminhados aos órgãos prolatores das decisões impugnadas, que poderão mantê-las ou retrata-se[21].

Por fim, a súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão, tudo conforme o art. 543-A § 7º. Quando o acórdão reconhecer a inexistência de repercussão geral, o regimento interno do STF em seu art. 326, autorizado pelo art. 3º da Lei nº 11.418 de 2006, veda a recorribilidade da decisão[22].

 

4. A Repercussão Geral e o princípio do Acesso à Justiça:

 

 O principio do acesso à justiça está previsto na CF em seu art. 5, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Sendo assim, se pressupõe que todos indistintamente têm a possibilidade de pleitear suas demandas perante o Judiciário obedecidas as regras processuais vigentes.

Como já vimos o art. 543-A do CPC impõe a condição de que o STF não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional versada não oferecer a repercussão geral, ou seja, questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. E considera no §3º que “haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal”. No §4 admite que “se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário”.  E no § 5o Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Ante o exposto, há quem considere que o requisito da repercussão Geral vai de encontro ao principio do acesso à justiça, e, portanto seria inconstitucional. Já outros doutrinadores, como pode ser visto na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 4.371, admitem o requisito de admissibilidade do instituto como sendo de extrema necessidade uma vez que se trata de critério objetivo, isonômico e seguro. Garantidor de uma justiça célere e eficiente. Consideram que o requisito inserido no art. é amplamente viável uma vez que a utilização de filtros qualitativos é uma tendência mundial[23].

  Nesse mesmo sentido, o Advogado-Geral da União, na ADI 4.371, reforça a tese da constitucionalidade da repercussão geral ressaltando que a repercussão geral solucionou a crise do STF, garantindo a função precípua de Corte Constitucional e não de instância recursal, o que reafirma o art. 102, caput, CF. Qualquer juiz ou tribunal pode exercer o controle difuso de constitucionalidade, porém o STF só o realizará quando houver repercussão geral no recurso extraordinário; a repercussão geral concretiza os princípios da celeridade processual, da igualdade perante a lei e da legalidade; a repercussão geral não viola nenhuma cláusula pétrea[24].

5. A repercussão Geral e o princípio da Razoável Duração do Processo

 

A Emenda Constitucional nº 45 incluiu o princípio da duração razoável do processo na CF, por meio do art. 5º, LXXVIII, da CF, como segue: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a duração razoável do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Contudo, há que se ressaltar que a EC nº 45/2004 apenas ressaltou uma garantia já prevista no sistema, apesar de implicitamente, dentro do princípio do devido processo legal[25].

Alguns tratados já previam expressamente o princípio da razoável duração do processo como a Convenção para a proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais em seu art. 6º, item 1:

Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a proteção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.

E também a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) também já previa esse principio expressamente no art. 8º, item 1

Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

 

Sendo assim, a Emenda Constitucional nº 45 ao incluir o principio da razoável duração do processo apenas seguiu uma tendência mundial de que a prestação jurisdicional deve ser prestada em prazo razoável. Contudo, difícil é definir o que seria esse prazo razoável do processo ainda mais se tiver em vista que cada magistrado tem um numero exorbitante de processos sob sua jurisdição. Logo, é quase que impossível que haja indenização devido a demora do Poder Judiciário em apreciar determinada demanda judicial, com base no inciso LXXVIII do art. 5º da CF[26].

Conforme o artigo 543, CPC quando admitidos os recursos extraordinário e especial, os autos somente serão remetidos ao STF para a apreciação do recurso extraordinário quando concluído o julgamento do recurso especial e se este não estiver prejudicado. Somente na hipótese do recurso especial estiver prejudicado é que o recurso extraordinário será sobrestado e remetido para o julgamento do STF. Contudo se o relator do recurso extraordinário em decisão irrecorrível, não o considerar prejudicial, devolverá os autos novamente ao STJ para julgamento do recurso especial. Ou seja, o que se percebe é que há uma morosidade nesse processo, esse vai e volta de autos entre o STF e o STJ, não estando de acordo com principio da razoável duração do processo.

 Ademais, ao analisarmos as competências do STF e STJ nos artigos 102, III e 105, III da Constituição Federal Relata            que o recurso especial trata-se, assim, de instrumento essencialmente destinado a proteger a integridade e a uniformidade de interpretação do direito Federal infraconstitucional. Contudo, essa reestruturação não deixou de causar problemas de ordem prática, temos agora dois recursos em vez de um só, interponíveis ambos, em larga medida, contra as mesmas decisões. Daí a necessidade de articulá-los; e o sistema resultante teria de ficar, como na verdade ficou bastante complicado em mais de um ponto. É inegável que o novo regime acarreta, muitas vezes, aumento considerável na duração do processo. Poderíamos então auferir que com essa disposição o recurso extraordinário com o requisito de Repercussão Geral estaria de encontro ao princípio da razoável duração do processo, uma vez que este é um requisito somente para o Recurso Extraordinário e que faz toda a diferença no processo[27].

Contudo, de acordo com Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 4.371 “A repercussão geral prestigia o princípio da duração razoável do processo, pois o grau de complexidade da questão discutida no recurso extraordinário interferirá diretamente no tempo em que a demanda levará para transitar em julgado. A repercussão geral acarreta economia de custos, economia de tempo, economia de atos e eficiência da administração da justiça. A repercussão geral é um mecanismo judicial eficiente visto que o Supremo Tribunal Federal terá maior produtividade, economicidade, presteza, perfeição e rendimento na prestação jurisdicional”[28].

Considerações Finais

 

            A introdução da repercussão geral no recurso extraordinário supostamente cristalizaria o direito, violaria o acesso à justiça, o contraditório e a ampla defesa. E é também por causa desses argumentos, que se questiona a constitucionalidade da repercussão geral. Ademais, na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 4.371, o autor argui outros fundamentos.

Apesar disso, os argumentos supracitados não merecem prosperar.

            A repercussão geral é um critério objetivo, isonômico e seguro. Garantidor de uma justiça célere e eficiente. Ela prestigia o princípio da duração razoável do processo, pois o grau de complexidade da questão discutida no recurso extraordinário interferirá diretamente no tempo em que a demanda levará para transitar em julgado. A repercussão geral acarreta economia de custos, economia de tempo, economia de atos e eficiência da administração da justiça. A repercussão geral é um mecanismo judicial eficiente visto que o Supremo Tribunal Federal terá maior produtividade, economicidade, presteza, perfeição e rendimento na prestação jurisdicional

            Conforme estatísticas do STF, o instituto propiciou uma redução brusca de recursos extraordinários e agravos de instrumento, o que dá mais tempo ao Supremo Tribunal Federal para garantir a supremacia do texto constitucional, bem como dá maior equilíbrio entre o controle difuso e o controle concentrado, acarretando uma maior efetividade do art. 102, caput, da CF. O instituto da repercussão geral é amplamente viável uma vez que a utilização de filtros qualitativos é uma tendência mundial.

            Portanto não resta dúvida ao nosso olhar, que o instituto, que foi objeto de debate deste artigo, pode ser utilizado pelo CPC em harmonia com os demais artigos previstos em nosso ordenamento jurídico e no próprio CPC, não ferindo nem o devido processo legal e nem a duração razoável do processo.

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[1] Paper elaborado para a disciplina de Recurso Civil da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[2] Alunos do 6º período de Direito Noturno da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB

3 Professor, Mestre, Orientador.

[3] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. São Paulo: RT, 2007, pág. 30.

[4] DANTAS, Bruno. Repercussão Geral: perspectivas histórica, dogmática e de direito comparado: questões processuais. São Paulo: RT, 2008, pág. 51.

[5] SILVA, Antônio Álvares da. Reforma do judiciário: uma justiça para o século XXI. 2.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, pág. 60.

[6] MELO, José Tarcízio de Almeida. Reformas: administrativa, previdenciária, do judiciário. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, pág. 409.

[7] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. São Paulo: RT, 2007, pág. 19.

[8] NERY JÚNIOR, Nelson. Apresentação. In: DANTAS, Bruno. Repercussão Geral: perspectivas histórica, dogmática e de direito comparado: questões processuais. São Paulo: RT, 2008, pág. 11.

[9] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. São Paulo: RT, 2007, pág. 5.

[10] MOREIRA, Jose Carlos Barbosa. Comentários ao Codigo de processo civil, Lei nº5.869, de 11 de janeiro de 1973, vol. V: arts. 476 a 565. Rio de Janeiro: Forense, 2002., pág. 573-575.

[11] Idem, pág. 573-574.

[12] SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 5. ed São Paulo: Saraiva, 2008, p. 762-764.

[13] ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pág. 719-720.

[14] BERMAN, José Guilherme. Repercussão geral no recurso extraordinário. Curitiba: Juruá, 2009, p. 97-98.

 

[15] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16ªed. Vol. 2, Lumen Juris: 2008, pág. 122.

[16] SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 23ªed. Vol. 3 Editora Saraiva: 2009, pág. 175.

[17] NERY JÚNIOR, Nelson; ANDRADE, Rosa Maria de. Código de processo civil comentado: e legislação extravagante. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 939.

[18] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 16ªed. Volume V, Editora Forense: 2012, pág. 616.

[19] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16ªed. Vol. 2, Lumen Juris: 2008, pág. 122.

[20] Idem, pág. 124-125.

[21] Idem, pág. 125.

[22] SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 23ªed. Vol. 3 Editora Saraiva: 2009, pág. 175.

[23] CUNHA, Gustavo Henrique Carvalho Vieira da. A Inconstitucionalidade da Repercussão Geral à Luz dos Princípios da Duração Razoável do Processo, da Economia Processual e da Eficiência. Centro Universitário de Brasília. Brasília, 2011. Disponível em:< http://repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/1273/1/20657110.pdf> Acesso em 20 de Out 2012, pág. 39-52.

[24] Idem, pág. 52.

[25] Idem, pág. 32.

[26] Idem, pág. 52.

[27] MOREIRA, Jose Carlos Barbosa. Comentários ao Codigo de processo civil, Lei nº5.869, de 11 de janeiro de 1973, vol. V: arts. 476 a 565. Rio de Janeiro: Forense, 2002., pág. 576.

[28] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 4.371. Petição inicial. Relator Ministro Luiz Fux. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=3822923>. Acesso em 26 de Out 2012.