PRECEDENTES JUDICIAIS E O ART. 927 DO NOVO CPC: DECISÕES JUDICIAIS COMO NORMAS?

 

Samuel Torres Fontenele

 

Resumo: O presente trabalho visa fazer uma breve análise do artigo 927 do novo Código de Processo Civil, discutindo principalmente se o mencionado dispositivo nos permite concluir que decisões judiciais, quando vistas como precedentes judiciais vinculantes, podem ser consideradas normas jurídicas.

Palavras-chave: Normas jurídicas. Precedentes judiciais. Novo cpc.

 

INTRODUÇÃO

O novo Código de Processo Civil, sancionado em 16 de março de 2015, traz uma série de novidades com a finalidade de trazer uma prestação mais célere e efetiva para os jurisdicionados. Entre estas novidades, uma das mais destacadas é o artigo 927 do novel Código. Este preceito normativo dispõe que os juízes e tribunais observarão: I) as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II) os enunciados de súmula vinculantes; III) os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV) os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V) a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

O mencionado dispositivo legal tem sido muito discutido na doutrina brasileira e tem trazido de volta às discussões nacionais uma antiga confusão: a suposta unidade existente entre texto e norma. Sob a perspectiva do novo Código de Processo Civil, o que se pretende discutir é: os precedentes judiciais disciplinados no artigo 927 constituem normas jurídicas?

É a partir dessa pergunta que se desenvolverão as discussões constantes do presente trabalho.

 

DISTINÇÃO ENTRE TEXTO E NORMA

Texto normativo e norma não se confundem. O primeiro é uma construção linguística, ao passo que o segundo é o significado atribuído a essa construção linguística[1]. Em outras palavras, podemos dizer que os textos normativos são objeto da interpretação, ao passo que as normas são produto da interpretação.

Daí podemos observar que o que o legislador fornece à sociedade são textos, e não normas (MITIDIERO, 2014, p. 17). Estas, na verdade, só passam a existir após a atribuição de algum significado aos respectivos textos.

E é justamente nisso que consiste a complexidade de inúmeros problemas jurídicos, tendo em vista que os textos normativos costumam ser incompletos e abertos, o que nos permite concluir que os respectivos textos não têm uma solução pré-pronta para todos os problemas jurídicos que podem existir na sociedade, ao mesmo tempo que a sua observância é, em prestígio ao princípio da separação de poderes, obrigatória pelo Judiciário.

Isso traz um impasse à sociedade e aos atores judiciais: a atividade de julgar dos magistrados, apesar de vinculada às leis e à Constituição, é excessivamente livre, o que permite a um magistrado poder julgar uma causa totalmente procedente, enquanto outro julga uma causa idêntica improcedente – e nenhum dos dois ter cometido qualquer erro do ponto de vista da sua atividade profissional, uma vez que ambos têm ampla liberdade para dar significado aos textos normativos.

Isso, naturalmente, prejudica a segurança jurídica e a possibilidade de controle dos atos jurisdicionais por parte dos jurisdicionados.

 

O PAPEL DOS PRECEDENTES

Sob o novo Código de Processo Civil, os precedentes judiciais, assim entendidos como as decisões judiciais que atribuam algum ganho hermenêutico sobre decisões judiciais anteriores e que possam servir de parâmetro para futura atuação jurisdicional, ganham espaço e passam a ser vistos como instrumentos de uniformização da jurisprudência nacional.

Para tanto, os pronunciamentos judiciais previstos no art. 927 do Código de Processo Civil passam a ser vistos como “precedentes com força vinculante” (DIDIER, OLIVEIRA, BRAGA, 2015, p. 455). Isto significa que os posicionamentos jurídicos contidos nos precedentes dispostos no art. 927 devem ser seguidos pelos intérpretes judiciais da lei, ainda que estes não concordem com a interpretação atribuída ao texto normativo no respectivo precedente.

Trata-se, pois, de uma forma de tentar uniformizar a interpretação dos textos normativos vigentes na ordem jurídica brasileira.

Mas será que isso é suficiente para dizer que os precedentes dispostos no art. 927 do novo CPC se constituem em verdadeiras normas, ou seja, em disposições gerais e abstratas que devem ser obedecidas em qualquer caso cuja sua subsunção as permita abranger?

Acredito que não e explicarei melhor isso no próximo tópico.

 

PRECEDENTES COMO TEXTOS E NORMAS CONCRETAS, MAS NÃO COMO NORMAS GERAIS E ABSTRATAS

Os precedentes judiciais vinculantes[2] só são normas quando analisados exclusivamente nos casos que lhes deram origem. Para todos os outros, os precedentes vinculantes são textos, mas não propriamente normas. São textos que indicam como outros textos devem ser interpretados e, com isso, concedem um ganho hermenêutico ao ordenamento jurídico em relação ao momento exatamente anterior à sua existência.

Trazem consigo instruções que indicam como determinadas leis ou disposições constitucionais devem ser lidas à luz de determinadas circunstâncias que compõem os casos concretos que lhes deram origem.

O que não podemos perder de vista é que textos trazem consigo opções de interpretações, mas não são, em si, uma forma de interpretação. Para perceber a diferença entre as duas coisas, deve o leitor observar que a fundamentação de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, pode nos indicar qual foi o resultado da interpretação utilizada pelos ministros dessa corte em um dado caso concreto, mas não nos mostra como foi a atividade de interpretação dos respectivos magistrados (SGARBI, 2007, p. 509), ou seja, não nos mostra o que eles realmente pensaram para sair de um dado texto e chegar a uma dada escolha hermenêutica.

 

CONCLUSÃO

Isto posto, impende observar que não devemos entender ou utilizar os precedentes judiciais como normas – nem mesmo os constantes do artigo 927 do novo Código de Processo Civil. Eles são textos e, como tais, necessitam de uma interpretação que lhes dê significado, para, só após isso, passarem a ser uma norma.

A aplicação prática dessa observação é que nem sempre que a ratio decidendi (fundamentação) de um precedente judicial vinculante for aplicável por subsunção a um dado caso concreto, deveremos simplesmente aplicá-la, de forma cega. Na verdade, devemos observar de forma cuidadosa as circunstâncias que compõem cada caso concreto, para, aí sim, decidir pela aplicação, ou não, do respectivo precedente.

Afinal, os precedentes significam, antes de mais nada, coerência entre as decisões do Judiciário. Isso, contudo, está longe de significar uma volta a ideia de que texto e norma são uma coisa só.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 15 mar. 2016.

DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. Vol. 2. 10ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2015.

MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

SGARBI, Adrian. Teoria do Direito: primeiras lições. 1ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.



[1] Que, por sua vez, também se expressa por meio de uma construção linguística.

[2] Assim entendidos, para os fins deste artigo, como aqueles previstos no art. 927 do novo Código de Processo Civil.