PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL: Descriminalização ou despenalização? Uma leitura crítica do art. 28 da lei 11.343/2006 sob a perspectiva dos princípios do Direito Penal.[1]

 

Francisco Campos da Costa

Jayane Antônia Alves[2]

Maria do Socorro Almeida de Carvalho[3]

 

 

Sumário: Introdução; 1. Conceito de Drogas; 2. Porte de drogas para consumo próprio; 3. Descriminalização ou Despenalização do porte de drogas para consumo próprio? 3.1 Corrente Descriminalizadora; 4. Entendimentos Jurisprudenciais; Conclusão; Referências.

 

 

RESUMO

 

O presente artigo tem o intuito de realizar uma leitura crítica acerca da nova imputação penal dada pela Lei 11.343/2006 ao portador de drogas que as mantém para consumo pessoal analisando tal conduta sob o prisma dos princípios do Direito Penal. Busca-se, além disso, revelar o posicionamento dos tribunais superiores a partir da análise jurisprudencial disponível sobre a referida matéria.

PALAVRAS-CHAVE

 

Lei de Drogas. Princípios do Direito Penal. Porte de Drogas. Uso de Drogas.

Introdução

           

O presente estudo tem como objeto principal a analise da tutela judicial dada ao uso de drogas, bem como sua imputação, tendo por base a Lei 11.343/2006. Tal estudo direciona-se especificamente ao art. 28 da referida lei, que modificou a pena aplicada àquele que “portar ou plantar droga para consumo próprio”, não imputando mais uma pena privativa de liberdade, e sim, uma pena restritiva de direitos.

Vale ressaltar que o legislador inclusive separou tal crime dos demais relacionados a tóxicos, afastando-o até mesmo da proximidade topológica do crime de tráfico de drogas, atestando a menor potencialidade lesiva que aquele apresenta em relação a este.

 A discussão sobre o novo tratamento dado a conduta ilícita acima descrita, qual seja, porte de droga para consumo pessoal, tem como um dos fundamentos o fato de que, a princípio, sua prática não fere bens jurídicos de terceiros, posto que o indivíduo mantém a droga e possivelmente a utilizará em prejuízo próprio. Entretanto, a potencialidade lesiva do delito se mostra, em relação a terceiros, a partir do momento em que se vislumbra a possibilidade de que o portador e/ou consumidor da droga venha a oferecê-la para outra pessoa. Trata-se, portanto, de um crime de perigo.

Por conta desse prejuízo próprio e do possível, mas não imediato, dano a terceiros, o legislador optou por não descriminalizar o ato, apenas reduziu a penalidade aos agentes do delito.

Dessa decisão surgiu o questionamento a respeito da despenalização ou descriminalização do tipo, na qual doutrina e jurisprudência se divergem, uma vez que as penas apresentadas para o delito sofreram um abrandamento e acabam por não enquadrá-lo como crime.

Diante desta celeuma, o estudo buscará apresentar as vertentes que circundam o referido delito, abordando a questão da despenalização ou descriminalização fundamentando cada uma e analisando-as com base nos princípios do Direito Penal, entre eles o da intervenção mínima do Estado na conduta dos indivíduos e por fim, esclarecer o posicionamento dos tribunais superiores sobre o tema.

1. Conceito de drogas

A lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006 que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD e trouxe em seu bojo medidas para avaliar e coibir práticas ilícitas em relação às drogas, dentre elas, vislumbra-se a conduta descrita no art. 28 da referida lei que trata do porte de drogas. Contudo, antes de se analisar com mais clareza o tipo penal, é importante definir o que vem a ser “drogas”.

Com o advento dessa lei, consolidou-se o entendimento de que a denominação a ser trabalhada era definitivamente “drogas”, posto que não havia um consenso em relação à expressão que se usaria para tratar desse assunto. Alguns livros traziam a nomenclatura de tóxicos, outros de entorpecentes e outros de drogas mesmo. Mas a lei apresenta logo no parágrafo único do seu art. 1º a denominação drogas e esclarece seu significado, conforme a transcrição in verbis:

Art. 1º (...) Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”. (Lei nº 11.343/2006).

Pela análise do dispositivo supracitado, percebe-se que a lei não especifica com clareza o que pode ser enquadrado como droga e o que não pode, sendo assim, trata-se de uma norma penal em branco, ou seja, é aquela que necessita de outra norma para completá-la.

O próprio dispositivo afirma isso ao delegar a outra lei a condição de especificar as substâncias ou produtos que serão emoldurados como droga para fins desta lei. Desta forma o Ministério da Saúde decretou, por meio da portaria nº 344 de 12 de maio de 1998 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, as substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial.

Por esta portaria fica estabelecido que inclusive os medicamentos são considerados como drogas, quando prescritos de forma incorreta ou negligente aos pacientes.

Vale ressaltar que a lei instituiu como regra a proibição do envolvimento com drogas e como exceção a autorização, ou seja, dependendo da finalidade, há circunstâncias que ficam isentas de criminalização, dentre as quais destacam-se o uso de determinadas drogas em pesquisas terapêuticas e ainda as utilizadas estritamente em rituais religiosos, como o ritual do Santo Daime. Esta autorização encontra-se expressa no art. 2º da Lei de Drogas, e em relação a isso, manifesta-se Rafael Damasceno Ferreira e Silva:

Nesta linha dos avanços da nova lei em relação aos limites do modelo anterior, ainda merece destaque o reconhecimento das ressalvas adotadas pela Convenção de Viena a respeito da proibição de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso (reconhecida expressamente no art. 2º), restando coerente com o principal avanço que destacaríamos na política de drogas no Brasil no período imediatamente anterior ao da promulgação da nova lei: a legalização do uso ritual de plantas no contexto do Santo Daime. (SILVA, 2008).

Entretanto, assim como a lei, o presente estudo terá por base as drogas cujo envolvimento é criminalizado haja vista a periculosidade que apresenta para a saúde pública, tais como a maconha e a cocaína, por exemplo.

2. Porte de drogas para consumo próprio

Depois de averiguada a classificação das drogas atingidas pela Lei nº 11.343/2006, o estudo se volta para a análise do tipo penal de porte de drogas previsto no art. 28 da referida lei, que determina que:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos da droga;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. (Lei nº 11.343/2006).

De acordo com a leitura do supracitado artigo, vislumbra-se que este é do tipo misto-alternativo, uma vez que o indivíduo vai ser responsabilizado caso venha a praticar qualquer das condutas descritas no caput.

É um crime comum quanto ao sujeito ativo, na medida em que qualquer pessoa pode cometê-lo. Entende-se como sujeito passivo a coletividade e o Estado, pois o indivíduo pode, com a sua conduta, interferir na segurança e na saúde de outrem ao infringir uma norma estatal. É um crime de mera conduta, pois, conforme o pensamento de Rogério Greco tal delito “não prevê qualquer produção naturalística de resultado no tipo penal. Narra tão somente, o comportamento que se quer proibir” (GRECO, p. 34). É monossubjetivo, haja vista que só uma pessoa pode cometê-lo e plurissubisistente, posto que há condutas, dentre as descritas, que demandam um inter criminis.

É um crime de perigo abstrato uma vez que o simples porte da droga implica em uma probabilidade de esta ser repassada a outra pessoa, ou seja, há uma presunção do repasse da droga, e é nessa presunção que consiste o perigo que o crime representa.

Desta forma, cabe destacar que o que se criminaliza é o porte e não o uso pessoal, pois é no porte que reside a possibilidade do perigo social da conduta e já no uso pessoal, o indivíduo prejudica apenas a si, e por se tratar de sua esfera pessoal, não compete ao Estado interferir. Uma vez que o consumo se der em conjunto, o indivíduo ao lado de companheiros, a conduta já passa a ser criminalizada.

Ainda a respeito deste delito do art. 28, é importante observar que o legislador tratou de separá-lo dos demais, retirando-o inclusive da proximidade topológica do crime de tráfico de drogas haja vista a menor potencialidade lesiva que representa, o que se pode perceber pelas penas aplicadas.

Diante dessa circunstância instalou-se a dúvida a respeito da natureza jurídica do tipo penal, pois há quem diga que a previsão contida no art. 28 da lei já nem se enquadra mais como crime e outros dizem que permanece sendo crime, mas que sofreu um abrandamento da pena. Sendo assim, cabe uma análise mais apurada para identificar os entendimentos conflitantes e analisar o que melhor se adequa à nova condição em que se encontra o tipo.

3. Descriminalização ou despenalização do porte de drogas para consumo próprio?

Primeiramente é necessário que se faça a distinção dos vocábulos e seus significados dentro do Direito Penal brasileiro. O Professor Luiz Flávio Gomes afirma que descriminalizar, em sentido estrito, seria a retirada da índole criminosa do fato, ou ainda, a exclusão de seu caráter ilícito ou de ilicitude penal. (GOMES; MOLINA; BIANCHINI; p. 255). O que acabaria "constituindo uma redução formal — legal — da competência do sistema penal para intervir em determinados comportamentos humanos." (DIAS, ANDRADE; p. 399).

A despenalização seria a diminuição da pena atribuída à conduta criminosa sem que houvesse sua descriminalização, ou seja, sem afastar o caráter de ilicitude penal do fato. (CERVINI, 2002). E essa despenalização seria feita através da adoção de medidas alternativas, de cunho penal ou processual, cujo objetivo seria dificultar, evitar ou restringir a aplicação da pena de prisão, sua execução, ou pelo menos sua redução, entretanto, sem retirar o caráter ilícito da conduta. (GOMES; MOLINA; BIANCHINI; p. 87-95).

 Feitas as distinções necessárias para a melhor compreensão deste tópico, passa-se agora a analise das correntes que defendem ter havido a descriminalização e em seguida as que defendem a despenalização da conduta descrita no Art. 28 da Lei 11.343/06.

Com o advento da nova Lei de Drogas houve também uma inovação na questão do tratamento ao praticante da conduta do artigo supracitado, que em vez de ser punido com uma pena privativa de liberdade será punido com: "I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços a comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo" (Lei 11.343/06). Caso descumpra a pena de forma injustificada, será ainda submetido a admoestações verbais e multas, nesta ordem.

O Professor Luiz Flávio Gomes defende que houve uma descriminalização formal, que ocorre quando o fato deixa de ser criminoso, mas continua dentro do Direito Penal e sua posição decorre diretamente das penas atribuídas pelo legislador ao sujeito ativo do ilícito penal referente ao porte de drogas para uso próprio:

Houve descriminalização “formal”, ou seja, a infração já não pode ser considerada “crime” (do ponto de vista formal), mas não aconteceu concomitantemente a legalização da droga. [...] Ora, se legalmente (no Brasil) “crime” é a infração penal punida com reclusão ou detenção (quer isolada ou cumulativa ou alternativamente com multa), não há dúvida que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova lei) deixou de ser “crime” porque as sanções impostas para essa conduta (advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos - art. 28) não conduzem a nenhum tipo de prisão. Aliás, justamente por isso, tampouco essa conduta passou a ser contravenção penal (que se caracteriza pela imposição de prisão simples ou multa). (GOMES; MOLINA; BIANCHINI; p.109-110).

Conforme se extrai da citação acima transcrita, a conduta do artigo 28, nas palavras do magister, seria uma infração sui generis, por não se tratar nem de crime, nem de contravenção penal, e isso se deve ao fato do legislador prever somente sanção restritiva de direitos e eliminar a privativa de liberdade e pecuniária, assim, a nova lei afastou-se daquelas espécies legalmente definidas e criou uma nova, a infração sui generis, que na interpretação de Luis Flávio Gomes não se encaixaria com o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, e extrapolaria o conceito analítico de crime que decorre da Teoria Bipartida adotada pela legislação penal brasileira. (GOMES, 2006, pág. 108-111).

Rogério Sanches, adepto da mesma posição do Professor Luiz Flávio Gomes, além de reforçar a teoria da infração sui generis, ainda aborda a impossibilidade da admissão de uma infração administrativa, pois as penas culminadas não seriam derivadas de uma autoridade administrativa:

O fato (posse de droga para consumo pessoal) deixou de ser crime (formalmente) porque já não e punido com reclusão ou detenção (art. 1º da LICP). Tampouco é uma infração administrativa (porque as sanções cominadas devem ser aplicadas pelo juiz dos juizados criminais). Se não se trata de um crime nem de uma contravenção penal (mesmo porque não há cominação de qualquer pena de prisão), se não se pode admitir tampouco uma infração administrativa, só resta concluir que estamos diante de infração penal sui generis. (GOMES, SANCHES; 2006).

Portanto, o que se pode perceber é que, segundo os autores acima citados, a Lei 11.343/06 criou uma nova infração penal, que não se enquadra nos moldes de crime ou de contravenção penal, o que se criou, nas palavras de João José Leal, teria sido "uma infração penal inominada", que estaria sendo punida com penas alternativas, atendendo ao intento da Política Criminal do Sisnad, em relação ao consumidor de drogas, prescrevendo: "medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas”. (Lei nº 11.343/2006).

A corrente despenalizadora por sua vez afirma que a corrente descriminalizadora pauta-se quase que exclusivamente no art. 1º da LICP, o qual apresentaria a diferença entre crime e contravenção tendo por único critério diferenciador as penas, e ressalva que esse não é o único critério diferenciador. (SILVA, Davi; 2006).

A corroboração dos argumentos de Davi Silva se revelam no próprio texto constitucional, art. 5o, inc. XLVI, que prevê a prestação social alternativa, bem como privativas e restritivas de liberdade, além da perda de bens, multa, suspensão e interdição de direitos. É notório que há previsão constitucional que autoriza o legislador infraconstitucional a criar penas que adotem as medidas acima citadas.

Com base na política criminal, João Carlos Carollo acrescenta que apesar do abrandamento demasiado dado pelo legislador não há que se falar em descriminalização, pois isso seria exacerbado, entretanto, a política criminal dá amparo legal para tanto:

dizer que houve a descriminalização achamos exacerbado. O que ocorreu, na verdade, foi uma adoção de nova valoração de condutas, com base em nova política criminal; por mais que possamos não concordar com ela, não podemos afirmar que não possui amparo legal. Podemos buscar outros fundamentos na própria lei para afirmar a nossa posição, como a localização do art. 28, ou seja, no Capitulo III - Dos crimes e das penas, o que, por si só, já seria sugestivo da intenção do legislador em não descriminalizar tais condutas. (CAROLLO, 2006).

A posição de Capez em relação ao assunto contribui ainda mais para ratificar a despenalização em vez da descriminalização da conduta, além de uma questão crucial, que é a concepção arcaica e desatualizada guardada pela LICP:

Entendemos, no entanto, que não houve a descriminalização da conduta. O fato continua a ter a natureza de crime, na medida em que a própria Lei o inseriu no capítulo relativo aos crimes e as pena (Capítulo III); além do que as sanções só podem ser aplicadas por juiz criminal e não por autoridade administrativa, e mediante o devido processo legal (no caso, o procedimento criminal do Juizado Especial Criminal, conforme expressa determinação legal do art. 48, § 1º, da nova Lei). A Lei de Introdução ao Código Penal está ultrapassada nesse aspecto e não pode ditar os parâmetros para a nova tipificação legal do século XXI. (CAPEZ, 2004).

Por fim, Greco Filho e Rassi abordam a questão da utilização da LICP de 41, que serviu inclusive de parâmetro para a tese de Luiz Flávio Gomes:

A conduta de trazer consigo ou adquirir para uso pessoal. É indispensável uma observação preliminar e de suma importância. A lei NÃO DESCRIMINALIZOU NEM DESPENALIZOU a conduta de trazer consigo ou adquirir para uso pessoal nem a transformou em contravenção. [...] A denominação do Capítulo é expressa. As penas são próprias e específicas, mas são penas criminais. Não é porque as penas não eram previstas na Lei de Introdução ao Código Penal de 1941, e, portanto, não se enquadram na classificação prevista em seu art. 1º que lei posterior, de igual hierarquia, não possa criar penas criminais ali não previstas. (GRECO FILHO; RASSI; 2007).

Em suma, Jorge Vicente Silva apresenta um elemento final que retira toda e qualquer dúvida que ainda paire sobre esse debate afirmando que "se houvesse a descriminalização, não haveria processo nem julgamento, sendo este mais um fator a reafirmar que as condutas visando ao consumo de drogas continuam criminalizadas". (SILVA, Jorge Vicente; 2006).

4. Entendimentos jurisprudenciais

O Superior Tribunal de Justiça ao apreciar o Recurso Especial 2006/0148715-0 justifica, nas considerações que sustentam entendimento jurisprudencial, o afastamento da tese do abolitio criminis e da infração penal sui generis para o crime tipificado no art. 28 da Lei 11.343/06, ou seja, a Suprema Corte se manifesta no sentido de que a conduta mantém seu caráter ilícito, havendo mera despenalização:

EMENTA. RECURSO ESPECIAL. PENAL. ART. 16 DA LEI N.º 6.368/76. PRAZO PRESCRICIONAL DE 2 (DOIS) ANOS. ART. 30 DA LEI Nº 11.343/2006 (NOVA LEI DE TÓXICOS). PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. LAPSO TEMPORAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA SUPERVENIENTE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE ESTATAL. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento de Questão de Ordem suscitada nos autos do RE 430105 QO/RJ, rejeitou as teses de abolitio criminis e infração penal sui generis para o crime previsto no art. 28 da Lei 11.343/06, afirmando a natureza de crime da conduta perpetrada pelo usuário de drogas, não obstante a despenalização. (Recurso Especial 2006/0148715-0. Relatora Ministra Laurita Vaz. Órgão Julgador: T5 Quinta Turma. Data de julgamento: 26/06/2007. Data a publicação: DJ 06/08/2007, p. 674).

Não obstante tal julgamento, o Supremo Tribunal Federal também se posiciona na defesa da mera despenalização, conforme se vislumbra na leitura do Recurso Extraordinário n. 430105:

EMENTA. POSSE DE DROGA PARA CONSUMO PESSOAL: (art. 28 da L. 11.343/2006 – Nova Lei de Drogas): NATUREZA JURÍDICA DE CRIME. A Turma, resolvendo questão de ordem no sentido de que o art. 28 da Lei 11.343/2006 (Nova Lei de Tóxicos) não implicou abolitio criminis do delito de posse de drogas para consumo pessoal, então previsto no art. 16 da Lei 6.343/76, julgou prejudicado recurso extraordinário em que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro alegava a incompetência dos juizados especiais para processar e julgar conduta capitulada no art. 16 da Lei 6.368/76. Considerou-se que a conduta antes descrita neste artigo continua sendo crime sob a égide da lei nova, tendo ocorrido, isto sim, uma despenalização, cuja característica marcante seria a exclusão de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva da infração penal. Afastou-se, também, o entendimento de parte da doutrina de que o fato, agora, constituir-se-ia infração penal sui generis, pois esta posição acarretaria sérias conseqüências, tais como a impossibilidade de a conduta ser enquadrada como ato infracional, já que não seria crime nem contravenção penal, e a dificuldade da definição de seu regime jurídico. (Recurso Extraordinário n. 430105. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Órgão julgador: Primeira turma. Data de julgamento: 13/02/2007. Data da publicação: 27/04/2007, p. 737).

 

Sendo assim, resta claro o entendimento dos tribunais superiores que a conduta descrita no art. 28 da Lei de Drogas continua assumindo a natureza criminosa e devem ser rejeitadas as teses da abolitio criminis e da infração penal sui generis, visto que a nova Lei não deve seguir pautada apenas no que determina o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, que encontra-se ultrapassada frente aos avanços do ordenamento jurídico brasileiro.

Conclusão

 

Acompanhando a doutrina majoritária e o posicionamento dos tribunais superiores. o presente estudo se posiciona pela corrente que defende a mera despenalização do tipo, uma vez que este continua assumindo o status de crime, o que ocorreu foi apenas um abrandamento da pena a ele imposta pela legislação anterior.

Como justificativa a essa despenalização, apresenta-se o princípio da intervenção mínima do Estado, em que permite que o Direito Penal interfira apenas em condutas consideradas mais gravosas. Como conseqüência, o Estado passa a apresentar aos “criminosos” alternativas às penas privativas de liberdade, no intento de coibir o cometimento de tais condutas, prestar-lhes auxílio e educá-los quanto ao uso desses entorpecentes

Desta forma, a despenalização ocorrida com o delito em análise culmina com a inovação apresentada pela nova Lei de Drogas, onde se pode perceber com clareza a sua preocupação com o indivíduo na tentativa de alertá-lo em seu envolvimento com drogas e possibilitar a ele meios de se restabelecer sem que seja preciso a atuação das punições severas impostas pelo Direito Penal.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

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______. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Lex: Coletânea de Legislação e Jurisprudência, Brasília ago. 2006. Disponível em: <http://planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm>. Acesso em: 22 set. 2012.

______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 2006/0148715-0. Relatora Ministra Laurita Vaz. Órgão Julgador: T5 Quinta Turma. Data de julgamento: 26/06/2007. Data a publicação: DJ 06/08/2007, p. 674. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RERESU&b=ACOR&livre=862758>. Acesso em: 22 set. 2012.

______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 430105. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Órgão julgador: Primeira turma. Data de julgamento: 13/02/2007. Data da publicação: 27/04/2007, p. 737. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarjurisprudencia.asp?s1=LTX-1976(@JULG%20=%2020070213)&baseAcordaos>. Acesso em: 22 set. 2012.

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[1]  Paper destinado a disciplina de Direito Penal Especial III

[2] Alunos do 6º período de Direito - turno vespertino - da UNDB

[3] Professora da referida disciplina