O Serviço Social no campo das práticas sócio jurídicas

Daiane Melo de Castro¹

O tema de estudo é o processo de trabalho do assistente social, e sua relação com a função do judiciário enquanto poder de Estado e com o próprio direito como instrumento da ação judiciária. O Serviço Social no campo jurídico se apresenta como suporte fundamental para atender sujeitos que desembocam no Fórum com o intento de garantir seus direitos.

Campo (ou sistema) sócio jurídico diz respeito ao conjunto de áreas em que o Serviço Social articula-se a natureza jurídica, como sistema judiciário, o sistema penitenciário, os sistemas de proteção e acolhimento como abrigos, internatos, conselhos de direitos, entre outros. O termo sócio jurídico refere-se à síntese destas áreas, tem sido disseminado no meio profissional do Serviço Social (FÁVERO, 2003). Neste trabalho utiliza-se o termo campo sócio jurídico como referência ao sistema judiciário em especial.

O Serviço Social é uma profissão que contribui para novas alternativas de intervenção no campo judiciário. Além de assessorar os magistrados na tomada de decisão, oferece subsídios que poderão ou não, converter o curso do processo judicial ou a vida dos sujeitos e famílias que são atendidos por esse Serviço Social.

O assistente social é nomeado judicialmente como perito social e sua função no campo sócio jurídico “é auxiliar o juiz, com a função de apreciar e interpretar os fatos de uma causa, qualificando as sentenças. É uma atividade sem poder decisório legal, embora assuma grande responsabilidade por conduzir uma decisão judicial” (TURCK, 2000, p. 34).

 A compreensão dessa modalidade de intervenção no Judiciário requer o conhecimento das consequências do aprofundamento da questão social, da aglutinação dos conflitos sociais gerados pela crise da ordem social capitalista e as formas de enfrentamento do Estado que são mobilizadas para dar respostas às sequelas dessa crise (ALAPANIAN, 2008). Nessa medida, torna-se necessária também a compreensão da natureza do próprio direito como conjunto de normas instituídas para regular a vida em sociedade.

O Serviço Social possui uma história com o Direito, à medida que sua ação profissional, ao tratar das manifestações e enfrentamento da questão social, coloca a cidadania, a defesa, preservação e conquista de direitos, bem como sua efetivação e viabilização social (CHUAIRI, 2001). Desta forma, a ação profissional dos assistentes sociais do Judiciário exige capacidade teórica e competência técnica para decifrar a realidade e vislumbrar novas alternativas que ampliem e aperfeiçoem sua intervenção profissional.

Porém é preciso considerar que a grande maioria populacional que demanda os serviços judiciários se dá na área da infância e da juventude que sobrevive com dificuldades no se refere ao suprimento das necessidades básicas para alimentação, habitação, saúde, educação, lazer, e segurança. Assim a totalidade desse segmento é constituída por sujeitos que de forma precária foram incluídos a acessar minimamente aos bens sociais, ou foram excluídos socialmente ao longo de suas trajetórias de vida, decorrência de perda de trabalho e da consequente impossibilidade de acesso a outros bens sociais. (FÁVERO, 2006).

A respeito da realidade dos sujeitos, e da intervenção do Serviço Social no espaço jurídico é necessário ver claramente, como a questão social atravessa o cotidiano dos sujeitos atendidos, que vem sofrendo com as consequências de um processo perverso de exclusão social.

 A questão social, dos últimos decênios, tem penalizado mais de um terço da população brasileira. Ela tem causas estruturais, que atingem organizações e classes sociais, geram desestabilização, exclusão e conflitos que implicam em mecanismos de lutas e resistências da população pela melhoria da prestação de serviços e concretização dos direitos de cidadania. O profissional necessita tomar “um banho de realidade brasileira, munindo-se de dados, informações e indicadores que possibilitem identificar as expressões particulares da questão social, assim como os processos sociais que as reproduzem” (IAMAMOTO, 2007, p. 37-38).

O Serviço Social tem na questão social o elemento central do projeto da profissão, a qual se particulariza no dia a dia da intervenção de várias formas. A intervenção profissional como perito em Serviço Social tem como objetivo, por meio de estudo social perceber aspectos que subsidiem a decisão dos juízes, colaborando para uma solução mais justa e adequada, primando pelos interesses e necessidades dos usuários.

A intervenção profissional faz referência aos princípios fundamentais da profissão, previstos no Código de Ética, de acordo com os quais a prática do assistente social deve estar voltada para a “ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vista à garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras” (CFESS, 2003, p. 63).

Para atuação na área jurídica e para contribuir para a justa aplicação da lei o assistente social necessita saber os fundamentos do Serviço Social, da realidade social da criança, do adolescente, da família, da sua relação com as políticas sociais, a cidade, o trabalho, o que significa ser criança e ser adolescente, nesse contexto, é sua prerrogativa definir os meios para atingir os fins propostos.

 Para uma reflexão e debate em torno das implicações ético-político da construção do estudo social, é fundamental que se retome as competências e atribuições do assistente social, de acordo a Lei de regulamentação da profissão lei n° 8.662/93, entre as competências art. 4º “Realizar estudos socioeconômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais junto a órgão de administração publica direta e indireta, empresas privadas ou entidades” e dentre as atribuições privativas, no art. 5º inciso IV “realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a temática de Serviço Social” (CRESS, 2005, p. 13).

O Judiciário como uma instituição formal, requer o comportamento dos profissionais adequado às diretrizes preestabelecidas pela instituição. A competência para cada categoria profissional que forma a equipe técnica no campo judiciário, é preestabelecida por normativas internas e as incumbências prescritas para os assistentes sociais judiciários, conforme as Resoluções n.º 08/87-CM, 01/88-CM e 20/90-CM, presentes no artigo 255 da Consolidação Normativa Judicial do Estado do Rio Grande do Sul (2009):

Incumbe pesquisar, estudar e diagnosticar os problemas sociais nos feitos que, a critério do juiz o exijam; assessorar na esfera de sua competência profissional, aos juízes em especial das Varas de Família, Infância e Juventude e Execuções Criminais; elaborar laudos sociais; prestar orientação e/ou acompanhamento ao menor e à família quando necessário; articular recursos sociais que contribuam para solucionar ou minimizar as situações-problemas da infância e da juventude, apenados ou de entidades familiares em litígio; prestar assessoria, por determinação judicial, a instituição que abriguem menores; acompanhar visitas de pais separados as crianças e aos filhos adolescentes, em casos de litígio grave, quando necessário para subsidiar o trabalho técnico-profissional na elaboração do laudo social; planejar, executar e avaliar pesquisas e programas relacionados à prática profissional do assistente social judiciário; organizar e manter registro e documentação atinentes ao Serviço Social, resguardando o necessário sigilo, inclusive cópia devidamente arquivada, do Relatório de Atividades, elaborado e remetido bimestralmente à Direção do Foro  (CNJ, 2009, p. 77-78).

Neste âmbito a Consolidação Normativa Judicial do Estado do Rio Grande do Sul deixa claro o instrumento que cabe ao assistente social enquanto parte da instituição judiciária, e a importância de uma a postura profissional ética adequada às diretrizes preestabelecidas pela instituição.

De acordo com CFESS o estudo social:

É especifico processo metodológico do Serviço Social tem por finalidade conhecer a expressão da questão social os seus aspectos socioeconômicos e culturais. Contudo a importância de sua fundamentação rigorosa, teórica, ética e técnica, com base no projeto da profissão, depende a sua devida utilização para garantia e ampliação de direitos dos sujeitos usuários dos meios dos serviços sociais e do sistema de justiça  (CFESS, 2006, p. 43).

Nessa perspectiva o estudo social, permite conhecer e analisar a situação dos sujeitos sociais. O trabalho, a cidade, as políticas sociais e a família se põem como chaves do conhecimento, para a construção do desse documento que possibilita revelar a realidade social dos sujeitos nas ações judiciais, daí a importância de uma reflexão sobre essa intervenção profissional.

A análise da realidade social e dos fatores que afetam o cotidiano dos sujeitos das ações judiciais, realizada pelos assistentes sociais, pressupõe a ênfase num recorte mais sensível e menos racional-legal, o que pode possibilitar a emergência de novos modelos de perceber os envolvidos nas demandas judiciais, os quais possuem suas vidas geridas num determinado momento pelo Judiciário.

A perícia social, no âmbito do judiciário diz respeito a uma avaliação, exame ou vistoria, é realizado por meio de um estudo social e implica na elaboração de um laudo e emissão de um parecer. Sendo facultada a ele a realização de entrevistas, contatos, visitas, pesquisas documentais e bibliográficas que forem necessárias. De conforme com Martinelli (2005), a perícia é o estudo social realizado com base nos fundamentos ético-políticos (poder), teórico-metodológicos (saber), e técnico-operativos (fazer), próprios do Serviço Social com finalidade relacionada a avaliações e julgamentos.

O exercício da Perícia requer um conhecimento específico relativo à profissão de Serviço Social. Seu exercício implica em um conhecimento adquirido pela experiência. Portanto, qualquer categoria profissional que transite na Justiça pode exercer a Perícia a partir da sua especificidade mediante remuneração, conforme hora-técnica definida pelo Conselho Federal, no caso do Serviço Social pelos serviços prestados quando chamado pela Justiça, ou contratado como assistente técnico, desde que estes profissionais possam estar protegidos pelos seus respectivos Códigos de Ética. Na Justiça, então, em qualquer dessas modalidades, o profissional que vai exercer a Perícia trará para o contexto jurídico um conhecimento específico pertinente a sua profissão.

O assistente social, ao exercer a Perícia Social, o fará a partir do direcionamento de seu processo de avaliação, tendo como eixo central a Questão Social, e seu objeto de trabalho articulado com seu Projeto Ético-Político. Nesse sentido, ao se trazer a Perícia Social como especificidade da profissão, é necessário buscar um pouco da sua história junto ao Poder Judiciário, detendo-se mais especificamente em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

Os assistentes sociais do antigo Juizado de Menores vêm atuando como Peritos Sociais desde 1955. A partir desta época, então, a Perícia Social como especificidade do Serviço Social foi se consolidando na Justiça Infanto-Juvenil na área da criança e do adolescente. E, a partir de 14 de novembro de 1986, pelo provimento de nº. 07/1986, a direção do Foro Central de Porto Alegre abriu vagas para concurso de assistente social judiciário, para implantar a Perícia Social como especificidade do Serviço Social na Vara de Família, para assessor aos Juízes de Direito, bem como para executar atividades de sua competência. Atualmente, no Foro Central de Porto Alegre, o Serviço Social atua através da Perícia Social no Juizado da Infância e da Juventude, nas Varas de Família e de Execução das Penas Alternativas e nas das Comarcas do interior do Estado (TURCK, 2006).

É nesse contexto que se observa que, para os assistentes sociais, o campo de trabalho na área da Perícia Social, como trabalho autônomo, vem se ampliando. Estes já participam do cadastro na Justiça Federal Previdenciária para serem nomeados como peritos sociais, mediante remuneração por cada Perícia Social executada. Logo, torna-se um trabalho qualificado no qual vai se complementar os fundamentos teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo do Serviço Social, articulados com o conhecimento das demandas que emergem através das diversas expressões da Questão Social e através das leis que devem dar conta destas.

A pesquisa de Mioto (2001) indica que o Relatório social é muito comum no trabalho junto as Varas da Infância e da Juventude se dá com a finalidade de informar, esclarecer, subsidiar, documentar um ato processual relacionando alguma medida protetiva ou sócio-educativa, prevista no estatuto da Criança e do Adolescente, ou enquanto parte de registros a serem utilizados para a elaboração de um laudo ou parecer. O laudo social é utilizado como mais “um elemento de prova, oferecendo elementos de base social para formação de um juízo e decisão que envolve direitos fundamentais e sociais” (CFESS, 2006, p. 46).

A opinião profissional a respeito de uma situação manifesta-se no “Parecer social que se trata de uma exposição é manifestação suscita de situação social, dado como resposta à consulta ou determinação da autoridade judiciária a questão em processo acompanhado pelo profissional” (CFESS, 2006, p. 48). Portanto o estudo social, a perícia social, o laudo social e o parecer social fazem parte de uma metodologia de trabalho de domínio especifico do assistente social. E o aperfeiçoamento desses instrumentos tem sido a preocupação frequente dos assistentes sociais que trabalham no Poder Judiciário.

Diante do exposto até aqui, tem-se que o processo de trabalho dos assistentes sociais no campo sócio jurídico contribui para o fortalecimento da cidadania e a garantia de direitos humanos da população que buscam justiça social na esfera pública. A importância desses profissionais neste espaço institucional verifica-se na medida em que auxiliam os indivíduos a se reconhecerem como participantes das transformações sociais, da mesma forma que possam favorecer a consciência crítica para a ruptura com amarras que os condicionam em suas relações sociais, e propiciar ao sujeito a busca da sua autonomia.

¹ formada em Serviço Social na Unipampa. Pré projeto apresentado para trabalho final de graduação: Unipampa São Borja, 2011.