Certo professor cansado da labuta do dia-dia, estressado com a bagunça dos alunos, em pleno sábado da preguiça, foi a um barzinho, tomou duas cervejas bem geladinhas, pegou uma capa de plástico, foi a beira de uma estrada, deitou-se de papo pro ar e esqueceu-se do mundo.

Era ao pé de um morro, com apenas algumas árvores, muito pedregulho pela estrada, muitos pássaros enchendo o saco, mas quase nenhum movimento pela estrada.

Deitado ali naquele mundão de meu Deus ele esqueceu-se do mundo.

A uns 500 metros dali ele via uma casa de pau a pique e muita gente que entrava e saía de lá. Era uma família enorme ou um aglomerado de família. Havia muitas crianças e algumas mulheres. Eram todos pobres, mas não pareciam ser tão miseráveis.

Quando observava assim toda aquela paisagem, duas mocinhas iam chegando e quando o viram, gritaram de longe: um docinho? Sim, elas tinham ido à rua vender doces e estavam chegando com alguns deles ainda. Por que então não vender alguns para aquele moço que estava ali bem vestido, ainda que no chão? Mas ficaram meio ressabiadas. Não conseguiram identificar bem a pessoa e como elas eram bem jovens, poderiam correr algum perigo. De modo que elas ofereceram os docinhos, mas ficaram lá longe observando o moço.

Deitado mesmo, o professor então chamou: venham aqui. Quem é que disse que as duas mocinhas iam lá. Ficavam de longe observando o movimento do homem. As meninas ficavam com vontade de vender os doces, mas com medo de acontecer algo estranho.

De repente elas reconheceram que era o professor. Aí então a coisa mudou de figura. Elas vieram correndo, já foram entregando alguns docinhos, se interessaram por ele, chegaram bem pertinho, uma delas até se abaixou.Quando estavam naquela conversa íntima, só o professor com as duas meninas, alguém lá da casa percebeu e gritou:

- Um tarado!

Foi um inferno. Imediatamente uma renca de mulheres saiu da casa. Homens, mulheres, crianças, todos armados com faca, pedaços de madeira, facão, porretes, só não tinham munição a fogo, porque se tivesse seria uma guerra feia. Ia ser tiro pra todo lado.

O professor percebeu aquela confusão. O povo marchava contra ele, falando alto, gritando, esbravejando. O professor devagar, até melhorou um pouco da ressaca, se levantou, limpou-se e foi saindo de fininho. Aquela multidão vendo que o homem ia se distanciando partiu pra cima dele aos berros. O professor corria e a negrada atrás gritando "Tarado", "sem vergonha". Iriam fazer pedacinhos do pobre homem que queria apenas descansar. As meninas gritavam: "mas é o professor, é o professor". Naquele momento ninguém ouvia nada do que as meninas falavam. E elas corriam, pediam pra um, pediam pra outro. "Mas este não é um tarado, é o professor".

Naquela renca toda não tinha nenhum homem, somente mulheres e crianças, senão a coisa pegaria fogo e até morte. E a correria continuava sem tréguas. O professor já se sentia morto e o pior ainda é que seria enxotado como professor tarado.

No auge da correria, o professor encontra o pai das meninas, que vendo aquele pizeiro e todos correndo pra cima do professor, correu também e entrou no samba sem nem saber o motivo. Alguém gritou, é um tarado. Pronto a coisa ficou preta agora, pois o velho imediatamente captou o motivo: aquele era um tarado que tinha atacado a família dele. Precisava tomar uma lição agora mesmo. Cortar o saco dele? O professor sentiu um frio na barriga, aliás na barriga não, no saco. Aí a coisa ficou turva completamente, porque para o homem não tem documento mais verdadeiro que o saco. Perder este documento é perder a vida. Pisou firme na correria, mas o pai do chiqueiro, aliás o pai da moçada era muito mais forte e alcançou-o num segundo. Ajeitou bem a camisa do professor pela altura do pescoço e ia dar o primeiro soco no pobre homem quando a menina gritou bem alto:

- Pai, este é o professor.

A mão do homem paralisou no ar. Ficou assim com a mão direita em punho e a outra segurando a camisa do professor.

- Pro-fes-sor!

- Este é o professor, pai. Ele estava descansando embaixo daquela árvore e nós fomos lá vender alguns doces para ele. Ele não é um tarado não.

- Professor! Repetia o homem. O pobre velho não tinha onde por a cara. Não sabia se esmurrava o professor ou a metade da família de imbecis que ele tinha.

Sem graça, pediu desculpas ao professor, disse que ele perdoasse a família de ignorantes que ele tinha, que iria dar um bom sabão em todos eles e que aquilo não mais aconteceria, mas pediu ao professor que ele não fosse se deitar mais embaixo de árvores por aí a beira de estradas. Poderia correr o risco de ser atropelado por um trator ou algum boi comeria as calças dele e aí a coisa se complicaria.

O professor, também sem graça, agradeceu, perdoou a família do homem e foi saindo devagarinho rumo a sua casa. Refletiu bem em tudo que tinha acontecido. Felizmente não aconteceu o pior. Ia assim caminhando quando ouviu duas vozes:

- Professor... os docinhos.

Ele pisou firme, fez que nem ouviu as meninas. Chega de confusão. Amanhã é mais um dia de aula.