O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA COMO FATOR EXCLUDENTE DE ILICÍTUDE NOS CRIMES DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO.

 

Flávio Rêgo Cordeiro [1]

Maria do Socorro Almeida de Carvalho[2]

 

 

 

Sumário: Introdução; 1. O princípio da intervenção mínima e o caráter fragmentário e subsidiário do direito penal; 2. O princípio da insignificância e o delito de contrabando ou descaminho; 3 Análise dos critérios adotados pela jurisprudência e discutidos pela doutrina no tocante ao reconhecimento da conduta penalmente insignificante. Considerações Finais; Referências.

 

 

 

RESUMO

No presente paper, pretendemos analisar a respeito dos critérios adotados pela jurisprudência e discutidos pela doutrina no que concerne ao reconhecimento da conduta penalmente insignificante dos delitos de contrabando, fazendo anteriormente um breve estudo sobre o princípio da intervenção mínima e o caráter fragmentário e subsidiário do Direito Penal, para posteriormente abordar propriamente o princípio da insignificância e os elementos estruturantes do delito de contrabando ou descaminho. Outrossim, para o crime de contrabando não há posicionamento majoritário, divergindo os Tribunais entre a aplicação do princípio da insignificância, pois o Direito Penal não deve se preocupar com infrações de pouca importância. No entanto, em sentindo contrário, a inaplicabilidade de tal princípio com fulcro no fato de ser uma atitude ilícita e ferir diretamente a moral pública, torna-se inviável o amparo neste fundamento, apresentaremos a partir de tais divergências presentes solução para o tema.

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PALAVRAS-CHAVE: Princípio da Insignificância – Código Penal – Contrabando– Descaminho

 

INTRODUÇÃO

Sobre uma perspectiva do Direito Penal que tem como enfoque a intervenção mínima, o presente trabalho foi elaborado com o intuito de dissertar a respeito do crime do art. 334, caput, do Código Penal, que considera ilícita as condutas de contrabando e descaminho. Objetiva-se aqui também fazer uma interpretação dos elementos constitutivos do aludido dispositivo visando identificar a caracterização de cada conduta abordada individualmente, respeitadas as suas particularidades a fim de que se possa debruçar a respeito da necessidade ou não de atuação do Estado, no que concerne a sua intervenção contra os que comente a ação delituosa de Contrabando ou Descaminho.

Para tanto, abordaremos no capítulo 1 como o Estado de Direito utiliza a lei penal para resolver os conflitos em que são afetados os bens jurídicos do homem. É sabido que essa atuação é feita em ultima ratio, o que significa que outros ramos do direito são usados primeiramente nesses conflitos. A aplicação do Direito Penal é, portanto, subsidiária. Aproveitar-se-á também para explicar o caráter fragmentário do Direito Penal, característica que compartilha com todo o ordenamento jurídico.

No capítulo 2, trataremos sobre o Princípio da Insignificância na sua acepção estrita: origem, definição, natureza jurídica, fundamentos e finalidade, bem como os elementos estruturantes do crime de Contrabando ou Descaminho. Não é cabível preocupar-se com hipóteses incriminadoras, porém inofensivas, incapazes de lesar o bem jurídico tutelado pelo legislador. Dessa forma, discutir-se-á aqui a esse respeito.

Por fim, no ultimo capítulo, o 3, abordar-se-á as jurisprudências recentes a respeito do crime de Contrabando ou Descaminho, tanto na hipótese do comércio de mercadoria ilegal, como na prática de sonegação fiscal. Serão analisados casos diversos, para que juntamente com uma análise doutrinária, possa-se apontar o mais indicado à prática do legislador.

O objetivo jurídico descrito é bem claro, uma vez que é de interesse estatal o respeito ao erário público, bem como do comércio e da indústria nacional. Também é de suma importância identificar os princípios constituicionais-penais envolvidos nesse contexto e realizar o sopesamento necessário com o fim de identificar se a posição tomada é a mais adequada, real e justa, dentro das possibilidades do ordenamento jurídico brasileiro.

A relevância jurídica perpassa por uma análise da real necessidade que tem a máquina estatal de se movimentar, diante da difícil realidade que essa enfrenta, tal é o nível de violência e criminalidade, a condição dos presídios e da morosidade que enfrenta a atividade do judiciário, cada vez com o excesso maior de atividade, sem condições de proverem sua totalidade as demandas da sociedade. Tomando como princípio colocações da doutrina e da jurisprudência, ver-se-á diante da necessidade e relevância, o melhor a ser aplicado em cada caso.

1 O PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E O CARÁTER FRAGMENTÁRIO E SUBSIDIÁRIO DO DIREITO PENAL

O princípio da intervenção encontra-se positivado na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, em seu art. 8º, o qual determina que a lei só deve prever as penas estritamente necessárias.(CAPEZ, 2007, p.17) Neste sentindo, o supracitado princípio possui como característica primordial a fragmentariedade do Direito Penal. Pois o caráter fragmentário da lei penal estabelece que a função maior de proteção de bens jurídicos atribuída a lei penal não é absoluta (PRADO, 2002, p.120), isto faz com que os bens jurídicos somente sejam protegidos penalmente contra certas formas de agressão, reputadas socialmente intoleráveis. Segundo Regis Prado “isso que dizer que apenas as ações ou omissões mais graves endereçadas contra bens valiosos podem ser objeto de criminalização” (PRADO, 2002, p.120). Aclara-se, aqui, que a fragmentariedade não significa, obviamente, determinada lacunosidade na defesa de certos bens e valores e na busca de certos fins, porém constitui limite necessário a um totalitarismo de tutela, de forma danosa para a liberdade (PRADO, 2002, p.120)

A intervenção mínima possui dois destinatários principais - o legislador e o operador do Direito. O legislador, em que a aplicação exige cautela no momento de escolher quais “as condutas que merecerão punição criminal, abstendo-se de incriminar qualquer comportamento” (CAPEZ, 2007, p.19). O operador do Direito, o qual recomenda-se não aplicar o enquadramento típico quando perceber que aquela conduta pode ser satisfatoriamente somada “com a atuação de outros ramos do ordenamento jurídico” (CAPEZ, 2007, p.19). Deste modo, faz-se salutar o magistério do promotor e professor Fernando Capez:

Se o fato de um chocolate em um supermercado já foi solucionado com o pagamento do débito e a expulsão do inconveniente freguês, não há necessidade movimentar a máquina persecutória do Estado, tão assoberbada com a criminalidade violenta, a organizada, o narcotráfico e as dilapidações ao erário. (CAPEZ, 2007, p.19)

Importante ressaltar que sob o viés constitucional, tanto a intervenção mínima quanto o caráter subsidiário do Direito Penal decorrem da dignidade humana, pilar fundante do Estado Democrático de Direito, também são essenciais para uma distribuição mais equilibrada da justiça na medida em que o Direito Penal é elevado a categoria de ultima ratio. (CAPEZ, 2007, p.20)

Portanto conforme estabelece Fernando Capez “somente haverá Direito Penal naqueles raros episódios típicos em que a lei descreve um fato como crime, ao contrário, quando ela nada disser não haverá espaço para a atuação criminal” (CAPEZ, 2007, p.17). Nestes dizeres, por conseguinte, consiste a principal proteção política do cidadão em detrimento do poder punitivo estatal, a de que um indivíduo somente terá invadido seu direito de liberdade, se por em prática uma conduta descrita como infração penal (CAPEZ, 2007, p.17)

2 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E O DELITO DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO

Não é pacífico na doutrina acerca do entendimento da origem do Princípio da Insignificância. Desta forma, é possível precisar na doutrina duas correntes de entendimento sobre sua origem. A primeira corrente declara que o Princípio da Insignificância sobrevém da máxima jurídica mínima non curat praetor, de minimis non curat praetor ou ainda de minimis praetor non curat, em vigência no Direito Romano antigo, o qual o pretor, em regra, não se invadia das causas ou delitos de menor insignificância. (SILVA, 2008, p.90). Em sentido contrário, a segunda corrente doutrinária, não possui a origem romana e se divide em duas ramificações, uma que pondera que o Princípio da Insignificância possui sua origem no pensamento liberal do Iluminismo, achando-se e desdobrando-se do Princípio da Legalidade, do qual deriva-se “como decorrência da própria natureza fragmentária do Direito Penal”,(SILVA, 2009, p.19) e outra que, por seu lado, argumentava que o brocado mínima non curat praetor em seu sentido atual era desconhecida no Direito antigo, estando inexistente nas principais compilações dos glossadores.(SILVA, 2008, p.90 e 91)

O Princípio da Insignificância como critério, isto é, como medida geral de “exclusão de tipicidade tenha sido atribuído a Claus Roxin, Franz Listz, em 1903, enfatizava que a legislação de seu tempo fazia um uso excessivo da arma da pena e indagava se não seria oportuno acolher, de novo, a máxima minima non curat praetor”, de forma a traduzir que um magistrado não deve levar em consideração casos insignificantes, devendo se ocupar de questões propriamente inadiáveis. (SILVA, 2009, p.20) No tocante ao direito brasileiro, o Supremo Tribunal Federal reconheceu pela primeira vez o Princípio da Intervenção Mínima. em 1988, para resolver um caso de lesão corporal decorrente de acidente de trânsito (RHC 66.868-1, 2ª Turma do STF, Rel. Min. Aldir Passarinho, j. em 06.12.2008) (SILVA, 2009, p.20).

A definição do que venha a ser o conceito do Princípio da Insignificância, segundo Diomar Ackel Filho é “aquele que permite infirmar a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade constituem ações de bagatela, despidas de reprovabilidade, de modo a não merecerem valoração da norma penal, exsurgindo, pois, como irrelevantes. A tais ações falta o juízo de censura penal” (ACKEL FILHO, 1998, p.73). Por sua vez a natureza jurídica  do Princípio da Insignificância, a jurisprudência e a doutrina brasileira são quase que homogêneos em reconhece-los como genuíno princípio jurídico, ainda “sendo de máxima interpretação típica orientada ao bem jurídico protegido, funciona, dogmaticamente, como critério geral interpretativo de exclusão da tipicidade” (TOLEDO, 2001, p.130)

Em se tratando do delito em análise no presente estudo, Contrabando ou Descaminho (art.334 do Código Penal), importante se faz, para a compreensão do reconhecimento da conduta penalmente insignificante pela doutrina e à luz da jurisprudência, que façamos alguns apontamentos sobre os elementos estruturantes do crime. No tocante a objetividade jurídica, tutela-se a Administração Pública, mais especificamente o erário público. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, tratando-se de crime comum, porém o Funcionário público encarregado da prevenção (ou repressão) do contrabando ou descaminho que auxilie o sujeito ativo no delito citado, não será tratado como coautor, mas sim será autor do crime previsto no art.318 do CP (facilitação de contrabando ou descaminho) (CUNHA, 2012, p.602), o sujeito passivo será o Estado, que é o titular do bem penalmente protegido.

Penaliza-se o contrabando e o descaminho que apesar de claramente serem condutas distintas, na prática são de maneira equivocada utilizadas como sinônimo. Contrabando possui como objeto material a mercadoria proibida e consiste em importar ou exportar mercadorias absoluta ou relativamente proibidas de circularem no país. Já o Descaminho, possui como objeto material, o bem ilícito, e sua conduta residem no fato de iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. O tipo subjetivo do delito, ora em estudo, é dolo, consistente na vontade de praticar uma das ações nucleares do tipo. Todavia, quem pensa não ser proibida a mercadoria que importa ou exporta, se equivoca sobre dado essencial do tipo, comportando-se sem consciência, logo descaracteriza o dolo do crime (art.20 do CP) (CUNHA, 2012, p.603).

Por fim, salutar se faz esclarecer a Consumação e tentativa do crime de Contrabando ou Descaminho. Na importação ou exportação de mercadoria proibida, o crime se perfaz com a passagem pelos órgãos alfandegários. Porém, se o agente se utilize de meios ocultos, isto é, clandestinos, a consumação depende da transposição das fronteiras do país. (CUNHA, 2013, p.603) No Descaminho, por seu turno, se aperfeiçoa “com a liberação pela alfândega, sem o pagamento dos impostos”. (CUNHA, 2013, p.603). Rogério Sanches Cunha nos diz que a tentativa “pode ocorrer tanto no contrabando quanto no descaminho (delitos plurissubsistentes)”.

3 ANÁLISE DOS CRITÉRIOS ADOTADOS PELA JURISPRUDÊNCIA E DISCUTIDOS PELA DOUTRINA NO TOCANTE AO RECONHECIMENTO DA CONDUTA PENALMENTE INSIGNIFICANTE

Conforme o exposto acima, em muitos aspectos pode-se analisar o princípio da insignificância no crime de contrabando e descaminho. No primeiro caso considerar-se-ia irrelevante a entrada ou saída de mercadoria do país. Nesse caso, como complemento da normal penal em branco também teria que se mencionar quais mercadorias são juridicamente e relevantemente proibidas. Segundo Damásio de Jesus a reintrodução de mercadorias da indústria nacional exclusiva para exportação também configuraria este crime. Acrescenta ele: “(...) responde por contrabando o sujeito que introduz em nosso território produto nacional destinado à venda exclusiva no exterior” (DAMÁSIO, 2003, p. 241). Assim, na primeira conduta deve a mercadoria ter entrada e saída do território brasileiro proibida. A aplicabilidade do princípio da insignificância oscila na jurisprudência, e poucos são os autores na doutrina que se posicionam a respeito dessa primeira conduta. Bittencourt assevera sua posição através de uma posição tomada pelo STJ do Paraná:

PENAL. CONTRABANDO. INGRESSO IRREGULAR DE MERCADORIAS ESTRANGEIRAS DE PEQUENO VALOR. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. - O ingresso irregular de mercadorias estrangeiras em quantidade ínfima por pessoas excluídas do mercado de trabalho que se dedicam ao "comércio formiga" não tem repercussão na seara penal, à míngua de efetiva lesão do bem jurídico tutelado, enquadrando-se a hipótese no princípio da insignificância. - Recurso especial conhecido e desprovido. (234623 PR 1999/0093529-2, Relator: Ministro VICENTE LEAL, Data de Julgamento: 13/03/2000, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 03.04.2000 p. 173RT vol. 782 p. 557)

No seu entendimento, como aduz essa tomada de decisão, pessoas que se dedicam ao comércio de pequeno porte, e que por isso, não produzem uma ofensa juridicamente relevante ao bem jurídico tutelado, seja ele a administração pública ou a indústria nacional como preceitua Damásio de Jesus (DAMÁSIO, 2003, p.240), não deve ser capaz de provocar a máquina estatal no sentido de serem submetidos às infrações penais. Mas esse é um entendimento particular dele e oscilante na doutrina. Se percebem muitas decisões dispondo o contrário:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE CONTRABANDO DE CIGARROS ESTRANGEIROS. ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO E ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 28 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPROCEDÊNCIA. HABEAS CORPUS DENEGADO.28CÓDIGO DE PROCESSO PENAL1. Nenhuma irregularidade há na decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, que restabeleceu a viabilidade do exame do inquérito pelo Procurador-Geral de Justiça, após o Juízo local ter considerado improcedente o pedido de arquivamento.2. O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal.3. Para a incidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato, tais como, a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada.4. Impossibilidade de incidência, no contrabando de cigarros estrangeiros, do princípio da insignificância. Precedentes.5. O criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta, não pode ser tratado pelo sistema penal como se tivesse praticado condutas irrelevantes, pois crimes considerados ínfimos, quando analisados isoladamente, mas relevantes quando em conjunto, seriam transformados pelo infrator em verdadeiro meio de vida.6. O princípio da insignificância não pode ser acolhido para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de conduta ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido a sua reprovabilidade, perdem a característica da bagatela e devem se submeter ao direito penal.7. Habeas corpus denegado. (110841 PR , Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 27/11/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-245 DIVULG 13-12-2012 PUBLIC 14-12-2012)

Essa decisão dispõe exatamente o oposto da qual compartilha de opinião Bittencourt. O texto é bem claro ao ressaltar que condutas recorrentes não podem ser acolhidas pelo princípio da insignificância, mesmo que a mercadoria seja em quantidade irrisória, não se pode admitir tal a sua ofensa e reprovabilidade. Seriam, portanto, condutas irrelevantes isoladamente, mas relevantes se analisadas em conjunto. E seria incorreto permitir ao infrator que fizesse dessa prática um verdadeiro meio de vida.

A conduta de descaminho já possui um entendimento mais consolidado nos tribunais. Os tribunais brasileiros tem aplicado o princípio da insignificância no princípio de descaminho em valor que se encontra a baixo de R$10.000. É o que confirma essa decisão:

Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. VALOR SONEGADO SUPERIOR AO FIXADO NO ART. 20 DA LEI 10.522/2002, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.033/2004. DELITO PRATICADO EM COAUTORIA. DIVISÃO DOS TRIBUTOS SONEGADOS. IMPOSSIBILIDADE. REITERAÇÃO DELITIVA. ORDEM DENEGADA.2010.52211.033I - Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com a redação dada pela Lei 11.033/2004. II -No caso sob exame, a soma dos tributos não recolhidos perfaz o total de R$ 14.409,19, valor muito superior ao estabelecido para o arquivamento dos autos das execuções fiscais. III -A circunstância de o delito ter sido praticado em coautoria não autoriza o rateio dos tributos sonegados.2010.52211.033IV - Os autos dão conta da reiteração delitiva, o que impede a aplicação do princípio da insignificância em favor do paciente em razão do alto grau de reprovabilidade do seu comportamento.V - Ordem denegada. (115514 RS , Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 19/03/2013, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-065 DIVULG 09-04-2013 PUBLIC 10-04-2013).

Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). (Redação dada pela Lei nº 11.033 , de 2004 ).

Com base nessa jurisprudência, e na lei que ela faz menção, tem-se que realmente os tribunais têm optado por aplicar o princípio da insignificância somente nos casos não superiores a dez mil reais. Outra decisão confirma expressamente o disposto:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. VALORINFERIOR A R$ 10.000,00. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.PIS E COFINS. NÃO INCIDÊNCIA.PIS1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entendeaplicável o princípio da insignificância ao crime de descaminho,quando o débito tributário não ultrapassar o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), desconsiderando a tributação de PIS e Cofins,porque não incidentes sobre a importação de bens estrangeiros objetode pena de perdimento.PIS2. Agravo regimental improvido. (105874 RS 2012/0011194-0, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 16/02/2012, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/03/2012).

Alguns doutrinadores demonstram seu ponto de vista sobre a questão também. Entre eles os professores Celso Delmanto, Damásio E. de Jesus e Fernando Capez. Para Delmanto:

“Ao nosso ver, a interpretação com efeitos extensivos a favor do acusado, ou, como querem outros, analogia in bonam partem, tanto no caso de apreensão e consequente perdimento dos bens quanto na hipótese de pagamento dos tributos devidos antes do recebimento da denúncia, é correta, pois o mencionado art. 34 da Lei n. 9. 249/95 se refere aos tributos em geral, abrangendo, portanto, os impostos de importação e exportação (...). Ora, se se permite a extinção da punibilidade pelo pagamento antes do recebimento da denúncia nos crimes de sonegação fiscal, contra a Ordem Tributária e contra Previdência Social, não há razão para negar tratamento paritário para o delito de descaminho, onde, igualmente, há apenas sonegação de tributos” ( DELMANTO, Celso, 2008, p. 602).

Delmanto adota esse posicionamento no que diz respeito ao art. 34 da Lei 9.249/95 quando cita uma possível anologia em benefício do réu:

Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia. (DELMANTO, 2002, p.123)

Já para Damásio E. de Jesus, a aplicação é oposta:

“A Lei n. 6.910, de 27.5.1981, cancelou a Súmula 560 do primitivo STF, que admitia a extinção da punibilidade, pelo pagamento do tributo antes de iniciada a ação penal, nos delitos de contrabando e descaminho. Hoje, o pagamento do tributo, ainda que efetuado antes de iniciado o processo criminal, não tem efeito extintivo da punibilidade. De aplicar-se, entretanto, o art. 16 do CP”( DAMÁSIO, 2002,             p. 243).

Para Damásio, conclui-se que não se estendem os efeitos da lei n. 9.249/95, art. 34. Já Rogério Greco compartilha da mesma opinião de Fernando Capez, conforme dispõe em sua obra Curso de Direito Penal, volume III.

Considerando o pagamento de impostos obrigatórios, o valor até R$10.000,00 é aceito para afastar a punibilidade do crime de descaminho. Assim, por mais que na importação seja obrigatório o pagamento de direitos e de impostos como ICM (Imposto de Circulação de Mercadoria), quando exigido por lei, a conduta tem sido avaliada de forma mais branda possui um caráter fragmentário, uma vez que nem todas as condutas são protegidas pelo legislador, mas somente aquelas moralmente e socialmente reprovadas pelo Estado, que visa intervir o mínimo possível, garantindo a segurança e a vida pacífica em sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É notório que o Direito Penal possui um caráter fragmentário, uma vez que nem todas as condutas são protegidas pelo legislador, mas somente aquelas moralmente e socialmente tidas como intoleráveis. Diante dos índices de criminalidade e violência deve-se dar conhecimento das condutas ilícitas as autoridades para que elas cumpram com sua finalidade e estabeleçam sanções aos infratores.

Partindo desse princípio, foi demonstrado que não é necessário ao Estado se mover para solucionar crimes de ofensa jurídica irrelevante aos bens jurídicos tutelados. Não deve, portanto, o judiciário se ocupar com os crimes de Contrabando e Descaminho que não causem uma ofensa grave à administração pública ou ao comércio nacional.

 Mas cada caso deve ser analisado individualmente, para que assim, se no crime de descaminho o valor for menor do que os tribunais tem estabelecido como passível de que seja aplicado o princípio da insignificância, e no contrabando o valor da mercadoria seja ínfimo e o comércio não seja praticado reiteradas vezes, aplique-se o mesmo princípio.

Fica compreendido assim, que o princípio da insignificância só deve ser aplicado nesses casos específicos, ficando claro que a conduta pratica pelo sujeito não teve a intenção de lesar o bem jurídico tutelado de forma juridicamente relevante, podendo até mesmo o caso ser conduzido na seara administrativa, afastando a ação do Direito Penal.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

ACKEL FILHO, Diomar. O Princípio da Insignificância no Direito Penal. Revista de Jurisprudência do Tribunal de Alçada de São Paulo, v. 94, abr./jun. 1998.

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Especial. V.4. São Paulo: Saraiva, 2004.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. v. 3, parte especial: dos crimes contra a dignidade sexual a dos crimes contra administração pública (arts. 213 a 359-H). 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, volume 1: parte geral (arts 1º a 120) 11ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

CUNHA, Rogério Sanches. Código Penal para Concursos: doutrina, jurisprudência e questões de concurso. 5ª ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2012.

DELMANTO, Celso; et al. Código penal comentado. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

JESUS, Damásio Evangelista. Curso de Direito Penal: Parte Especial. V.  4. 13. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2003.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral - arts. 1.º a 120. vol.1. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA.

SILVA, Flávio Renar de Sousa. O princípio da insignificância como fator de exclusão da tipicidade material dos delitos de furto. 2009. 76f. Monografia (Graduação em Direito) – Curso de Direito, Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, São Luís, 2009

SILVA, Ivan Luiz da Silva. O princípio da insignificância no direito penal. Curitiba, PR: Ed. Juruá, 2008.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Ed. Saraiva, 2001.

JURISPRUDÊNCIAS CONSULTADAS EM MEIO ELETRÔNICO:

JUSBRASIL. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/361188/recurso-especial-resp-234623-pr-1999-0093529-2-stj>. Acesso em 28 de abril de 2013

JUSBRASIL. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22851013/habeas-corpus-hc-110841-pr-stf>. Acesso em 28 de abril de 2013

JUSBRASIL. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23095165/habeas-corpus-hc-115514-rs-stf>. Acesso em 28 de abril de 2013

JUSBRASIL. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21399320/agravo-regimental-no-agravo-em-recurso-especial-agrg-no-aresp-105874-rs-2012-0011194-0-stj>. Acesso em 29 de Abril de 2013

LEGISLAÇÃO CONSULTADA EM MEIO ELETRÔNICO:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9249.htm

http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/anotada/2542128/art-20-da-lei-10522-02

UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DOM BOSCO

CURSO DE DIREITO

 

 

 

 

DIEGO COSTA OLIVEIRA BRAGA

PAULO VICTOR FERREIRA MACATRÃO

 

 

 

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA COMO FATOR EXCLUDENTE DE ILICÍTUDE NOS CRIMES DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO

 

 

 

 

 

 

 

 

São Luís

2013

DIEGO COSTA OLIVEIRA BRAGA

PAULO VICTOR FERREIRA MACATRÃO

 

 

 

 

 

 

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA COMO FATOR EXCLUDENTE DE ILICÍTUDE NOS CRIME DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO

 

 

Paper apresentado ao Curso de Direito na disciplina Direito Penal Especial III, ministrada pela Profª. Socorro Carvalho, como requisito para obtenção da segunda nota do semestre.

 

 

 

 

 

 

 

São Luís

2013



[1] Aluno do 6° período do curso de Direito Noturno da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco

[2] Professora, Orientadora.