A ciência psicológica imbuída de um objeto formal e material próprio pode, ser considerada como a um recém nascido, o qual começa a conhecer e vislumbrar o mundo ao seu redor. Destarte, a história da Psicologia por seu turno é compreendida como uma área de estudos e pesquisas recente. Os primeiros indícios de maturidade apareceram somente a partir da década de 60.

A matéria de estudo da história da Psicologia, far-se-á imprescindível para um conhecimento integral e global dos processos históricos, sociais e culturais, os quais propiciaram a imersão de uma ciência psicológica. A grande maioria dos cursos de graduação em Psicologia oferta, ao menos uma matéria específica destinada a tratar dos primórdios da Psicologia. Bachelard entende a história da Psicologia, como uma disciplina específica do conhecimento que tem por escopo a elucidação do processo descontínuo do saber científico.

Uma compreensão macro do funcionamento teórico das abordagens, escolas ou movimentos teóricos da Psicologia, pode ser assimilada mediante várias idéias pertinentes e relevantes no âmbito epistemológico, as quais fornecem subsídios para uma compreensão lato-sensu da Psicologia e seu lugar na ciência.

Três considerações acerca desse assunto podem ser esmiuçadas no transcorrer do sinuoso meandro da Psicologia científica:

1-As bases filosóficas que fornecem subsídios para o nascimento da ciência, e até hoje, servem de pilares de sustentação para quase todas as ciências modernas.

2-A descrição de elementos particulares que propiciaram a gênese da Psicologia como uma ciência independente. Os estudos referentes à fisiologia, as pesquisas em Psicologia comparada, o trabalho concernente à sensação, percepção, consciência, memória, dentre outros processos mentais e emocionais, que incutiram respaldo intelectual e fomentaram o desenvolvimento de uma ciência psicológica;

3-A correlação do objeto de estudo da Psicologia com as matérias de estudo contemporâneas. A interligação polidisciplinar entre Psicologia e Física Quântica, Biotecnologia, Cibernética, Robótica, Engenharia Ambiental, Informática, além de outros setores de estudos afins, onde se fará imprescindível a interação entre sujeitos, ecossistema e ciência.

Nesse bojo conforme assinala Feyerabend a ciência absorve toda a história do pensamento e a utiliza no aprimoramento de cada teoria. Toda história de uma disciplina é utilizada na tentativa de aprimorar seu estágio mais recente e mais avançado, oferecendo contribuições meticulosas para seu direcionamento científico.

O desenvolvimento das idéias científicas

A Física e a Astronomia, por serem ciências onde seu objeto de estudo estava distante do homem, tiveram um amadurecimento mais rápido, pois o homem vivia em uma redoma sacralizada de uma pretensa posição de ser privilegiado por Deus. O homem era sagrado feito à imagem e semelhança de um ser superior e, portanto, deveria ser resguardado por inúmeras instituições humanas, principalmente, as religiosas que manipulavam e detinham o conhecimento, mediante o uso de mecanismos coercitivos de controle. Por outro lado, o estudo e as investigações atinentes ao comportamento do homem, eram demasiadamente complexas. Característica esta, que contribuiu para uma morosidade no desenvolvimento maior das indagações sobre o ser humano.

Neste contínuo não existia nenhuma matéria formal, que seu objeto de estudo fosse o homem em sua essência, assim como, as questões existenciais da humanidade. Uma derradeira referência deste período cabe a Piaget, que entendia que o desenvolvimento da ciência, é feito de desconstruções, desde as populações mais primitivas até as ditas modernas e evoluídas. Nietzsche considera a desconstrução do conhecimento da realidade a pedra dos filósofos, isto é, tudo se constitui em ilusão. O próprio homem e o mundo são realidades ilusórias e fabricadas, o que Baudrillard, denominava hiper realidade. Seguindo esse raciocínio Goffman, vem corroborar essa asserção de uma realidade construída e moldada, definindo como estigmatizada a realidade.

O ser racional deve situar-se e entender onde está inserido. Blikstein considera a realidade como produto da humanidade, concernente aos fatores subjacentes de um princípio unificador e ordenador, que abarca a própria "reificação" e "nadificação" do homem, ou seja, a inexistência de alguma essência ou sentido existencial para a criação da suposta prole divina e sacralizada.

Explicação externa e interna

As dúvidas inerentes à vida humana, durante um longo período, foram explicadas e justificas pelos mitos. Os mitos eram explicações, imbuídas de fantasia e imaginação para justificar os acontecimentos naturais e a condição de submissão do homem a algo maior que sua existência material ou corpórea.

Os mitos eram considerados explicações externas. As explicações observáveis, ou, aquelas que seus efeitos são indiretamente observáveis podem ser denominadas internas. Segundo Goldman o externalismo acredita na história das ciências como sendo um fenômeno estritamente ligado à cultura. O externalismo considera as relações entre comunidades e o resto da cultura. Já Canguilhem apregoa que o internalismo é a posição que consiste pensar em que não há uma história das ciências, senão na medida em que nos colocamos no interior mesmo da obra científica, para analisar as operações pelas quais, ela procura satisfazer as normas específicas que permitem defini-la como ciência e não como técnica ou ideologia.

Entrementes, a discrepância entre explicações externas e internas, ou externalismo e internalismo, não obedecem a uma lei reducionista, não se sujeitando, a simples explicações e/ou interpretações lógicas dedutivas.

Confiança na observação

Até os dias atuais a ciência está atrelada a explicações observáveis, que possam ser esclarecidas como internas ou externas. As observações não podem corroborar logicamente uma teoria, apenas refutá-la. Teorias não são rejeitadas por uma única refutação. As teorias são complexas e sui-generis, dependendo da observação dos pressupostos lógicos e do próprio postulado teórico para que esta possa manter-se aplicável ou não, por um período indeterminado. As teorias na mesma equidade, que a ciência, são limitadas pela realidade histórica, espaço-temporal, social, econômica, enfim, cultural de uma dada comunidade humana.

Inúmeros pensadores gregos (Euclides, Pitágoras) propuseram suas conclusões teóricas embasados pelo método racional, onde os números e os procedimentos lógicos eram mais confiáveis que os dados fornecidos pelos sentidos, passíveis de contaminação e imprecisão. Galilei entendia que todo o experimento para ser científico, deve ser repetido em outros lugares, por outras pessoas e reproduzir os mesmos efeitos. Francis Bacon e os empiristas ingleses posicionaram-se adeptos a uma atitude científica que valorizasse a observação como zétesis ou um axioma do conhecimento. Em contrapartida, Kant categoriza que a realização, produção e aquisição do objeto cognoscível encontram-se vinculada a numerosos fatores anteriores a experiência, ou seja, o sujeito transcendental do conhecimento. O conhecimento, nesse caso, não é dado a priori, somente, a posteriori.

Nesta celeuma não existe uma explicação racionalista ou empirista que forneça a priori pressupostos plausíveis para elaboração de uma teoria científica. Lakatos refere-se à observação como uma elaboração intelectual, que se identifica com a história social. O referido examina a posição apoiado em quatro funções da lógica, e a enfatiza, sobretudo, quando analisa a posição indutivista. Nessa concepção, a maioria dos cientistas tende a considerar a solução de alguns problemas como um monopólio do fato observável, um cartel ou truste da observação. Esse posicionamento científico é um pernicioso legado consuetudinário "transmitido quase de forma hereditária" dentre as comunidades que fazem ciência.

Simplificação

A ciência através de hipóteses simples abarca uma teoria geral, que determina as explicações adequadas às observações feitas pelos cientistas. Uma explicação reducionista para um evento empírico, necessariamente, não pode ser considerada uma explanação simplista. Uma idéia simples, às vezes, fornece conteúdo suficiente para uma compreensão complexa de um singular fenômeno analisado.

As teorias complexas por abrangerem uma exacerbada quantidade de leis, dificultam demasiadamente sua assimilação. Alguns de seus principais conceitos ficam muito abstratos, fornecendo margem a várias interpretações ou dúvidas concernentes a sua clareza como teoria.

Os elementos teóricos, considerados mais simples, em decorrência do seu conjunto de elementos constitutivos serem mais circunscritos, e seu campo de aplicação ser definido, limitado e objetivo, fazem com que as possíveis indagações, atinentes a sua utilização sejam dissipadas com maior facilidade.

Bergson assinala que nosso espírito possui uma tendência irresistível a considerar mais clara a idéia que lhe serve com maior freqüência. Porém a distinção e a preferência pela simplificação ou complexidade de uma idéia, dão-se a partir da necessidade do pesquisador. A diferenciação entre simples e complexo, não se restringe aos preceitos do senso comum.

Lugar do homem na ciência

Os gregos não entendiam o homem como uma criatura distinta de todos os processos naturais cujo funcionamento demandasse algo excepcional – o homem era apenas a conseqüência de processos e fenômenos submetidos às leis naturais, todavia imbuído de uma complexidade maior.

Durante a Idade Média o homem assume um papel de suma importância, onde lhe é atribuído uma alma dotada de livre-arbítrio. Suas manifestações são regidas e ordenadas somente por Deus – o homem é voluntarista e sacralizado. No século XV Giovanni Pico Della Mirandola, destaca que o homem, possui apenas um "dom" herdado de Deus, essa dádiva divina seria a liberdade, isto é, o livre-arbítrio dissimulado de escravidão para agir de acordo com as leis divinas.

Essa concepção de homem, não o submete a uma investigação científica, já que a prole divina está sob o abrigo do catolicismo, não sendo objeto passivo de elucubrações intelectuais e científicas. Nesta conjuntura torna-se impraticável o surgimento de uma ciência direcionada ao estudo do homem.

Descartes acreditava que sendo o homem, como pensavam os gregos, ao contrário da visão sacral da Igreja na Idade Média, um ser dotado de comportamentos previsíveis, como as leis naturais e, desta forma, submetido a tais regras, conclui que esse sujeito é passível de investigação.

O corpo humano constitui-se em uma máquina cuja manifestação pode ser preditiva, contudo, regido por uma alma independente e somente a raça humana possui esse atributo espiritual, segregando os homens dos animais que eram criaturas carentes de almas.

De La Metrie também estava convencido que o homem era determinado, tanto nos seus processos mentais quanto corpóreos pelos eventos físicos, assumindo a postura de homem-máquina asseverada por Descartes.

Contudo essa analogia homem-máquina era parcial, a máquina é construída, conhecida e seu comportamento pode ser previsível para o homem. O homem não sendo construído e compreendido por si próprio, pode ser com ressalvas considerado uma criatura de sua construção e seu funcionamento deve ser previsível como as máquinas.

Os críticos dessa posição mecanicista iniciada por Descartes e De La Metrie, apregoavam que o homem, nem em suas partes e muito menos em seu todo, poderia ser comparado a um simples aglomerado maquínico.

A teoria da evolução orgânica de Darwin restabeleceu a singularidade entre homens e animais, refutada por Descartes e também abalando os pressupostos teóricos do criacionismo adotado pelas Escrituras Sagradas e relatos bíblicos.

A teoria da evolução proporcionou um ambiente mais aceitável para uma ciência psicológica, afirmando que o comportamento humano está sujeito a leis naturais e processos contínuos de constantes evoluções orgânicas. O estudo dos animais ou psicologia comparada terá relevante preponderância para o entendimento das ações do homem.

Problemas herdados pela psicologia

A Psicologia enquanto matéria científica, também herdou certos problemas que se desenvolveram no âmago da ciência e filosofia. Áreas conflituosas relacionadas ao problema mente-corpo, a fisiologia da percepção, o problema do tempo de reação e as questões relacionadas com as diferenças individuais, são temáticas que exigem um posicionamento teórico, mediante a estruturação de um sistema psicológico.

Popper salienta que há obstáculos positivos que são necessários ao desenvolvimento científico, por outro lado, existem os negativos que emperram o avanço da ciência, contribuindo para certa morosidade nefasta na organização de um corpo científico de qualquer área de estudo.

O Problema mente e corpo

Desde os filósofos da natureza até os pesquisadores modernos, todos tentam estabelecer as relações ou conexões mensuráveis entre a mente e o corpo. Dentre os pensadores alguns apenas limitam-se as considerações concisas, relegando ao plano das elucubrações filosóficas e, ou abordagens psicológicas teóricas as visões concernentes ao homem.

A relação mente e corpo pode ser um único processo de funcionamento, como entendem os monistas (Demócrito, Berkeley, Hume), mas com diferenças na sua origem física, espiritual ou sensorial. Já a relação dualista (Descartes, Spinoza, Malebranche), pressupõe dois processos distintos atinentes às questões que abrangem a conexão estabelecida entre corpo e mente.

A psicologia da percepção

Compreende os processos fisiológicos e sua correlação com os mecanismos da percepção. Essa visão está impregnada de implicações filosóficas no que concerne a celeuma acerca do empirismo versus racionalismo, pois partindo de um pressuposto do conhecimento, o indivíduo somente obtém certo resultado, o que por si só, não descarta outras possibilidades de formulações dos processos fisiológicos inerentes à percepção humana. O problema é de cunho epistemológico, repousa sob as origens, natureza e limitações da ordem do conhecimento.

O problema do tempo de reação

Caracteriza-se pela percepção de um estímulo e o tempo gasto para a emissão de uma resposta ou sensação. A natureza total do processo pode ser alterada devido à complexidade da tarefa.

A mensuração de uma atividade de alto nível e uma outra função de nível inferior, não pode fornecer dados precisos no que se refere aos mecanismos sensitivos. Esses mecanismos enquanto processos internos de transmissão de informações não são passíveis de quantificação e, seus resultados apresentam-se errôneos ou, no mínimo, não devem ser generalizados.

Diferenças individuais

Cada indivíduo possui um funcionamento diferenciado e particular influenciado por inúmeros fatores que muitas vezes, não podem ser controlados.

As condições físicas de uma pessoa dependem da interação de vários fatores, incluindo sua condição psicológica, seu estilo de vida, sua constituição genética e os elementos do meio em que vive – genótipo e fenótipo. Podemos dizer que não há nenhuma mudança isolada que possa ser considerada a mais importante em suas conseqüências para a vida do individuo. O que pesa, de fato, é o conjunto de todas as mudanças que ocorrem no processo de desenvolvimento.

As diferenças individuais apresentam componentes biológicos e sociais e o ser humano desenvolve-se imerso em três dimensões (Biológico, Sociológico e Psicológico). Os processos mentais são individuais e particulares, estando correlacionados com as diferenças de cada sujeito e a sua maneira de interagir com o mundo interno e externo.

Objeto inicial de estudo da psicologia

O estudo científico formal da Psicologia iniciou-se com Wundt, mediante um método experimental e fisiológico, direcionado na tentativa de elucidar os percalços atinentes à sensação e percepção. No entendimento de Wundt, mente e corpo possuíam um processo paralelo (dualista), sendo possível afirmar a ação do corpo sobre a mente, originando os fenômenos mentais. Através do método da introspecção, proceder a uma análise dos eventos mentais, e detectar as funções superiores.

O experimentalismo de Wundt herdou algumas ideias e problemas concebidos no âmbito científico anterior ao surgimento da Psicologia como ciência, dentre os quais, destacam-se: a necessidade da explicação interna, a confiança na observação, a simplificação ou reducionismo, o problema do tempo de reação, os problemas sensação-percepção, as diferenças individuais, todos esses elementos implicaram em um determinismo positivista como agente constituinte de uma "pretensa ciência psicológica".

MARX H. Melvin; HILLIX A.William. Sistemas e Teorias em Psicologia. 12 ed.São Paulo, Cultrix, 1999.