O ILÍCITO PENAL DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO À LUZ DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA[1]

Maryanna Coelho Pessoa e Rita de Cássia Freire Silvas[2]

Maria do Socorro Almeida de Carvalho[3]

Sumário: Introdução; 1 O ilícito de contrabando e descaminho: principais aspectos do dispositivo legal; 2 Conteúdo jurídico do princípio da insignificância: conceito; relevância e aplicação; 3 Aspectos que regem a aplicação do princípio da insignificância aos ilícitos de contrabando e descaminho; 4 Entendimentos doutrinários e decisões do STJ e STF; Conclusão; Referências.

 

RESUMO

O presente trabalho objetiva efetuar uma análise sobre o ilícito de contrabando ou descaminho à luz do princípio da insignificância, com ênfase no conteúdo jurídico do princípio da insignificância e nos principais aspectos que regem a aplicação do referido princípio ao ilícito penal de contrabando ou descaminho. Para isso propõe, num primeiro momento, apresentar o referido ilícito penal, de acordo como Código Penal, em seguida, conceituar o principio da insignificância, fazer uma análise crítica sobre o ilícito em estudo à luz do princípio da insignificância e por fim, apresentar alguns entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema abordado.

PALAVRAS-CHAVES: Contrabando, Descaminho, Princípio da Insignificância, STJ, STF.

 

            INTRODUÇÃO

      De acordo com o artigo 144, § 1º, inciso II da Constituição Federal, a segurança pública é dever do estado e direito e responsabilidade de todos, sendo exercida para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, cabendo à Polícia Federal prevenir e reprimir o tráfico de entorpecentes e o contrabando e descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas suas respectivas áreas de competência.

Segundo o artigo 29 caput, do Código Penal: “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

Nesse sentido, observa-se que o ilícito de contrabando ou descaminho quando praticado por funcionário público, tem natureza mais grave e está tipificado no artigo 318 do Código Penal, em contrapartida, quando praticado por particular, este pratica o ilícito tipificado no artigo 334 do Código Penal, classificado como menos grave, desde que presentes os requisitos elencados no artigo 89 da Lei 9.099/95 (MASSON, p. 757).

Dessa forma, o presente trabalho objetiva efetuar uma análise crítica sobre o ilícito penal de contrabando ou descaminho tipificado no artigo 334 do Código Penal à luz do princípio da insignificância, com ênfase no conteúdo jurídico do referido princípio e nos principais aspectos que regem a aplicação ao ilícito penal de contrabando ou descaminho.

Para isso propõe, em um primeiro momento, apresentar o referido ilícito penal, de acordo com o Código Penal, destacando os principais aspectos do dispositivo legal, como: objetividade jurídica; objeto material; caráter residual; núcleos do tipo; sujeitos ativo e passivo; consumação e outros aspectos relevantes.

     Em um segundo momento pretende-se apresentar o conteúdo jurídico do princípio da insignificância, destacando o conceito; relevância e aplicação, bem como efetuar uma análise sobre a possibilidade da incidência do princípio da insignificância como causa excludente da tipicidade do ilícito em estudo.

     Observa-se que o bem jurídico protegido relativo ao ilícito tipificado no artigo 334 do Código Penal, nos casos de descaminho é a administração pública, ou seja, o interesse patrimonial do Estado e quanto aos casos de contrabando: a proteção à saúde; à moralidade administrativa e a ordem pública. Nesse aspecto, a partir do entendimento dos Tribunais Superiores quanto à aplicação do princípio da insignificância ao referido ilícito, pretende-se fazer um pesquisa sobre os principais entendimentos doutrinários sobre o assunto, bem como apresentar algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, nesse mesmo sentido. Além disso, pretende-se abordar aspectos relacionados à efetiva aplicabilidade das leis penais, especificamente quanto à tipicidade do ilícito em estudo e por fim apresentar nossas conclusões sobre a pesquisa.

 

1 O ilícito de contrabando e descaminho: principais aspectos do dispositivo legal

Como é sabido, o ilícito penal de contrabando e descaminho está previsto no art. 334 do Código Penal. Deste artigo é possível extrair que o crime de contrabando, que se encontra previsto na primeira parte deste artigo, dita que a conduta de “importar ou exportar mercadoria proibida” já caracteriza esse crime, ou seja, é proibida a entrada ou a saída de produtos do País e a simples prática desta conduta já caracteriza crime, pois é de extrema necessidade a proteção da saúde da população, à moralidade administrativa e a ordem pública.  

O descaminho se encontra previsto na segunda parte deste artigo e esse ilícito é caracterizado pela conduta de “iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria”, ou seja, a sonegação do pagamento de direito ou imposto já caracteriza esse crime, pois esta sonegação poderá causar prejuízo à Administração Publica na arrecadação de seus tributos. Quanto à entrada ou saída de mercadorias no País, se houver o pagamento dos impostos, não há esse crime, a sua ocorrência se dá quando há entrada ou saída de mercadoria, por meio do contrabando, sem o pagamento dos impostos e com emprego de fraude, conforme entendimento do STF a seguir:

 “...que é desnecessário o emprego de fraude para iludir, enganar a autoridade competente. Entendemos que não basta a entrada ou saída da mercadoria sem o recolhimento do imposto devido, sendo necessário o emprego de algum meio, fraudulento ou não, destinado a iludir a autoridade alfandegária (CAPEZ, p. 519).”

 

Por se tratar de um crime comum, qualquer pessoa pode praticar esse crime na forma ativa. Se essa conduta for praticada pelo funcionário público, se houver infringência do dever funcional, a ele não será aplicado esse crime de contrabando e descaminho previsto no art. 334 do CP e sim o crime de facilitação do contrabando e descaminho previsto no art. 318. Caso ele não infrinja o dever funcional, ele responde como partícipe desse crime. Como o principal lesado com essa conduta é a Administração Pública, mais especificadamente e erário público, a saúde, moral e a ordem pública o sujeito passivo desse crime é o Estado.

Para que se tenha esse crime é necessário que se tenha o dolo, ou seja, que se tenha a vontade livre e consciente de “importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria”, logo a consumação se dá com a prática de todas essas condutas, pois trata-se de um crime instantâneo, e a sua tentativa se dá quando, por circunstâncias alheias à vontade do agente, a conduta não se conclui.

O STJ a respeito desse crime, diz que,

“Contrabando. Descaminho. Crime permanente. Crime instantâneo de efeito permanente. Natureza jurídica. O art. 334, CP encerra várias ações típicas. Diz-se - crime permanente - o delito, cujo resultado persiste enquanto persistir a conduta. No caso do contrabando, fica configurado o efeito permanente do delito quando praticado por quadrilha.”

 

O STJ classifica esse crime, quando cometido por quadrilha, de crime com efeito permanente, pois ele tem a capacidade de “lesar o erário”, bem como os setores do comércio e da indústria nacional, denotando mais uma vez o caráter extrafiscal de repreensão da conduta. (SIVIERO, p. 13).

As formas equiparadas da prática desse crime estão previstas nos parágrafos 1º e 2º do art. 334 deste tipo penal, que dispõe: “incorre das mesmas penas quem: praticar navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei, praticar fatos assimilados, em lei especial, a contrabando ou descaminho, vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem, adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos e, além disso, o tipo penal também equipara às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências”. O TRF da 4º região se posiciona a respeito disso da seguinte maneira:

PENAL. PROCESSO PENAL. INTRODUÇÃO IRREGULAR DE ARMAS. ARTIGO 334 DO CÓDIGO PENAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. AUTORIA. COMPROVAÇÃO. CRIME TENTADO. HIPÓTESE NÃO-CARACTERIZADA. PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. CONTINUIDADE DELITIVA. MAJORANTE DO § 3º DO ARTIGO 334. INAPLICABILIDADE. SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. Regularmente aberto às partes o prazo do artigo 499 do Código de Processo Penal, não há falar em nulidade do processo por cerceamento de defesa. A expedição de carta precatória para a inquirição de testemunha não tem o condão de suspender a instrução criminal, podendo o feito ser inclusive sentenciado, findo o prazo marcado para o seu cumprimento. Comprovada, pelos elementos constantes nos autos, a participação de todos os acusados na prática delituosa, imperiosa a manutenção do decreto condenatório. Já tendo havido a liberação da mercadoria no momento da prisão em flagrante, não resta caracterizada a hipótese do delito tentado. Penas privativas de liberdade fixadas em consonância com as circunstâncias do artigo 59 do Diploma Penal, mas redimensionadas no tocante ao aumento decorrente da continuidade delitiva, devido ao número de fatos comprovados. Inaplicável a majorante prevista no § 3º do artigo 334 do Código Penal quando o transporte, apesar de efetuado por via aérea, se dá em vôo regular, em circunstâncias que não tornam mais difícil a atuação da autoridade fiscal. Precedente desta Corte. Sendo a pena privativa de liberdade superior a um ano, correta a substituição por duas penas restritivas de direito, e não por apenas uma, conforme o disposto no artigo 44, § 2º, do CP. Apelos parcialmente providos. Punibilidade declarada extinta em decorrência da prescrição em relação a um dos fatos. (julg. 10.02.04 - DJU2, 03.03.04, p 519, Rel. Des. Fed. José Luiz B. Germano da Silva, j. 10.02.04, DJU 03.03.04, p. 519.).[4]

 

E por fim, se este crime for praticado em transporte aéreo aplica-se o dobro da pena conforme dita o parágrafo 3º do art. 334. Há quem entenda que extingue a punibilidade para o agente que pagar tudo que é devido ao erário antes do recebimento da denúncia, porém essa extinção é bastante discutida.

 

2 Conteúdo jurídico do princípio da insignificância: conceito, relevância e aplicação

O principio da insignificância surgiu como uma maneira de excluir a punibilidade para alguns delitos descritos no código penal, ou seja, o agente pratica uma conduta que está prevista no código, porém, a forma como foi praticada aquela conduta é diferente da conduta que o legislador pensou para que houvesse a configuração daquele delito.

Damásio de Jesus leciona que o princípio da insignificância esta,

“ligado aos chamados “crimes de bagatela” (ou “delitos de lesão mínima”), recomenda que o Direito Penal, pela adequação típica, somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade, reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de perturbações jurídicas mais leves (pequeníssimas relevância material). Esse principio tem sido adotado na nossa jurisprudência nos casos de furto de objeto material insignificante, lesão insignificante ao Fisco, maus-tratos de importância mínima, descaminho e dano de pequena monta, lesão corporal de extrema singeleza etc. hoje, adotada a teoria da imputação objetiva, que concede relevância a afetação jurídica como resultado normativo do crime, esse principio apresenta enorme importância, permitindo que não ingressem no campo penal fatos de ofensividade mínima.” (JESUS, pag. 10)

 

Logo, pode-se constatar que se a conduta praticada pelo agente não tiver um grau de reprovabilidade social, for insignificante, não se deve aplicar a ele penalidade alguma. Ou seja, não havendo ofensa ao bem juridicamente tutelado, afasta-se a aplicação da lei penal e aplica-se o princípio da insignificância.

“A aplicação do princípio da insignificância exclui a tipicidade da conduta do agente frente à insuficiência de lesão ou exposição à perigo do bem jurídico tutelado. A lesão que não representa uma danosidade social, não seria significante, excluindo-se a tipicidade. ( Paulino, Érika Scudeler, online)”

 

Esse princípio pode ser relacionado com o princípio da legalidade, determina que uma conduta ilícita deve ser punida com um crime já previsto em lei, ele não permite a criação de um tipo penal posterior a uma conduta.  Para que uma lei seja válida, eficaz e aplicada de forma justa ela deve estar prevista anteriormente à conduta praticada, deve ser escrita e deve ser certa. Com isso percebe-se, que para esse princípio se a conduta não está prevista é porque ela não é socialmente relevante logo não deve ser penalizada e é nesse ponto que esse princípio se aproxima com o princípio da insignificância.

 Além disso, ele também pode ser relacionado com o princípio da intervenção mínima, dita que o Estado só pode intervir penalmente em última hipótese, se houver outros meios para solucionar o conflito, este deve ser usado antes da aplicação do direito penal e com o princípio da lesividade, onde este acredita que apenas as condutas que causam uma certa lesividade devem ser punidas, não qualquer conduta imoral.

 

 

 3 Aspectos que regem a aplicação do princípio da insignificância aos ilícitos de contrabando e descaminho

O principio da insignificância tem a finalidade de excluir a tipicidade da conduta ilícita que não apresentou risco ao bem jurídico tutelado. No caso do descaminho, o principio de insignificância é aplicado sempre que o agente evitar o pagamento de direito ou impostos com a entrada, saída ou o consumo de mercadorias que não ultrapassar 10.000,00 ( dez mil reais). Fernando Capez deixa bem claro que “somente a coisa de valor ínfimo autoriza a incidência do princípio da insignificância, o qual acarreta a atipicidade da conduta.” (CAPEZ, 2012, pag. 597).

Em se tratando de contrabando não há a possibilidade de aplicação desse princípio como excludente de ilicitude, pois este crime trata sobre a “importação e exportação de mercadorias proibidas”, logo não há como excluir a tipicidade nessa conduta.

     De acordo com o Habeas Corpus nº 84412/SP, o Supremo Tribunal Federal criou os seguintes “vetores de aplicação” do princípio da insignificância: a mínima ofensividade da conduta do agente; a nenhuma periculosidade social da ação; o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

     Nesse sentido, de acordo com análise do Ministro Celso de Melo do Superior Tribunal de Justiça, em 18/10/2004 em julgamento do HC nº 84412/S:

 “o  princípio da insignificância  tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Tal entendimento considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR".  O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.”

     Percebe-se que os critérios adotados possuem um caráter bastante subjetivo. Na esfera fiscal verifica-se que o critério está relacionado a um valor específico de R$ 10.000,00, ou seja, um critério objetivo, motivado pela análise  do Fisco quanto ao custo- benefício de uma ação judicial para recuperar determinado valor ao erário. Nesse contexto, verifica-se que o valor mínimo para a ação de execução não tem um parâmetro específico, ficando a critério do entendimento da insignificância ou não do valor, somados aos outros “ vetores” definidos como critérios para julgamento da ação. Em contrapartida  a apuração no caso de crime de descaminho tem como referência o valor de R$ 10.000,00, que para nossa realidade social é considerado significativo, mas para mover a máquina judiciária configura-se como insignificante.

     Nesse aspecto, pode-se concluir que o fato de o Fisco, por questões processuais, estruturais e administrativas, optar por não executar as dívidas inferiores ao patamar de        R$ 10.000,00 não significa, em hipótese alguma, insignificância sob o aspecto subjetivo-material.

     Concluindo, a insignificância da ofensa afasta a tipicidade. Mas essa insignificância só pode ser valorada através da consideração global da ordem jurídica (BITENCOURT, 1997, p. 103.)

 

4 Entendimentos doutrinários e decisões do STJ e STF

 

Neste tópico apresentaremos alguns posicionamentos doutrinários e algumas decisões do STJ e STF a respeito da aplicação do princípio da insignificância às condutas de contrabando e descaminho.

O recurso especial proferido pelo STJ, Resp 233.877-PR, 5º Turma, Rel. Min. José Arnaldo, j. 16-3-2000, v.u., DJU, 8-5-2000,  se posicionou pela aplicação do princípio da insignificância, conforme a seguir:

“o ínfimo valor da mercadoria de procedência estrangeira apreendida autoriza a aplicação do princípio da insignificância, descaracterizando o crime de descaminho. Se o valor dos tributos incidentes sobre os bens aprendidos não ultrapassar o valor de R$ 1.000,00  ( um mil reais), incensuráveis a decisão a quo que, em analogia a legislação fiscal (Lei n. 9.469/97, art. 1º, e MP n. 1.542/28/97, art. 20), aplicou o princípio da insignificância ao caso sub examine. Recurso especial conhecido apenas pela alínea “c”, mais desprovido”. (STJ, Resp 233.877-PR, 5º Turma, Rel. Min. José Arnaldo, j. 16-3-2000, v.u., DJU, 8-5-2000, p. 82).

 

O posicionamento do STF a respeito da aplicação e da exclusão do princípio da insignificância nesses crimes, tem sido um pouco diverso para a aplicação desse princípio, o entendimento é o seguinte:

“nos crimes contra o patrimônio, em que se ofende o interesse de uma ou de algumas poucas pessoas, o princípio da insignificância é aceito como excludente de tipicidade quando o valor da coisa é ínfimo, ou seja, muito inferior a um salário mínimo. De outro lado, nos crimes tributários que têm a União e, reflexamente, toda a coletividade como sujeito passivo, admite-se a criminalidade de bagatelas nas lesões que não extrapolem a absurda quantia de R$ 10.000,00 ( dez mil reais).”  (MASSON, pag. 760).

 

     Recurso especial. Penal. Crime de descaminho. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Valor sonegado superior ao limite previsto para extinção dos créditos tributários.

“O art. 20 da Lei nº 10.522/02 não deve ser utilizado como parâmetro para aplicar o princípio da insignificância, pois o dispositivo apenas permite o arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais com valor igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), não tendo o condão de dispensar a Fazenda Nacional de cobrar aludidos débitos, desde que o somatório das dívidas ultrapasse este limite.A extinção do crédito tributário ocorre apenas na hipótese prevista no art. 18, § 1º, da Lei nº 10.522/2002, razão pela qual deve ser adotado como piso para aplicação do princípio da insignificância o valor nele determinado, tal seja, igual ou inferior a R$ 100,00 (cem reais), consoante entendimento adotado pelas duas Turmas deste Sodalício.”

     Recurso provido para cassar o acórdão recorrido, determinando o prosseguimento da Ação Penal.

“Já se vislumbra uma clara diferença entre as duas searas, pois, no direito penal, não se posterga nada. A demanda é julgada improcedente, com irreversível trânsito em julgado, simplesmente porque o valor atingiu um patamar inferior ao limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais).Em um caso, por exemplo, em que a ilusão total de tributos federais alcançou o valor de R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais), se o acusado praticasse, novamente, a mesma conduta típica – de forma espaçada, sem utilizá-la como modus vivendi –, não seria duplamente punido na esfera penal, pela aplicação distorcida do princípio da insignificância e, ao revés, seria executado na esfera administrativa: uma prova de que não houve insignificância. (STJ, REsp. n. 999339, Quinta Turma, decisão de 18.9.2008, relator ministro Jorge Mussi, DJE, de 20 out. 2008.)”

 

4 Conclusão

     Diante dos entendimentos doutrinários, percebe-se que há divergência quanto à aplicação do princípio da insignificância, nas diversas situações que se apresentam. Nesse sentido verifica-se que há a necessidade de haver a separação entre os valores subjetivos do princípio da insignificância e os objetivos processuais e financeiros da execução fiscal. Deve-se compreender que o equívoco não está no valor estabelecido pela Fazenda Nacional, mas, sim, na adoção desse critério para a aplicação do princípio da insignificância no direito penal.

     Se houver o entendimento de se transportar o critério objetivo de ajuizamento das execuções fiscais, no caso o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para o direito penal, ocorrerá uma completa afronta à legislação penal, visto que tal valor não está inserido como irrisório para os valores sociais. Por outro lado, existem casos verdadeiramente insignificantes que não valem nem a iniciativa da máquina administrativa ou mesmo a punição de certa pessoal. Por tudo isso, o princípio da insignificância sempre será objeto de discussões e entendimentos diversos, mas a sua aplicação é fundamental diante da função maior do Estado de prover sempre a justiça.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIA

 

 

 

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. - São Paulo:Saraiva, 2011.

 

 

 

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, volume 3, parte especial: dos crimes contra a dignidade sexual a dos crimes contra a administração publica (art.213 a 359-H). 10º ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

 

 

 

ESTEVES, João Luiz M. Direitos fundamentais sociais no Supremo Tribunal Federal. – São Paulo: Método, 2077.144p – ( Coleção Prof. Gilmar Mendes; 5).

 

 

 

FARIAS, Vanessa Barreto. A aplicação do principio da insignificância ao crime de descaminho. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/19028/000734299.pdf?sequence=1>. Acesso em: 01 de março de 2013

 

 

 

FAVORETTO, Celso Affonso, Ana Paula da Fonseca Rodrigues Martins, Edson Luz Knippel. Manual esquematizado de leis penais e processuais penal– São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

 

 

 

GREGO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial  – 8. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2012. volume IV.

 

 

 

JESUS, Damásio E. Direito Penal: parte geral. vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2002.

 

 

 

LEI N 10.522, DE 19 DE JULHO DE 2002. D.O.U. de 22.7.2002. Dispõe sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidade federais e dá outras providências.

 

 

 

MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral. vol 3. 3ºed. São Paulo: Método, 2012.

 

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial 16. ed. São Paulo: Atlas, 2001. v. 3.

 

 

 

Paulino, Érika Scudeler. “O Princípio da Insignificância no Direito Penal”. Disponível em:< http://arquivo.fmu.br/prodisc/direito/esp.pdf>. Acesso em: 27 de abril de 2013.

 

 

 

SALUSTIANO, Marcus Peterson. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA APLICADO NOS CRIMES DE CONTRABANDO E DESCAMINHO. Disponivel em: < http://www.uems.br/portal/biblioteca/repositorio/2012-06-27_18-22-57.pdf>. Acesso em: 01 de março de 2013.

 

 

 

________, STJ. Contrabando. Descaminho. Crime permanente. Crime instantâneo de efeito permanente. Natureza jurídica, disponível em <http://www.legjur.com/jurisprudencia/ementa.php?co2=BOL051002080> Acesso em: 25 de agosto de 2013.

 

 

 

SIVIERO, Felipe Andrios Brasil. Aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes de contrabando e descaminho. Disponível em <http://wwwdireitoemdebate.net/.../310-o-principio-da-insignificancia-e-o-crime-de-descaminho-no-direito-penal-patrio>. Acesso em: 25 de abril de 2013.

 

 

 

 



[1]Paper apresentado à disciplina Direito Penal Especial III do curso de direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - NDB.

[2] Alunas da UNDB, 6º período de Direito – Noturno

[3] Professora do curso de Direito da UNDB e orientadora.

[4] Disponível em: <http://www.trf4.jus.br/trf4/institucional/institucional.php?id=Inform_Crim_Abr_2004_1> Acesso em: 23 de abril de 2013.