O DIREITO SOCIAL À PREVIDÊNCIA SOCIAL

 

Danielle da Silva Machado[1]

 

RESUMO

 

A Constituição Federal de 1988, promulgada num contexto de redemocratização do país, consagrou diversos direitos como aptos a serem exigíveis ao Estado. Nesse âmbito, tem-se a proteção previdenciária como direito social fundamental cuja qualidade encontra-se no caput do artigo 7º da Carta Política. O presente artigo prima, dessa forma, por destacar os aspectos históricos dessa garantia securitária, pondo em relevância as pressões sociais de cada momento num contexto mundial. Apresenta-se, também, a evolução legislativa do sistema previdenciário brasileiro e, por fim, considerações importantes sobre a característica de direito fundamental atribuída à proteção previdenciária.

Palavras-chave: Direito Social. Previdenciário. Evolução Histórica

INTRODUÇÃO

 

A elevação da proteção previdenciária a uma posição de direito social exigível do Estado constitui uma verdadeira conquista histórica, reflexo das lutas sociais travadas pela classe trabalhadora. Nesse contexto, o estudo dos aspectos históricos relacionados a esse direito são de suma importância inclusive como forma de se evitar o retrocesso jurídico.

Nesse ínterim, além do panorama histórico, há de ser evidenciada a evolução legislativa do Sistema Previdenciário Brasileiro, uma vez que refletem as pressões sociais de cada momento da história. Com isso, será possível traçar-se considerações acerca da qualidade de direito fundamental atribuída ao direito social à previdência social.

  1. 1.            Aspectos Históricos da Previdência Social

A rede de seguridade foi criada com o objetivo de proteção dos indivíduos diante das contingências da vida, satisfazendo o desejo de tranquilidade e segurança da população contra determinadas intempéries. Desse modo, alguns cuidados preventivos são tomados durante a vida produtiva do sujeito, de forma a garantir a proteção familiar quando da ocorrência de infortúnios, tais como a morte, a velhice ou a doença.

Dezotti e Marta (2011, p. 433) nos ensinam que “os primeiros registros na história da proteção social surgiram no Oriente Médio com o Código de Hamurábi, na Babilônia, século XVIII A.C e com o Código de Manu, na Índia, século II A.C”. Tais institutos continham preceitos de proteção aos trabalhadores e carentes, embora a tipificação desses direitos não significasse a existência de garantias contra o poder dos governantes.

No período medieval, a sociedade feudal marcada pela sua divisão em estamentos (clero, nobreza e servos) e reduzida possibilidade de mobilidade social, não permitia o surgimento de direitos universais, restringindo-os a certos grupos. Ressalta-se, assim, a noção de indivíduos desiguais por natureza, ou melhor, por uma escolha divina. Dezotti e Marta (2011, p. 434) destacam, assim, os direitos dispostos no Decreto de Afonso IX, nas Cortes de Leon, de 1188, e na Magna Carta de João II, em 1215, na Inglaterra.

Por outro lado, a doutrina cristã propagada pela Igreja Católica teve grande importância no surgimento de um ideal de solidariedade para com os mais necessitados, noção essa que contribui para uma positivação do sistema de proteção social.

Foi neste momento em que o Estado assumiu uma atuação mais ativa, a partir da promulgação da chamada Lei dos Pobres, em 1601, na Inglaterra, sendo este considerado um marco histórico legislativo do surgimento da seguridade social. Despontou-se, aqui, a noção de responsabilidade da comunidade pela assistência pública, bem como a obrigatoriedade de realizações de contribuições para fins sociais (DEZOTTI E MARTA, 2011).

Nada obstante, Fábio Zambitte Ibrahim (2014, p. 1) ressalta que

Até então, a ajuda a pobres e necessitados aparece como algo desvinculado da ideia de justiça, reproduzindo mera caridade. Na verdade, a situação era ainda mais perversa, pois, muito frequentemente, a pobreza era apresentada como algo necessário, ou mesmo um benefício para pessoas carentes, pois seria a efetiva garantia de admissão no Reino de Deus, haja vista a situação de extrema carência e desapego a bens materiais. Ou seja, haveria uma honra inerente à pobreza.

A seguir, a crise dos estados absolutistas e a ascensão da burguesia serviram de palco para o nascimento de uma nova concepção ideológica, cujos preceitos refletem até os dias atuais nas mais diversas áreas da sociedade, embora com força significativamente reduzida. A corrente liberal foi de vital importância para o rompimento com os desmandos cometidos pelos reis e pela nobreza da época, e por meio dela propagou-se os ideais de exaltação à liberdade e ao individualismo como características necessárias para o autodesenvolvimento, garantindo-se o equilíbrio automático da economia.

Essa linha de pensamento, voltada para a ideia de igualdade entre todos os cidadãos, desenvolveu-se, principalmente, a partir da Revolução Francesa e seu auge ocorreu com a Revolução Industrial no Século XVIII. Sobre os aspectos securitários, Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior (2002, p.30) ressaltam que

Com o triunfo dos ideais liberais, [...] floresce a concepção de que o indivíduo é o centro de tudo, mas deveria ser capaz de manter-se por seus próprios meios. Caso não pudesse, ficava à mercê da beneficência ou da caridade, inexistindo organização estatal capaz de cobrir os riscos sociais.

Assim, o rápido crescimento da economia ocorreu valendo-se da opressão da classe trabalhadora, que tinha sua condição de miséria justificada meramente pela meritocracia. O ideal de isonomia propagado pela máxima liberté, égalité, fraternité[2] escondia a falta de oportunidades de que dispunha a maior parte da população, impossibilitando, materialmente, a mobilidade entre as classes sociais. Inexistiam quaisquer mecanismos de proteção estatal, uma vez que ao Estado só cabia respeitar as liberdades públicas. Dessa forma, diante de um contexto marcado por condições indignas de trabalho e elevada desigualdade social, os operários organizaram-se com o fim de exigir seus direitos trabalhistas.

Destarte, as pressões sociais por uma atuação positiva do Estado, incentivadas, ainda, pela corrente socialista, culminaram no surgimento, em 13 de junho de 1883, do modelo jurídico de proteção alemão de Otto Von Bismarck. Esse novo sistema de proteção social exigia o pagamento das contribuições não apenas em face dos empregados, como também do Estado e dos próprios empregadores. Além disso, revelou-se o caráter compulsório da prestação das contribuições ao sistema, e determinou-se que a administração desse modelo tripartide de custeio era de responsabilidade do Estado.

Desse modo, o sucesso do modelo bismarckiano resulta na proliferação de políticas estatais voltadas para a seguridade social, o que marca, entre outros fatores, a transição da política liberal para o Estado do Bem-Estar Social.

Nesse contexto, a criação de um sistema protetivo contra os riscos sociais refletiu uma concepção intervencionista do Estado, que passou a regular as relações privadas com o objetivo de promoção do bem-estar social, principalmente após os danos causados pela Segunda Guerra Mundial e com a crise do Estado Liberal-Burguês.

A definição de Welfare State[3] pode ser compreendida como um conjunto de serviços e benefícios sociais de alcance universal promovidos pelo Estado com a finalidade de garantir uma certa “harmonia” entre o avanço das forças de mercado e uma relativa estabilidade social, suprindo a sociedade de benefícios sociais que significam segurança aos indivíduos para manterem um mínimo de base material e níveis de padrão de vida, que possam enfrentar os efeitos deletérios de uma estrutura de produção capitalista desenvolvida e excludente. (GOMES, 2006, p. 203)

 

Insta destacar que a consolidação de um novo paradigma socioeconômico de intervenção estatal foi fortemente influenciado pela orientação econômica keynesianista. A teoria de Keynes critica a ideia de equilíbrio automático econômico, uma vez que as consequências da não intervenção do Estado na economia levaram a Grande Depressão, a probreza e ao desemprego generalizados (OPUSZKA E FRÁGUAS, 2012).

 A construção do Welfare State contrapôs-se a ideologia liberal, cujo pensamento traduzia-se na máxima redução do Estado (Estado-mínimo), proclamando-se a sua intervenção mínima na economia e em áreas centrais para o exercício dos direitos fundamentais, como a educação, a saúde, a habitação, e a segurança. Assim, diante da exploração desumana e da miséria generalizada decorrentes do capitalismo, a classe trabalhadora insurgiu-se vindicando seus direitos sociais básicos, entre eles o dever do Estado de custear o seguro social.

Assim, a primeira constituição a regular o seguro social foi a do México, de 1917. Posteriormente, destaca-se a Constituição de Weimar (1919), da Alemanha, que se preocupou em assegurar os direitos sociais, inaugurando-se, assim, o constitucionalismo social.

Dezotti e Marta (2011, p. 437) destacam ainda: a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1919, que estabelece normas mínimas relacionadas à seguridade social; a instituição do New Deal[4] pelo norte-americano Franklin Roosevelt; e a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, que indica como um dos direitos fundamentais da pessoa humana, a proteção previdenciária.

Posteriormente, a crise do Estado do Bem-Estar Social resultou numa nova adoção de vários aspectos da concepção liberal, que agora nos é apresentada sob o codinome neoliberalismo. Com efeito, um cenário mundial marcado pela recessão, baixas taxas de crescimento econômico e inflação alta foram determinantes na fortificação dos ideais neoliberais. Nessa esteira, Cerqueira (2008, p. 172) afirma que essa conjuntura teve como consequência direta o desemprego e, portanto, o enfraquecimento dos movimentos sindicais organizados. Como consequência, ocorreu-se a gradativa perda dos direitos trabalhistas adquiridos pela classe operária ao longo do tempo.

Ademais, considerando o ideal de Estado-Mínimo, retirou-se o Estado da sua posição de agente produtivo, o que ocasionou uma onda de privatizações. Cerqueira (2008, p. 172) traz, ainda, como consequências do afloramento do neoliberalismo, as reformas fiscais como forma de incentivar os agentes econômicos e a redução constante e progressiva dos gastos públicos nas áreas sociais. Por conseguinte, o modelo de previdência social sofreu mudanças estruturais em todo o mundo.

Nada obstante, Carinhato (2008, p. 39) ressalta que o processo de adoção das políticas neoliberais no Brasil se deu de forma retardatária. Afirma que, embora de alcance diferenciado em cada país, a reforma do Estado passou por dois momentos - primeiro correspondeu ao período de retomada da ofensiva do neoliberalismo estendendo-se até o início da década de 1990, quando o debate girou em torno da distinção entre as funções exclusivas e não exclusivas do Estado, enfatizando-se a racionalização dos recursos fiscais, a abertura dos mercados, privatizações, entre outras medidas (CARINHATO, 2008).

Num segundo momento, Carinhato (2008, p. 39) assevera que houve uma preocupação em se esboçar uma alternativa ao malogro das políticas neoliberais, uma vez que o sucessivo corte dos gastos públicos agravou ainda mais o problema da pobreza no Brasil. Contudo, há de se destacar que

[...] essa mudança de rota não significou uma crítica ao caráter das políticas neoliberais. Pelo contrário, avaliou-se que as políticas neoliberais foram insuficientes para abrir um novo ciclo de desenvolvimento econômico, sendo necessário aprimorá-las. (Gomes Silva, 2001, apud CARINHATO, 2008, p. 41)

 

Desse modo, a crise do Estado do Bem-Estar Social resultou na crise dos próprios direitos fundamentais. Com efeito, a Constituição Federal de 1988, criada em um contexto de esperança face aos abusos do regime militar, assegurou, entre outros direitos sociais, o direito a seguridade social nas instâncias da previdência, da saúde e da assistência.

Por outro lado, as reformas políticas advindas a partir da adoção do paradigma neoliberal trazem uma série de limitações a esses direitos. A título de exemplo, cita-se a Emenda Constitucional Nº 20 de 16 de dezembro de 1998, que introduziu o chamado fator previdenciário. Tal instituto, inserido no ordenamento pátrio com o discurso declarado de trazer equilíbrio às finanças do Estado, reduz o valor do benefício daqueles que se aposentam mais cedo, refletindo a concepção de redução dos gastos públicos em áreas sociais.

Assim, feitas tais considerações, sobressai-se a importância de procedermos a uma evolução legislativa do Sistema Previdenciário Brasileiro.

 

  1. 2.            Evolução Legislativa Do Sistema Previdenciário Brasileiro

No Brasil, a primeira norma positivada sobre seguridade social, de natureza ainda assistencial, dizia respeito ao inciso XXXI do art. 179, inserida no título 8º da Constituição Federal de 1824, que estabelecia: A Constituição também garante os socorros públicos. Com caracteres mais previdenciários, a Constituição Republicana de 1891 determinou que os empregados públicos fossem protegidos, mediante concessão de pensão aos dependentes daqueles falecidos a serviço do Império (ROCHA e BALTAZAR, 2002).

Seguindo o mesmo raciocínio, Rocha e Baltazar (2002, p. 31) destacam os seguintes diplomas legais: Decreto Imperial, de 10 de janeiro de 1835, responsável pela criação do plano do Montepio Geral da Economia para os servidores do Estado; a Lei Nº 3.397, de 24 de novembro de 1888, que estabelecia uma “caixa de socorros” para os trabalhadores das estradas de ferro de propriedade do Estado; o Decreto Nº 9.212/a, de 26 de março de 1889, que criou o montepio para os empregados dos correios; e, ainda, o Decreto Nº 10.269, de 20 de julho de 1889, cujas disposições determinavam a criação do fundo especial de pensões para os trabalhadores das oficinas da Imprensa Régia.

Sobre essa evolução legislativa, Társis Nametala Jorge (2005, p. 5) aponta que, após a edição de uma série de leis de previsões esparsas e sem uma consistência social considerável, o marco decisivo da Previdência Social no Brasil consistiu no Decreto Legislativo Nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923, também conhecido como Lei Eloy Chaves. Referida norma disciplinou a criação das Caixas de Aposentadoria e Pensão para os empregados de cada empresa ferroviária, e “é apontada como marco inicial porque, ao contrário do contido nas leis anteriores, as previsões ali contidas vieram a ser efetivamente implementadas” (ROCHA e BALTAZAR, 2002).

Em seguida, entre 1933 e 1938, período em que entraram em vigência as Constituições de 1934 e 1937, houve a criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), que, substituindo as caixas, englobavam toda uma categoria profissional e possuíam contribuição por parte do Estado, o que ressaltava a sua qualidade de seguro de natureza pública (JORGE, 2005; ROCHA e BALTAZAR, 2002).

Durante a Constituição de 1946, sobreveio a uniformização legislativa com a Lei Federal Nº 3.807, de 26 de agosto de 1960 – chamada de Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), quando o regramento passou a ser único para todos os institutos, além de incluir no regime protetivo, como segurados obrigatórios, os autônomos e empregadores (ROCHA e BALTAZAR, 2002).

Os rurícolas, por sua vez, só contaram com proteção previdenciária a partir da edição da Lei Complementar Nº 11/71 – que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) e criou-se um sistema paralelo, de caráter assistencial, tendo como órgão executivo o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL) (JORGE, 2005; ROCHA e BALTAZAR, 2002).

Em seguida, com a Emenda Constitucional de 1969, criou-se o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS) pela Lei Nº 6.139/77, que integrou sistematicamente as atividades de Previdência Social, da Assistência Social e da Assistência Médica, a partir de uma especialização dos órgãos previdenciários (JORGE, 2005).

Por fim, o último grande marco está presente na Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, que introduziu o conceito de seguridade social[5] no Título VIII relativo à Ordem Social, e também qualificou a previdência social como direito social (art. 7º, caput).

Diante desse contexto, traremos algumas ponderações acerca da previdência social qualificada enquanto direito social fundamental em nossa Carta Política.

  1. 3.            O Direito Social Fundamental à Previdência Social

 

A partir da construção de um panorama histórico e da evolução legislativa previdenciária, verifica-se que os direitos sociais são frutos das exigências realizadas pela classe trabalhadora para a promoção de uma justiça social. Implicam, por excelência, na garantia de prestações positivas do Estado, e passaram a ser positivados a partir da construção do Estado do Bem-Estar Social.

Em nossa Carta Magna, Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 17) nos ensina que os direitos sociais adquiriram um status de direitos fundamentais, qualidade antes não reconhecida pelas demais constituições pátrias, as quais imprimiam uma reduzida eficácia a esses direitos, percebida principalmente diante da sua regulação em normas de caráter meramente programático. Reconhece-se, assim, na Constituição Federal, um resgate às concepções do Welfare State, com a presença marcante do Estado na vida política, social e econômica.

Nesse sentido, assim dispõe o preâmbulo de nossa Constituição, detentor de inegável força política:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (BRASIL, 1988, grifo nosso)

Desse modo, enquanto direitos fundamentais, os direitos sociais pressupõem o dever do Estado na criação de instrumentos políticos e jurídicos que confiram a garantia de sua concretização. Observe-se que a construção de todo o aparato securitário deve estar voltado para o fim último de promoção de justiça social, objetivando-se, pois, a erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais[6]. Para tanto, necessário se faz, primeiramente, que as normas de hierarquia inferior estejam em consonância com o que apregoa a Constituição Federal, conferindo-se, desse modo, unidade e harmonia ao sistema de seguridade.

Em razão disso, não há que se falar em promoção estatal da dignidade da pessoa humana, sem que haja um sistema previdenciário forte. Como consequência, Ivan Kertzman (2012, p. 58) defende o dever fundamental de pagar contribuições previdenciárias, de modo a se garantir a efetivação do direito fundamental à previdência social. Nessa esteira,

O Estado de Direito ou posteriormente o Democrático de Direito nasce, então, com o objetivo de fornecer as garantias necessárias para a efetivação da cidadania. Por esta razão, o foco originário estava nos direitos fundamentais.

No Estado contemporâneo, todavia, as garantias aos direitos têm cada vez mais ganhado espaço, perdendo, de certa forma, o necessário equilíbrio do binômio dever/direito, necessário, paradoxalmente, para a própria efetivação de determinadas espécies de direitos fundamentais. (KERTZMAN, 2012, p. 55)

Atualmente, em que pese ondas neoliberais tenham influenciado reformas legislativas em âmbito previdenciário, constata-se que o ideal social de proteção securitária por parte do Estado continua servindo de parâmetro para a edição de novas leis, bem como para a interpretação destas por parte do Judiciário.

Com efeito, o sistema misto de financiamento da Seguridade Social[7] e o regime de repartição simples adotado, em regra, pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) refletem claramente os ideais de solidariedade próprios do Estado do Bem-Estar Social.

Como exemplo da intervenção estatal com o fim de efetivação do direito social à previdência, tem-se a cobrança de contribuições sociais sobre as folhas de salário, faturamento ou receitas, e lucros daqueles que exercem atividade empresária (art. 195, I, Constituição Federal).

Com efeito, Wagner Balera (2014, p. 68) bem elucida que a empresa tem o dever de constituir os fundos de proteção social por provocar uma especial despesa para a comunidade social. De fato, assevera o autor que qualquer empreendimento gera ou agrava a doença, a invalidez, o desemprego, acabará implicando o pagamento de benefícios aos doentes, inválidos e desempregados. Desse modo, cabe também à empresa, custear os dispêndios da seguridade social.

Atualmente, inclusive, está em tramitação o Projeto de Lei nº 863/15, decorrente da Medida Provisória Nº 669/15, que reduz a desoneração da folha de pagamento das empresas, ampliando as alíquotas incidentes sobre a receita bruta. Trata-se, pois, de clara intervenção estatal nas relações privadas e no domínio econômico, contrariando-se à concepção de Estado Mínimo própria do neoliberalismo.

Diante disso, há de se verificar que constituem corolário da efetivação do direito social à proteção previdenciária tanto o princípio da solidariedade, uma vez que existe a necessidade de comunhão de forças da coletividade para a promoção do bem-estar de todos, bem como o princípio da contributividade, consubstanciado no dever de recolhimento das contribuições previdenciárias para a fortificação do regime, constituindo, assim, requisito à obtenção dos benefícios e serviços correspondentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constatou-se, assim, que a qualificação da seguridade social enquanto um direito exigível do Estado foi precedida de lutas históricas principalmente por parte da classe trabalhadora, em face dos desmandos advindos de um sistema capitalista e opressor. De fato, tornou-se insuficiente a atuação do Estado enquanto um mero expectador, ao qual cabia apenas o respeito às liberdades públicas.

A construção do Estado de Bem-Estar social permitiu, pois, a criação de um sistema securitário com base nos ideais de solidariedade, fortificado a partir da sua caracterização enquanto direito fundamental. Diante disso, o Estado passou a ter como objetivo a criação de instrumentos políticos e jurídicos que conferissem a garantia de concretização dos direitos em tela. Contrapôs-se, dessa forma, à concepção reducionista estatal propagada pelo neoliberalismo, que embora tenha ganhado inegável força nos últimos anos, não impede a atuação estatal nos mais diversos segmentos da sociedade, inclusive no que concerne ao amparo previdenciário.

REFERÊNCIAS

 

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[1] Danielle da Silva Machado. Graduanda em Direito pela Universidade Estadual do Maranhão. Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal do Maranhão.

[2] Liberdade, igualdade e fraternidade - princípios difundidos durante a Revolução Francesa. “A liberdade é em geral interpretada como a não interferência da autoridade na esfera dos interesses privados. A fraternidade se estabelece quando existe de fato uma comunidade politicamente solidária, com indivíduos iguais e livres. E a igualdade seria a ausência de privilégios entre os cidadãos, independente de classe social, credo, raça e outras características que poderiam diferenciá-los” (SILVA, 2011, p. 123).

[3] Expressão utilizada pelos ingleses para denominar o Estado do Bem-Estar Social.

[4] Conjunto de programas e políticas sociais implementados entre 1933 e 1937, com o fim de reforma e reestruturação da economia dos Estados Unidos, que entrou em colapso, principalmente, com a Crise de 1929.

[5] Art. 194, caput da Constituição Federal: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

[6] CF: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

[7] CF: Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:  a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento;  c) o lucro; 

 II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.