O CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO, MODALIDADE USURPAÇÃO VERSUS O CRIME DE EXTRAÇÃO DE RECURSOS MINERAIS (ART. 2º, CAPUT, DA LEI Nº. 8.176/91  X  ART. 55 DA LEI Nº. 9.605/98): CONFLITO APARENTE DE NORMAS OU CONCURSO FORMAL DE CRIMES?[1] 

Heitor Ferreira de Carvalho[2]

Luís Fernando Barros Costa[3]

Maria do Socorro de Almeida Carvalho[4] 

Sumário: Introdução. 1. O Crime contra o Patrimônio, modalidade Usurpação e o Crime de Extração de Recursos Minerais: Compreensão Necessária. 1.1. O Crime contra o Patrimônio, modalidade Usurpação: art. 2º, caput, da Lei nº. 8.176/91; 1.2. O Crime de Extração de Recursos Minerais: art. 55 da Lei nº. 9.605/98; 2. Concepção Doutrinária Predominante: Conflito Aparente de Normas ou Concurso Formal de Crimes? 3. Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais da 1ª, 2ª e 4ª Região: qual posicionamento prevalece na jurisprudência? 4. Conclusão. Referências.


RESUMO

O presente estudo tem por finalidade compreender o Crime contra o Patrimônio, modalidade Usurpação, configurado no direito penal brasileiro como Crime contra a Ordem Econômica, bem como, demonstrar a sua relação com o Crime de Extração de Recursos Minerais, para que se entenda controvérsia existente o art. 2º, caput, da Lei nº. 8.176/91 e o Art. 55 da Lei nº. 9.605/98, uma vez que tem sido questionado se dessa relação é possível ocorrência de conflito aparente de normas ou concurso formal de crimes. Metodologicamente, utilizou-se bibliografia doutrinariamente produzida sobre essa discussão, assim como, jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais da 1ª, 2ª e 4ª Região no intuito de constatar qual o posicionamento predominante. Concluiu-se que a tese de que inexiste conflito aparente de normas prevalece, uma vez que os artigos em comento tutelam bem jurídicos distintos, ou seja, predomina a ideia de que ocorre concurso formal de crimes, pois, diante de uma só conduta cometem-se dois ou mais crimes.

Palavras-chave: Ordem Econômica. Patrimônio, modalidade Usurpação. Concurso Formal.

INTRODUÇÃO

A Lei nº. 8.176/91, instituída no Brasil, define os Crimes cometidos contra a Ordem Econômica, além, de criar o Sistema de Estoques de Combustíveis. Em seu artigo 2º, caput, está constituído o Crime contra o Patrimônio, na modalidade Usurpação, segundo o qual deve ser penalizado o indivíduo que for responsável pela produção de bens ou exploração de matéria-prima pertencente à União, por não ter autorização legal ou por descumprir as obrigações estabelecidas no título que o autoriza a realizar as atividades acima descritas. No entanto, em 1998, foi criada a Lei nº. 9.605/98, definida como a Lei de Crimes Ambientais, que em seu artigo 55, também criminaliza a Extração de Recursos Minerais, condenando a conduta do indivíduo que for pego executando pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais, sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com uma destas obtida.

A situação acima disposta suscitou os seguintes questionamentos: a aplicação dos referidos artigos promove um conflito aparente de normas ou concurso formal de crimes? Qual posicionamento tem prevalecido na doutrina e na jurisprudência brasileira a esse respeito?

Para tanto, utilizando-se, metodologicamente, da abordagem dedutiva, bem como, tecnicamente, da pesquisa bibliográfica e documental, visando conseguir a maior quantidade possível do material já elaborado a respeito, além, de constatar como essa discussão vem sendo refletida pelo Superior Tribunal de Justiça e pelos Tribunais Regionais Federais da 1ª, 2ª e 4ª Região, objetiva-se: entender o Crime contra o Patrimônio, modalidade Usurpação, e o Crime de Extração de Recursos Minerais; analisar o entendimento doutrinário acerca da relação existente entre tais crimes para perceber qual a concepção predominante, ou seja, se há entre eles um conflito aparente de normas ou concurso formal de crimes; e, ainda, verificar como o Superior Tribunal de Justiça e os Tribunais Regionais Federais supramencionados tem se posicionado acerca da questão.

Sendo assim, primeiramente, faz-se a compreensão sobre o Crime contra o Patrimônio, modalidade Usurpação, e o Crime de Extração de Recursos Minerais. Em seguida, caracterizam-se os institutos conflito aparente de normas e concurso formal de crimes, assim como, analisa-se como a doutrina tem se posicionado quanto à possibilidade de haver conflito aparente de normas ou concurso formal de crimes em relação aos crimes estudados. E, por fim, verifica-se qual posicionamento a esse respeito tem prevalecido no Superior Tribunal de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais da 1ª, 2ª e 4ª Região.


1 O CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO, MODALIDADE USURPAÇÃO E O CRIME DE EXTRAÇÃO DE RECURSOS MINERAIS: COMPREENSÃO NECESSÁRIA

Por meio do Projeto de Lei nº. 6.134/91, o Poder Executivo propôs alterações dos Crimes contra a Ordem Econômica, constante no art. 4º na Lei nº. 8.137/90, uma vez que esta define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo. No entanto, tais alterações não foram realizadas, visto que foi editada a Lei nº. 8.176/91, “que define Crimes contra a Ordem Econômica e cria o Sistema de Estoques de Combustíveis”. Em seu art. 2º, caput, a Lei nº. 8.176/91 “constitui Crime contra o Patrimônio, na modalidade Usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizador”. (SILVA et. al., 2010, p. 273, 282).

Com a criação da Lei nº. 9.605/98 regulamentou-se os Crimes Ambientais, que com seus tipos penais tem como bem jurídico a proteger o meio ambiente, que é tido “como condição de existência do ser humano, ou seja, bem jurídico supra individual, como aponta o artigo 225, caput, da Constituição Federal brasileira”. (PRADO, 2007, p. 16). Nela consta o art. 55, que configura como crime a conduta de “executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida: pena – detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa”. (SILVA et. al., 2010, p. 480).

O Crime contra a Ordem Econômica, definido como Crime contra o Patrimônio, modalidade Usurpação (art. 2º, caput, da Lei nº. 8.176/91) e, por consequência, o Crime Ambiental descrito no art. 55, da Lei nº. 9.605/98, constituem o cerne da discussão do presente trabalho, portanto, faz-se necessária uma melhor compreensão de tais institutos.


1.1 O Crime contra o Patrimônio, modalidade Usurpação: art. 2º, caput, da Lei nº. 8.176/91

Em se tratando dos Elementos do Tipo que constituem o crime contra o Patrimônio, modalidade Usurpação, tem-se como elementos objetivos as condutas descritas no caput do art. 2º, que são: “produzir” e “explorar”; assim como às descritas no parágrafo primeiro, quais sejam: “adquirir”, “transportar”, “industrializar”, “ter consigo”, “consumir” e “comercializar”. A conduta “produzir” significa fabricar ou criar, enquanto que “explorar” é sinônimo de aproveitar. Estas são condutas de usurpação, cujo sentido é obter algo por fraude ou engano. Os elementos subjetivos dizem respeito à conduta comissiva ou omissiva imprópria, dolosa sem fim especial de agir. Nota-se, portanto, que na modalidade do § 1º, o agente deve ter a consciência ou o conhecimento de que aquele produto é objeto de extração ilícita ou foi extraída em desacordo com a permissão. E o elemento normativo está contido na afirmação “sem autorização legal e em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo”. Trata-se de norma penal em branco em sentido estrito, “em face do conteúdo complementar advir de outra instância legal, que não a da norma primária incompleta”, qual seja: “neste dispositivo é oriunda, na sua quase totalidade, da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP – através da Portaria ANP”. (SILVA et. al., 2010, p. 287-288).

A consumação deste crime (caput) se dá com a produção de bens ou a exploração de matérias-primas pertencentes à União, sem autorização legal e em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo. Em relação ao § 1º, segundo José Geraldo da Silva et. al. (2010, p. 288), referido crime consuma-se pelas “condutas de adquirir, transportar, ter consigo, consumir, comercializar, produto ou matéria-prima obtidos fraudulentamente”. A tentativa é admitida, em tese, nas condutas do caput, bem como, nas condutas do § 1º, exceto em relação à conduta “consumir”, no sentido de fazer uso. (SILVA et. al., 2010, p. 288).

O bem jurídico protegido é o Estado e, especificamente, o patrimônio da União. De acordo com Alessandra Rapassi Prado (2007, p. 18), “o bem jurídico aqui protegido é o patrimônio da União, composto, entre outras matérias-primas, pelos recursos minerais; e a lesão caracteriza-se pela usurpação desses objetos materiais”.

O objeto material deste tipo penal são os bens e matérias-primas pertencentes à União, em conformidade com o disposto no § 3º do art. 6º, da Lei nº. 9.478/97, em que “pertencem à União os depósitos de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos existentes no território nacional, nele compreendidos a parte terrestre, o mar territorial, a plataforma continental e a zona econômica exclusiva”. As atividades econômicas, de que trata o § 3º supramencionado, “são reguladas e fiscalizadas pela União e poderão ser exercidas, mediante concessão ou autorização, por empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede na administração do país”. Nesse mesmo artigo são definidos todos os termos relacionados aos bens e matéria-prima que constituem propriedade da União. Entre os quais, cita-se: o Transporte (a movimentação de petróleo, seus derivados, biocombustíveis ou gás natural em meio ou percurso considerado de interesse geral) e a Lavra ou Produção (conjunto de operações coordenadas de extração de petróleo ou gás natural de uma jazida e de preparo para sua movimentação). (BRASIL, 1997).

Quanto ao sujeito ativo, na 1ª parte do elemento normativo, admite-se a conduta a qualquer pessoa, sendo um crime comum. Já na 2ª parte deste é “em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo”, pois, somente o agente o possui, sendo assim, crime próprio. O sujeito passivo imediato é a União, por serem seus os bens usurpados, e de forma mediata, as empresas que legalmente adquiriram a autorização para explorar matéria-prima e produzir seus produtos, por serem prejudicadas pela concorrência na produção e comercialização dos produtos. (SILVA et. al., 2010, p. 287).

A ação penal é pública incondicionada, sendo a pena de detenção de 1 a 5 anos e multa. Trata-se de crime de médio potencial ofensivo, cuja competência é da Justiça Comum Federal, não admitindo a transação penal, mesmo sendo possível a suspensão condicional do processo, caso estejam presentes os requisitos do artigo 89 da Lei nº. 9.099/95.(SILVA et. al., 2010, p. 288).


1.2 O Crime de Extração de Recursos Minerais: art. 55 da Lei nº. 9.605/98

Quanto aos Elementos do Tipo, os elementos objetivos do art. 55 da Lei nº. 9.605/98 são as condutas “executar” e “deixar de executar”. Nota-se que a conduta “deixar de recuperar” colide com o disposto no art. 225, § 2º, da Constituição Federal, que diz: “aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei”. (BRASIL, 1998). O elemento subjetivo é o dolo direto, comissivo ou omissivo impróprio em relação à conduta “executar”, e omissivo próprio na conduta “deixar de recuperar”, do parágrafo único. Já os elementos normativos são: “sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença” e “em desacordo com a obtida”, ou seja, a execução da atividade e a recuperação da área degradada deverão obedecer a outros atos normativos, entre eles, a resolução do CONAMA nº. 237, de 19/12/1997, que no art. 1º, inc. II, diz ser a licença ambiental, ato administrativo emitido por órgão competente, no qual são estabelecidas as condições, restrições e medidas de controle ambiental a serem obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades que utilizem recursos naturais, que possam causar degradação ambiental. (BRASIL, 1997).

A consumação desse tipo penal se dá quando o agente executa a atividade sem a autorização legal ou sem conformidade com esta, ou, ainda, deixa de recuperar a área degradada nos termos da resolução do CONAMA. A tentativa só é admitida na forma comissiva ou omissiva imprópria. (SILVA et. al., 2010, p. 518).

O bem jurídico protegido é o meio ambiente, em virtude da degradação do solo e do subsolo pela atividade mineradora, causadora de “consideráveis impactos ambientais” (MARTINS, 2009, p. 119).

O objeto material são os recursos naturais do solo e subsolo terrestres nacionais. O sujeito ativo é qualquer pessoa e o sujeito passivo é a coletividade. A ação penal pública deste crime também é incondicionada, com pena de detenção de 6 meses a 1 ano, e multa, sendo, portanto, crime de menor potencial ofensivo e de competência do Juizado Especial Federal, sendo possível a transação penal e a suspensão condicional do processo, com fulcro nos artigos 61 e 89, ambos da Lei nº. 9.099/95. (SILVA et. al., 2010, p. 517-518).

Uma vez caracterizados os crimes em questão, dá-se sequência à problemática posta em relação a eles. Para tanto, analisa-se como a doutrina tem refletido acerca da aplicação das normas a ele referentes.


2 CONCEPÇÃO DOUTRINÁRIA PREDOMINANTE: CONFLITO APARENTE DE NORMAS OU CONCURSO FORMAL DE CRIMES?

A Lei nº. 9.605/98, pelo art. 55, suscitou um debate em relação ao art. 2º da Lei nº. 8.176/91. No âmbito doutrinário, os operadores do direito sustentam tanto a ideia de existência de um conflito aparente de normas, em virtude da coexistência entre eles, quanto a tese de que a aplicação destes dispositivos corresponde a concurso formal de crimes. Nesse sentido, Alessandra Rapassi Mascarenhas Prado (2007, p. 19) salienta que a tipificação do art. 55 na Lei n. 9.605/98,

provocou a sustentação de teses divergentes entre os operadores do Direito a respeito da sua coexistência com o referido artigo 2º, arguindo-se, de um lado, a existência de um conflito aparente de normas, e, de outro, a ocorrência de um concurso formal de crimes.

O conflito aparente de normas, que tem como pressupostos a unidade do fato, ou seja, uma única conduta provoca uma única lesão ao bem jurídico, e a pluralidade das normas, ocorre quando é aparentemente possível a aplicação de duas ou mais normas a um mesmo fato, devendo incidir somente uma delas, a mais apropriada à solução do caso, por ser a específica, a principal ou a mais abrangente. Por meio do exercício interpretativo das normas, soluciona-se o conflito aplicando-se o princípio da especialidade, da subsidiariedade ou consunção. (PRADO, 2007, p. 19).

O concurso formal de crimes ocorre “quando a pessoa mediante uma só conduta causa dois ou mais resultados, isto é, comete dois ou mais crimes. Neste caso, há uma pluralidade de fatos, regidos por normas jurídicas distintas”. (PRADO, 2007, p. 19).

A ideia de existência de um conflito aparente de normas em relação aos crimes em comento pertence à corrente que se baseia no argumento de Ney Barros Bello Filho, citado por Eladio Lecey (2014, p. 21), cuja compreensão é de que o dispositivo da Lei nº. 8.176/91 foi revogado pelo art. 55 da Lei nº. 9.605/98, tratando-se, assim, de conflito de leis no tempo. Sendo assim, o fato desta última (a Lei Ambiental) ser mais abrangente “tutela não apenas o ambiente, mas também, o patrimônio da União”, promovendo, portanto, a revogação da lei anterior.

A outra corrente diz tratar-se de concurso formal de crimes. Para Flávia de Vasconcellos Lanari (2014, p. 4) a aplicação desse instituto dá-se por inexistir tanto a conexão como a continência, ou seja, “não há unidade do processo e julgamento dos ilícitos. Cada qual prossegue no seu caminho”. Acrescentando, ainda, que a realização da lavra clandestina de recursos minerais sem a devida autorização, corresponde à prática simultânea do crime ambiental e do crime de usurpação, cuja ação, normalmente, é uma só, mesmo sendo dois os resultados da conduta. Sendo assim, trata-se de concurso formal entre as infrações o que importa em continência, o que gera o deslocamento da competência do crime ambiental para o âmbito da justiça Federal, mesmo que no momento final, “as penas venham a ser aplicadas cumulativamente, como ocorre no concurso material, por orça do reconhecimento da unidade de desígnios do agente”.

Mesmo com a divisão na doutrina, já se reflete sobre a sua superação. Para Carlos Victor Andrade Bezerra (2014, p. 9) a controvérsia acima mencionada foi considerada inexistente pelo STJ, sendo, portanto, solucionada. Sendo assim, “o argumento de que o art. 2º, caput, da Lei nº. 8.176/91 teria sido, tacitamente, revogado não prosperou”. Porém, acrescenta: “apesar disso, somente haverá concurso formal, quando o réu tiver agido sem licença ambiental e, também, sem autorização do DNPM [Departamento Nacional de Produção Mineral]”.

Sendo assim, no intuito de confirmar o acima exposto, demonstram-se, a seguir, os argumentos que tem prevalecido sobre a questão no Superior Tribunal de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais.


3 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA  E TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS: QUAL POSICIONAMENTO PREVALECE NA JURISPRUDÊNCIA?

O Superior Tribunal de Justiça tem argumento consolidado de que os bens jurídicos tutelados pelo art. 2º, caput, da Lei nº. 8.176/91 (Lei de Crimes contra a Ordem Econômica) e pelo art. 55 da Lei nº. 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) são distintos, confirmando, assim, a inexistência de conflito aparente de normas. Para tanto, no Recurso Especial (REsp) 54704-SP, julgado por esse Egrégio Tribunal em 07/10/2003, o voto do relator, Ministro Gilson Dipp, merece destaque, visto que defendeu serem os bens tutelados pelas normas em questão distintos (Patrimônio da União e Meio Ambiente), portanto, “[...] não há que se falar em conflito aparente de normas, mas em caso de concurso formal, no qual um mesmo comportamento acarretou vários resultados, neste caso, ofendeu objetos jurídicos diversos. [...]”. (STJ, 5ª Turma, RESP 547047-SP (2003/0099603-0), Rel. Min. Gilson Dipp, j. 07.10.2003, DJU 03.11.2003).

Esse entendimento também é observado nos Tribunais Regionais Federais. No Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o Desembargador Federal I’talo Fioravanti Sabo Mendes, relator do Recurso em Sentido Estrito (RSE) 0000767-87.2012.4.01.3804-MG, concluiu que uma vez produzida eventualmente nos autos, a conduta de explorar recursos minerais sem a devida autorização ou licença dos órgãos competentes “pode configurar, [...] tanto crime contra a natureza pela degradação ao meio ambiente (art. 55, da Lei nº. 9.605/98), quanto crime contra o patrimônio da União, em face da apontada usurpação do bem público”. (TRF, 1ª Região, RSE 0000767-87.2012.4.01/MG, Rel. Des. Fed. I’talo Fioravanti Sabo Mendes, j. [s.d.], DJ 26.08.2012)

O Desembargador Federal Abel Dias Tribunal Regional Federal da 2ª Região no julgamento do Recurso em Sentido Estrito (RSE) RSE 1427 2003.50.50.0004204-1, em 80/08/2006, em seu voto frisou que não há como sustentar-se qualquer relação de especialidade entre as normas penais em estudo, haja vista, que se soluciona conflito aparente de normas diante de normas que possuam identidade de proteção jurídica, devendo prevalecer “aquela que conceder tratamento mais específico ao tema, de modo que, patente é a diversidade de bens jurídicos tutelados (patrimônio da União e meio ambiente) também resta incontroverso que retratam, igualmente infrações penais de natureza distinta. [...]. (TRF, 2ª Região, RSE 1427 2003.50.50.0004204-1, Rel. Des. Fed. Abel Gomes, j. 30.08.2006, DJ 13.09.2006).

Com interpretação semelhante à dos supracitados, o Desembargador Federal Márcio Antonio Rocha, relator da Apelação Criminal (ACR) 7287-RS 2008.71.08.007287-5, julgada em 19/06/2012, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em seu voto descreveu o procedimento a ser tomado em caso da ocorrência do Crime contra o Patrimônio, na modalidade Usurpação (art. 2º da Lei nº. 8.176/91), registrando a previsão de detenção, devendo ser levado em conta que a pena foi fixada no mínimo legal, a multa também deve ser arbitrada no patamar mínimo previsto no art. 49 do CP, ou seja, 10 (dez) dias-multa. Restando a sanção em 1 ano de detenção e, atendidos os demais requisitos legais, possível a substituição da privativa de liberdade por restritiva de direitos (art.44, § 2º, do CP) [...]. (TRF, 4ª Região, ACR 7287-RS 2008.71.08.007287-5, Rel. Des. Fed. Márcio Antônio Rocha, j. 19.06.2012, DJ 12.11.2012).

Diante do exposto, restou claro que junto aos tribunais analisados prevalece o entendimento de que no cometimento das condutas existentes nos tipos penais estudados dá-se a ocorrência de concurso formal de crimes e não conflito aparente de normas, uma vez que são tutelados bens jurídicos distintos.


4 CONCLUSÃO

A Lei nº. 8.176/91, que define os Crimes contra a Ordem Econômica, no seu bojo contém o art. 2º, caput, no qual é constituído o Crime contra o Patrimônio, na modalidade Usurpação, onde é condenada a conduta de produzir bens ou explorar matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizador. O bem jurídico protegido por este tipo penal é o Patrimônio da União, que entre outras matérias-primas, é composto pelos recursos minerais. Trata-se de crime cuja pena de detenção é de 1 a 5 anos e multa, portanto, configura-se como crime de médio potencial ofensivo, e competente para julgá-lo é a Justiça Comum Federal.

A criação da Lei nº. 9.605/98 que regulamente os Crimes Ambientais, visando proteger o bem jurídico meio ambiente, que tem entre seus tipos penais, o do art. 55, onde é criminalizada a conduta de executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida, suscitou discussão tanto no âmbito doutrinário como no âmbito jurisprudencial, no sentido de que se com a existência dos dois tipos penais ocorreria conflito aparente de normas ou concurso formal de crimes.

Embora existam correntes doutrinárias que divergem nesse sentido, constatou-se que essa problemática já foi solucionada junto ao Superior Tribunal de Justiça e aos Tribunais Regionais Federais da 1ª, 2ª e 4ª Região, uma vez que tais tipos penais tutelam bem jurídicos distintos, predominando, assim, a ideia de que ocorre concurso formal de crimes, pois, diante de uma só conduta cometem-se dois ou mais crimes, lesionando-se, assim, em relação à questão posta, tanto o Patrimônio da União, bem jurídico protegido pelo art. 2º, caput, da Lei nº. 8.176/91, como o Meio Ambiente, bem jurídico protegido pelo art. 55 da Lei nº. 9.605/98, sendo doutrinariamente esclarecido, porém, que o concurso formal de crimes só cabe quando o réu tiver agido sem licença ambiental, assim como, sem autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral.


REFERÊNCIAS

BEZERRA, Carlos Victor Andrade. Conflito aparente de normas ou concurso formal entre os tipos previstos no art. 55 da Lei nº 9.605/98 e o art. 2º da Lei nº 8.176/91? Disponível em: <http://www.abdir.com.br/doutrina/ver.asp?art_id=2302&categoria=Defesa%20do%20Consumidor%20em%20Ju%C3%ADzo> Acesso: 25 ago. 2014.

BRASIL. Lei nº 9.478 de 6 de agosto de 1997. Dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências. Publicada no Diário Oficial da União de 07.8.97. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9478.htm>. Acesso em: 04 nov. 2014.

__________. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Publicada no DOU de 13.2.98 e Retificada em 17.2.98. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9605.htm.> Acesso em: 04 nov.2014.

__________. Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) nº 237/1997 - "Regulamenta os aspectos de licenciamento ambiental estabelecidos na Política Nacional do Meio Ambiente" - Data da legislação: 22/12/1997 – Publicação: DOU nº. 247, de 22.12.1997, p. 30.841-30.843. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=237>. Acesso em: 04 nov. 2014.

__________. Superior Tribunal de Justiça (STJ). 5ª Turma. Recurso Especial REsp 547047 SP 2006/0017018-7 (STJ). Publicado em 03/11/2003. Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=USURPA%C3%87%C3%83O+X+EXTRA%C3%87%C3%83O >. Acesso em: 25 set. 2014.

__________. Tribunal Regional Federal (TRF). 1ª Região. Recurso em Sentido Estrito RSE 767 MG 0000767-87.2012.4.01.3804 (TRF-1). Publicado em 26/06/2012. Disponível em: <http://trf-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21879598/recurso-em-sentido-estrito-rse-767-mg-0000767-8720124013804-trf1>. Acesso em: 25 ago. 2014.

__________. 2ª Região. Recurso em Sentido Estrito: RSE 1427 2003.50.50.0004204-1 (TRF-2). Publicado em 13/09/2006. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=USURPA%C3%87%C3%83O+X+EXTRA%C3%87%C3%83O>. Acesso em: 25 set. 2014.

__________. 4ª Região. Apelação Criminal: ACR 7287-RS 2008.71.08.007287-5 (TRF-4). Publicado em 27/06/2008. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=USURPA%C3%87%C3%83O+X+EXTRA%C3%87%C3%83O>. Acesso em: 25 set. 2014.

LANARI, Flávia de Vasconcellos. Crime de Usurpação – Produzir ou Explorar Matéria-Prima pertencente à União sem Autorização Legal. Disponível em: < http://www.ejef.tjmg.jus.br/home/index.php?option=com_content&task=view&id=2003&Itemid=324 > Acesso: 25 set. 2014.

LECEY, Eladio. Os Espaços especialmente protegidos na Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente. Disponível em: < http://www.escola.mpu.mp.br/linha-editorial/outras-publicacoes/setic-grandes-eventos-meio-ambiente/Eladio_Lece > Acesso: 25 set. 2014.

MARTINS, José Renato. Tutela Penal das Atividades Nucleares no âmbito do Estado Social e Democrático de Direito Brasileiro. In: Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 4, p. 109-134, junho/2009. Disponível em: < http://www.reid.org.br/arq’uivos/00000099-reid4-10-jose.pdf > Acesso: 25 set. 2014.

PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenhas. Extração de recursos minerais e Crime de Usurpação: uma análise da jurisprudência brasileira. In: Revista Jurídica da Faculdade 2 de Julho. Salvador – Bahia, ano 1. n. 1. Outubro de 2007. p. 11-33. Disponível em: < http://f2j.edu.br/site/wp-content/uploads/2014/07/revista_juridica_I.pdf > Acesso: 25 ago. 2014.

SILVA, José Geraldo da; BONINI, Paulo Rogério; LAVORENTI, Wilson. Leis Penais Especiais Anotadas. 11ª ed. Campinas, SP: Millenium Editora, 2010.



[1] Paper apresentado na Disciplina Direito Penal Especial III, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluno do 10º Período, do Curso de Direito, da UNDB.

[3]Aluno do 10º Período, do Curso de Direito, da UNDB.

[4] Professora, Especialista, Orientadora.