O aparente conflito entre a hipótese de denunciação da lide do art. 70, I, do CPC e a introdução da regra do artigo 456 do Código Civil no que tange à responsabilidade aos riscos da evicção[1].

 

Jéssica Mendes Campos [2]

 

Sumário: Introdução; 1Breve visão sobre os artigos 70, caput, do CPC e 456, do CC: o ônus absoluto da denunciação da lide; 2 Denunciação da lide como instrumento essencial ao direito regressivo com base na evicção; 2.1 A possibilidade da denunciação da lide per saltum em casos de evicção; 3 O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça diante da questão; Conclusão

 

 

RESUMO

 

Apresenta-se uma breve noção sobre a redação, implicações e efeitosdo art. 70, caput, CPC,que trata da “obrigatoriedade” da denunciação da lide especificamente sobre o direito de evicção. Nesse sentido, faz-se misterexaminar também o sentido que deve ser extraído na mudança advinda da inovação legislativa introduzida pelo art. 456 do Código Civil, uma vez que influencia diretamente aplicabilidade do exercício do direito do evicto, posto que autoriza a notificação não somente ao alienante, como também a qualquer dos anteriores. Destaca-se a importância da compreensão, poiso artigo do Código Civil aduz a possibilidade de legitimação extraordinária, que incide sob o art. 6º do CPC. Aponta-se então, o aparente conflito gerado sobre os conteúdos das normas, fomentado por posicionamentos doutrinários divergentes e jurisprudências do STJ. Por fim, será feita uma análise quando à aceitação ou não da denunciação da lide per saltum, tendo em vista as implicações práticas que o instituto produz, desde a ampliação de garantia na transmissão de bens até celeridade e instrumentalidade do processo para o exercício do direito de regresso do evicto.

 

 

Palavras-chave: direito de evicção; denunciação da lide; intervenção de terceiros; denunciação da lide per saltum.

INTRODUÇÃO

 

O presente artigo versa sobre um conflito aparente que pode ser elucidado a partir da análise de dispositivos distintos, sejam eles, o Código Civil e o Código de Processo Civil, e que apesar das interpretações gerarem hipóteses difusas, não devem ser estudados autonomamente, uma vez que hoje há o entendimento que o estudo dos institutos de direito processual não devem ser feitos sem se verificar previamente as implicações trazidas pelo direito material. Esse é o motivo pelo qual a instrumentalidade do processo de denunciação da lide em caso de evicção prevista no CPC é afetada com a inovaçãoadvinda do Código Civil sobre o assunto.

Considerando o previsto em ambos os artigos de seus respectivos dispositivos, surge o questionamento de como proceder para a garantia do direito do evicto. Se deve a denunciação da lide ser feita de forma sucessiva e, portanto, cumulativa no mesmo processo, ou se ela pode ocorrer “persaltum”, no mesmo processo. Diante disso, necessário se faz também considerar a divergência doutrinária acerca do tema, não obstante o entendimento dos Tribunais, e, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça, em casos que envolvem a análise desses textos normativos.

Para uma compreensãomais precisa do tema, é necessário ser explanado primeiramente o que versa o caput do art.70 do Código Civil em se tratando da “obrigatoriedade” fundada para o exercício do direito do evicto através da denunciação da lide. Ponto este fundamental para a conjugação da hipótese de denunciação da lide per saltum no processo.Em suma, é preciso analisar as duas disposições legais, não somente considerando o conflito normativo, como também pressupostos processuais que orientam a solução célere de conflito e ainda o novo tratamento à responsabilidade de indenizar do alienante perante o adquirente.

 

      1.            BREVE VISÃO SOBRE OS ARTIGOS 70, CAPUT, DO CPCE 456 DO CC: O ÔNUS ABSOLUTO DA DENUCIAÇÃO DA LIDE

 

De inicio, há que se considerar o entendimento pacífico na doutrina de que a redação legal do art. 70, caput, é defeituosa, uma vez que prescreve uma “obrigatoriedade”. A denunciação feita é um direito de ação, não podendo ser obrigatório, uma vez que exercer um direito é facultativo. Nesse sentido, Fredier Didier (2012, p.382) entende que é, “na verdade um ônus processual”.Contudo, há uma discussão relevante acerca, que sucinta a dúvida quanto à perda do direito de regresso, a “obrigatoriedade” de denunciar a lide para o exercício do direito de regresso, ou ainda se o direito de regresso só pode ser exercido por meio da denunciação da lide.

Necessário é, a priori, distinguir a “obrigatoriedade” quanto ao inciso I, posto que em relação aos demais incisos não hajaqualquer discussão[3]sobre aimposição do dever de denunciar a lide. Nery Junior e Rosa Nery entendem que “se não for feita a denunciação da lide na forma processual o adquirente não poderá mais exercer o direito decorrente da evicção[4]”. DIDIER (2012, p.374) nos fala, em síntese, a posição majoritária da doutrina quanto a “obrigatoriedade”: “Em síntese: o adquirente (evicto) deve, uma vez em litígio contra o evencente/evictor, denunciar a lide ao alienante, sob pena de perder a pretensão regressiva que surge da evicção”.

Contudo, esse entendimento não é cabível em todas as situações, pois a própria legislação processual[5] veda a denunciação da lide em alguns momentos. Caso em que o adquirente teria seu direito de regresso prejudicado pelo não exercício do mesmo. Nesse diapasão, demostra-se a necessidade de levar em consideração o art. 456[6], do CC,em caso de denunciação da lide para exercício de direito de evicção. Nesta, a contrario sensu, o direito material não se omite quanto à forma e o modo de obter a indenização.

A dificuldade e as divergências doutrinárias podem explicadas pelo fato da denunciação da lide ser um instituto novo ediferente do antigo chamamento ao processo, que “consiste no exercício antecipado da pretensão regressiva[7]”, ao passo que o chamamento é caracterizado apenas com a notificação do litígio. Outro ponto muito bem observado por DIDIER (2012,p.375) é que o art.456 reproduz o enunciado do art. 1.116 do CC-1916, momento este que não existia a denunciação da lide, provando-se pelo fato de que se fala em “notificação”.

De certo não há que se questionar que não promovendo a denunciação da lide, o adquirente assume o risco de não pleitear seu direito regressivo caso o alienante “demonstre que havia razões para impedir a derrota do adquirente e que a alienação foi boa e regular[8]”. Afora isso, entende-se aqui que não há que se falar em perda do direito de regresso e caso pudesse, a redação obsoleta do caput do art. 70, CPC “prestigiaria um possível enriquecimento ilícito do alienante a expensas do adquirente[9]”.

Por fim, é interessante expor a proposta encaminhada pelo deputado Ricardo Fiúza[10] já entendido da necessidade de adequação do dispositivo à realidade processual em se tratando da “obrigatoriedade” do art.70, pretendendo ainda, retirar o ônus da denunciação da lide para o direito de evicção, para objetivar o consenso de que nãose trata de um dever, e sim de um ônus absoluto:

Art. 456: Para o direito que da evicção lhe resulta, independe o evicto da denunciação da lide ao alienante, podendo fazê-la, se lhe parecer conveniente, pelos princípios da economia e da rapidez processual. (REsp 132.258, j. 06-12-1999, DJ de 17-04-2000; REsp 255.639, j. 24.04.2001, informativo do STJ 93).

                                           

      2.            DENUNCIAÇÃO DA LIDE COMO INSTRUMENTO ESSENCIAL AO DIREITO REGRESSIVO COM BASE NA EVICÇÃO

Como já fora anteriormente falado em que consiste a “obrigatoriedade”, encontrada no caput do art.70, do CPC, necessário se faz analisar o inciso I do mesmo artigo, uma vez que trata especificamente da evicção, objeto do estudo.O art. 456, do CC/02 regula os requisitos exigidos para que se possa exercer o direito de regresso. Dentre eles, a maior exigência, sem a qual não se viabiliza a ação a é de notificar o alienante, por meio da denunciação da lide, sem a qual, perde[11] o direito de pretender a ação reivindicatória exigida pelo seu direito de regresso. Sobre o assuntoFredie Didier Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier[12] nos ajudam a entender essa relação:

A conjugação das normas processual e material leva ao entendimento que, sendo o caso de responsabilização por evicção, é obrigatória a denunciação da lide pelo evicto.  O legislador utilizou a expressão “a fim de que esta possa exercer o direito que de evicção lhe resulte”, em que passa a idéia de condição. A conclusão é que nos casos em que se configura a hipótese normativa descrita no art.70, I do CPC, é obrigatória a denunciação da lide, sob pena de não se poder, por outra via, exercer a pretensão do regresso.

Superado esso, cabe também ressaltar que a referência feita pelo inciso I não importa cabimento apenas para ações reivindicatórias e sim “a todo aquele que adquirindo a título oneroso o domínio, a posse ou o uso da coisa, vem a perdê-los em ação própria por determinação judicial[13]”.Restando, portanto concluir que a par dos defeitos que se objetiva instrumentalizar a pretensão dereembolso advinda da evicção e que deve ser acabo pelo alienante:

A redação não é das melhores. O texto leva ao entendimento de que a denunciação somente pode ser feita pelo réu e apenas em ação reivindicatória, o que não é correto: quer porque o autor também pode promover denunciação (art.74 do CPC), quer porque ela também ocorre em ações declaratórias ou constitutivas (como as divisórias), em que se possa infirmar o direito de propriedade do adquirente que, por isso, deve denunciar a lide ao alienante – pense-se em ação declaratória proposta pelo adquirente em face de terceiro que questiona a sua propriedade. (DIDIER, 2012, p.378)

2.1.A POSSIBILIDADE DA DENUNCIAÇÃO DA LIDE PER SALTUM EM CASOS DE EVICÇÃO

 

No contexto apresentado, insere-se a inovação legislativa oriunda do art. 456 no que tange a notificação, uma vez que este, em contraposição ao que diz art.70, I do CPC, entende que não só é permitida a notificação pelo adquirente ao alienante imediato, “como a qualquer um dos anteriores”, ou seja, “pode o adquirente denunciar a lide a quem lhe vendeu ou a quem vendeu a quem lhe vendeu,etc.[14]” Este é, portanto, o conflito apresentado entre os dispositivos normativos: a possibilidade ou não da aplicação se denunciação da lide per saltum.

O sentido a ser extraído dessa mudança carece da forma de interpretação da relação entre os dispositivos, evaialém disso.Há quem entenda que continua prevalecendo o veto à denunciação per saltum, porque o novo Código Civil, no art. 456, teria recomendado observar-se o disposto nas leis de processo. Desse modo, e por óbvio, há divergências doutrinárias acerca do tema, sendo de extrema relevância suscitá-las a fim de que se entenda em que consiste essa novidade no âmbito da responsabilidade civil e que atinge diretamente o direito processual e mais, sob a ótica da instrumentalidade da pretensão, se é oportunaa aplicação do direito material na realidade processual[15].

Um dos pontos principais da discussão gira em torno da legitimidade da ultima pessoa a quem o adquirente pode notificar, pois concebendo essa inovação no âmbito do processo implica reconhecer a existência de uma legitimação extraordinária, ou seja, autorizar que a responsabilidade de uma pessoa recaia para outra, com quem o autor, adquirente, não teve nenhuma “relação jurídica de direito material subjacente que os una[16]”.

Diante de tal fato, surgiram diversos posicionamentos doutrináriosque nos auxiliam a enxergar os efeitos exatos da inovação sob várias perspectivas.  DIDIER (2012, p. 378), para ser mais preciso, divide em cinco as possíveis interpretações. Guilherme D’aguiar em sua monografia[17]para a obtenção do título de bacharel em Direito, explica em síntese no que consiste a discussão maior dos doutrinadores:

Cumpre ressaltar, desde logo, que as discussões surgidas estão, segundo a maioria dos doutrinadores, adstritas à hipótese de denunciação da lide prevista no art. 70, inciso I, do CPC., que disciplina o procedimento nos casos de evicção que, na clássica definição de Clóvis Beviláqua, consiste na “perda da coisa, por força da sentença judicial, que a atribui a outrem, por direito anterior ao contrato aquisitivo.

A priori, explanar-se-á as posições doutrinárias favoráveis à possibilidade da denunciação da lide. Tal entendimento é defendido por Nelson Nery Jr. E Rosa Nery[18], sob os quais admitem a possibilidade da denunciação da lide per saltum, por considerar o caso como uma hipótese de sub-rogação legal:

O CC autoriza o adquirente a denunciar a lide ao alienante imediato, com quem ele tem relação jurídica convencional, como também a qualquer outro alienante que conste na cadeia de alienação. Neste ultimo caso, ocorre o caso ocorre a denunciação da lide per saltum, por força da sub-rogação legal constante do CC 456: o adquirente se sub-roga nos direitos de qualquer dos demais adquirentes da cadeia de alienação no que tange ao exercimento dos direitos que decorrem da evicção.

Para Moniz Aragão[19], a denunciação da lide consagra uma possibilidade de denunciação da lide coletiva, “cujo alcance se daria, de uma só vez, sobre todos os integrantes da cadeia de transmissões do mesmo bem”[20] para que o processo seja mais eficaz a fim de evitar as dificuldades das denunciações sucessivas. Dessa forma, a inovação permitiria a possibilidade do adquirente denunciar a lide de uma só vez a todos que compusessem a cadeia sucessória.

Não destoa desse entendimento Scarpinella Bueno, que percebe que a analise de forma isolada do Código Civil dá a impressão imediata de que está aberta a possibilidade da denunciação da lide per saltum. Dessa forma, leciona[21]:

Para dar entendimento ao novo texto da lei material parece ser possível, a partir da vigência da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que a denunciação da lide não se dê, necessariamente e em qualquer caso, ao alienante imediato, de quem o denunciante adquiriu o bem ou direito questionado em juízo, mas a qualquer outro dos anteriores, independentemente da ordem das alienações no plano material.

Passe-se a ser admitida, pois, uma verdadeira ‘denunciação da lide per saltum’ criando, a lei material, a possibilidade de o adquirente litigar em juízo diretamente com pessoas com quem não teve ou não tem qualquer relação jurídica. É dizer, por outras palavras: o novo art.456 do Código Civil cria uma nova espécie de legitimação extraordinária para fins de denunciação da lide.

Sobre a doutrina contrária, entende-se que a alteração por si só não abre espaço para essa novidade de denunciação “por saltos” porque o caput do artigo referido (456, do CC) não muda o dever do alienante de notificar o denunciado quando e como “lhe determinarem as leis do processo”, ou seja, não é cabível por força das regras processuais. Assim, destaca-se a idéia sugerida por Yarshall, que entende que esta nova regra deve ser compreendida como a exata consagração na legislação da possibilidade de denunciação sucessiva prevista o art. 73 do CPC. Não aceita o reconhecimentoda possibilidade de uma denunciação per saltum, que permitiria que o alienante, provavelmente aquele que tivesse maior capacidade econômica, pudesse responder por diferentes indenizações, de diferentes adquirentes[22]. Nesse ponto é correto ressaltar a afronta ao artigo 6º[23] do Código de Processo Civil.

Ainda entendendo essa possibilidade como inócua, Alexandre Freitas Câmara nos diz que o Código Civil estaria permitindo a denunciação da lide per saltum se isoladamente fosse interpretado. Assim, a legislação civil estaria permitindo uma espécie de legitimação extraordinária, que forçaria o adquirentedemandar em face de sujeito de relação jurídica distinta, anterior a sua[24]. Ou seja, interpretar essa mudança de acordo com o que ela mesma preceitua implica a observância do art.73 do CPC, que admite que as denunciações devam ser feitas sucessivamente, e não “per saltum”.

Para o citado autor considerar a possibilidade da denunciação da lide per saltum é uma interpretação apressada, pois admite que se firme a responsabilidade de uma pessoa perante outra que não tem qualquer relação jurídica. Novamente recaindo na não possibilidade dessa legitimação extraordinária, já que a lei diz que pode denunciar ao alienante imediato bem como aos anteriores, desde que siga as leis do processo civil, ou seja, observância ao art.73 do CPC.

Eis a síntese sobre os posicionamentos doutrinários dos ilustres mestres processualistas acerca tema que é, em grande medida, admitida, interpretada em máximo proveito a inovação legislativa e abolida, no sentido de que essa inovação não teria nenhum efeito com relação à denunciação da lide, uma vez que o próprio art.456 do CC determina obediência às leis do processo, o qual inadmite a “denunciação por saltos”.

Em suma, grande parte da discussão gira em torno da aceitação da legitimação extraordinária, que é o que acontece inevitavelmente quando se aceita a hipótese “por saltos”. Nesse ponto Dinamarco esclarece:

Não há como não querer entenderque a lei civil acabou por criar um caso de legitimação extraordinária para fins de denunciação da lide nos casos de evicção. No sentido de que a condenação pelaprocedência da ação de denunciação e, oportunamente, sua execução, se dêemindependentemente das relações jurídicas materiais entre denunciante e denunciado. Não hácomo negar que o caso é de litigar em nome próprio também por um direito que não lhepertence[25].

Ou seja, gera um conflito entre o próprio artigo 6º do CPC, que veda a hipótese de alguém pleitear direito alheio em nome próprio, com a busca incessante pela celeridade do processo advinda da EC 45/2004, visto que seria facilitada pela admissibilidade da denunciação “por saltos”, e ainda, prezar-se-ia pela economia processual.

      3.             O POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DIANTE DA QUESTÃO

A fim de corroborar o entendimento evidencia-se o entendimento do STJ, corte apropriada para julgar a matéria, devido ao caráter iminentemente infraconstitucional da matéria. Em jurisprudências mais antigas observa-se grande resistência a aceitação da possibilidade da denunciação da lide per saltum. Assim, para resolução os tribunais “utilizavam de normas infraconstitucionais, ora socorriam-se de normas constitucionais para descartá-la[26]”. Como é possível observar nas ementas baixo:

Ementa: agravo de instrumento. Denunciação a lide. Alienações sucessivas de veiculo furtado. De regra somente se admite uma única denunciação para evitar que se gere o tumulto processual. Inviável promover-se um salto para se buscar o primitivo alienante, quebrando-se a corrente causal. Agravo desprovido. (agravo de instrumento nº 595197963, sexta câmara cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Décio Antônio Erpen, julgado em 14/05/1996)

EMENTA: - Competência. Ação ordinária de indenização contra a União Federal e a FUNAI. 2. Parque Nacional do Xingu. 3. Desapropriação indireta. 4. Denunciação da lide ao Estado-membro que vendeu o imóvel. Código de Processo Civil, art. 70. Hipótese em que os autores adquiriram o imóvel do Estado-membro. 5. A denunciação da lide não se faz per saltum. O STF, em casos semelhantes, não tem admitido a denunciação da lide ao Estado-membro e, conseqüentemente, afirma sua incompetência para processar e julgar, originariamente, a ação proposta. (ACO 305 QO, Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA, Tribunal Pleno, julgado em 07/10/1999, DJ 29-09-2000 PP-00069 EMENT VOL-02006-01 PP-00001) (grifo nosso)

Entretanto, os Ministros Ruy Rosado de Aguiar e Ari Pargendler, ambos membros do Superior Tribunal de Justiça, editaram o enunciado de nº 29 na III Jornada  que  admiteque “a interpretação do art. 456 do novo Código Civil permite ao evicto a denunciação direta de qualquer dos responsáveis pelo vício[27]”. Ademais, é possível encontrar jurisprudência que sirva como base para a admissão da denunciação da lide “coletiva”. É o caso do REsp 4589-PR, relatado pelo min. Athos Gusmão[28]:

DENUNCIAÇÃO DA LIDE. MANDATO IN REM PROPRIAM. RESPONSABILIDADE DOS MANDATÁRIOS E SEUS CESSIONÁRIOS PELOS RISCOS DA EVICÇÃO. (..) Configuração do mandado em causa própria como como negócio oneroso, com transmissão da posse e consequente responsabilidade do transmitente pelos riscos da evicção. Artigos 70, I do Código de processo civil e 1.107 e 1.073 do Código Civil. Admissibilidade da denunciação ‘coletiva’, com chamamento conjunto e não ‘sucessivo’ dos vários antecessores na cadeia de proprietários ou possuidores. ( REsp 4589/PR – rel. para o acórdão Min. Athos Carneiro – dj 30.03.1992)

Poucos são os julgados acerca do tema, contudo, com base nas jurisprudências apesentadas percebe-se a não consolidação de um entendimento homogêneo, evidenciando que os debates entre os estudiosos do assunto repercutem também nas Cortes de julgamento. Aguarda-se, portanto por uma manifestação do STF diante da modificação da legislação civil, apesar do que já fora suscitado: que se trata de matéria infraconstitucional, que dificilmente chega a ser conhecida pelo Supremo.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, considera-se que a perda do ônus absoluto em casos de denunciação da lide para o exercício do direito do evicto não pode entender senão que a interpretação conjunta dos dispositivos normativos leva a possibilidade de uma denunciação da lide coletiva para questões que envolvam evicção. Fundamenta-se no fato de que as leis devem sempre ser interpretadas visando à finalidade para a qual foi criada, além da necessidade de observar a instrumentalidade e o modelo constitucional de processo vigente. Sobre a afirmação:

É vaga e pouco acrescenta ao conhecimento do processo a usual afirmação de que ele é um instrumento, enquanto não acompanhada da indicação dos objetivos a serem alcançados mediante o seu emprego. Todo instrumento, como tal, é meio; e todo meio só é tal e se legitima em função dos fins a que se destina. O raciocínio teleológico há de incluir então, necessariamente, a fixação do escopos do processo, ou seja, dos propósitos norteadores da sua instituição e das condutas dos agentes estatais que o utilizam. (...)Fixar os escopos do processo equivale, ainda, a revelar o grau de sua utilidade. Trata-se de instituição humana, imposta pelo estado, e a sua legitimidade há de estar apoiada não só na capacidade de realizar objetivos, mas igualmente no modo como estes são recebidos e sentidos pela sociedade[29].

Nada obstante, não basta a busca pelo mais correto, é preciso a busca pelo mais benéfico ao processo, visto hoje se difunde um pensamento ligado “diretamente na instrumentalidade do sistema processual à ordem social econômica e politica representada pela Constituição a leis ordinárias[30]” para que se obtenha a máxima utilidade possível. Assim, considera-se possível que em questões de evicção, o alienante nem mesmo seja notificado, que fique a critério do adquirente.

Ademais, percebe-se que a concepção de denunciação coletiva, já existe há algum tempo, está de acordo com os princípios legais, e ainda soluciona os pontos problemáticos do artigo 73[31] do CPC que versa sobre a denunciação da lide sucessiva, onde se permite “a denunciação sucessiva da lide, por aqueles a quem a lide já fora denunciada[32]”.Autorizando a notificação a lei consagra a tese do Superior Tribunal de Justiça já supra citada da posição da “denunciação da lide coletiva”

Quanto à questão da legitimação extraordinária, verifica-se a possibilidade de exercício do direito de evicção aindaque não tenha figurado nenhum negócio imediato, com fundamento no fato de que essa excepcionalidade provém da vontade da lei, sendo assim, não há motivo para que a doutrina recuse.

Resta claro observar que as denunciações sucessivas previstas no art. 73 do CPC poderão ser feitas coletivamente, requeridas em conjunto, de forma a abreviar o processo e ainda, melhor assegurando o êxito da demanda, evitando a denunciações sucessivas desnecessárias. Sendo assim, esta parece ser a melhor e mais adequada interpretação para o novo texto do Art. 456 do Código Civil, ressaltando que esta deve ser feita sempre de forma ampliativa e nunca restritiva, caso contrário não há nenhum ganho nessa análise.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

 

 

BUENO, Cássio Scarpinella. A denunciação da lide e o art. 456 do novo código civil. <http://www.scarpinellabueno.com.br/Textos/Denuncia%C3%A7%C3%A3o%20da%20lide%20_Arruda%20Alvim_.pdf> Acesso em 12 mai2012

 

CAMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Pocessual Civil, vol. I. 16ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2007.

D’AGUIAR, Guilherme. Denunciação da lide ‘per saltum.  PontificiaUniverdade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2005. Disponível em: <http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/10110/10110.PDF> Acesso em 10 mai 2012

DIDIER JR. Fredier. Curso de Direito Processual Civil, vol.1. 13ª Ed. Bahia: Ed PODIVM

DIDIER JR. Fredier, Walbier, Teresa Arruda Alvim. Aspectos polêmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil e assuntos afins. São Paulo: Ed. Revistas dos Tribunais, 2004.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 13. Ed. Malheiros Editores: São Paulo, 2008

NERY, Jr., Nelson, NERY, Rosa. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 8 ed. São Paulo: RT, 2004

THEODORO JR., Humberto. Novidades no campo da intervenção de terceiros no processo civil: a denunciação da lide “per saltum” (ação direta) e o chamamento ao processo da seguradora na ação de responsabilidade civil. Disponível em: <http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235067126174218181901.pdf> Acesso em 12 mai 2012


[1]Artigo científico apresentado à disciplina de Processo de Conhecimento I do 4° período noturno do curso de Direito

[2] Aluna do 4° Período Noturno do curso de Direito

[3] Segundo DIDIER (2012, p. 374) a não denunciação da lide no caso dos incisos II e III do art. 70 do CPC implica a perda da oportunidade de ver o direito regressivo apreciado no mesmo processo, sendo permitido, então, demanda autônoma para o exercício da pretensão do ressarcimento.

[4]NERY, Jr., Nelson, NERY, Rosa.Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 8 ed. São Paulo: RT, 2004, p.245

[5] É o que acontece no âmbito dos juizados especiais (Didier, 2012, p. 375)

[6] Art. 456 do Código Civil: Para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato ou qualquer dos anteriores, quando e como determinarem as leis do processo.

[7] DIDIER JR. Fredier. Curso de Direito Processual Civil, vol.1. 13ª Ed. Bahia: Ed PODIVM. (2012, p. 375)

[8]DIDIER Op Cit. APUD YARSHELL, FlavioLuiz. “três temas de direito processual no âmbito do direito das obrigações e dos contratos”

[9]DIDIER Op. Cit. APUD YARSHELL, Flávio Luiz. Três temas de direito processual civil o âmbito do direito das obrigações e dos contratos.

[10] Projeto de Lei 6.960/2002

[11] Perda relacionada somente à possibilidade de intervenção de terceiros

[12] DIDIER, Fredier Jr, WANBIER, Teresa Arruda Alvim. Aspectos polêmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil e assuntos afins.

[13] DIDIER (2012,p. 377)

[14] DIDIER (2012, p. 378)

[15] Percebe-se a necessidade de aproximação do direito materialao processual no parágrafo único do art. 456, no sentido de pretender uma realização concreta de aplicação do direito material no processo, uma vez que preceitua não somente a possibilidade responsabilidade “por salto”, mas prevê uma facilitação na aplicação, nos termos: (..) pode o adquirente deixar de oferecer contestação, ou deixar de usar recursos.”

[16]BUENO, Cássio Scarpinella. A denunciação da lide e o artigo 456 do novo Código Civil. p.10 Disponível em:<http://www.scarpinellabueno.com.br/Textos/Denuncia%C3%A7%C3%A3o%20da%20lide%20_Arruda%20Alvim_.pdf>

[17]Denunciação da Lide ‘Per Saltum.  Disponível em: http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/10110/10110.PDF

[18] NERY, Jr., Nelson, NERY, Rosa.Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 8 ed. São Paulo: RT, 2004, p.499

[19]DIDIER Op. cit. APUD ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz de. “Sobre o chamamento à autoria” Revista AJURIS. Porto Alegre: AJURIS, 1982, n. 25, p-40-45.

[20]Disponivel em: <http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235067126174218181901.pdf>

[21]DIDIER JR. Fredier, Walbier, Teresa Arruda Alvim. Aspectos polêmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil e assuntos afins. São Paulo: Ed. Revistas dos Tribunais, 2004.

[22] DIDIER (P. 379)

[23] Art. 6º do CPC: Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.

[24] ASPECTOS POLEMICOS APUD DIREITO PROCESSUAL

[25]DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 13. Ed. Malheiros Editores: São Paulo, 2008.p.20

[26]D’AGUIAR, Guilherme. Op. Cit. p. 43

[27]http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IIIJornada.pdf. Evidencia a tendência da corte para a admissão da possibilidade.

[28]Disponível em: <http://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/ita/abreDocumento.jsp?num_registro=199000079870&dt_publicacao=30-03-1992&xod_tipo_documento=>

[29] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 13. Ed. Malheiros Editores: São Paulo, 2008. p 177

[30] Idem, p. 29.

[31]Art. 73, do CPC: Para os fins do disposto no art. 70, o denunciante, por sua vez, intimará do litígio o alienante, o proprietário, o possuidor indireto ou o responsável pela indenização e assim, sucessivamente, observando-se quanto aos prazos.

[32]Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. Op. Cit. p. 252