MODELO DE REGRAS E OS CASOS CONTROVERSOS (Hard Case)[1]

Michael Otsuka Sousa da Silva[2]

INTRODUÇÃO

 

Uma terminologia pouco corriqueira, todavia especial ao nosso labor, Hard case é a definição que Ronald Dworkin propõe ao divagar por entre a filosofia do direito e o direito Constitucional (sobretudo em ordenamentos de Common Law). Marca, portanto, da literatura do referido autor em que põe à vista situações jurídicas complexas, em que não é a mera disposição de leis (regras) do ordenamento positivado que suprirá demandas deste quilate.

Assim a partir da constatação de fenômenos jurídicos difíceis passa indagar e ao mesmo compasso tentar responder acerca de um modo eficiente de julgar nestas situações. Para tanto insiste na construção de uma crítica ao modelo de regras do positivismo[3].

Os casos difíceis são nada menos que acontecimentos humanos reais que por um motivo ou outro escapam da égide de uma norma jurídica específica. Assim uma norma jurídica não consegue amparar determinado fato, como se pode extrair do seguinte exemplo, grosso modo: o código penal brasileiro proíbe e criminaliza o aborto, salvo raras exceções como aquela da modalidade terapêutica ou da gravidez decorrente de estupro. Assim, se você pratica aborto fatalmente culminará num crime.

Veja-se mais ainda, por amostra, eventualmente alguma mulher tem ciência que irá parir um bebê anencéfalo não podendo interromper a gravidez sob a justificativa de incorrer num crime, visto que não se amolda como permissão para interrupção prematura, seja na modalidade terapêutica ou outra exceção. Nesta senda, a interrupção de gravidez de anencéfalo não estaria amparada por norma específica [aborto permitido], qual superficialmente poder-se-ia assegurar que faça parte de uma espécie do gênero que é o segundo, porém, por mera especulação já que não excetuado como acontece com a modalidade terapêutica, p.ex..

Entretanto há que se suscitar que a justificação da norma existente não consiste na mesma que proíba ou consinta com a interrupção de gravidez em caso de anencefalia, justo porque a primeira se dá com intuito de preservar a vida do nascituro, isso dá analise inclusive topográfica da tipificação nos crimes contra a vida, todavia aquele malformado do caso especial (anencefalia) não conta com tal expectativa no entendimento médico (essa é uma discussão de outra amplitude, por isso mesmo incabível prolongar aqui).

Portanto o aborto de que trata a norma penal não alcançaria os casos de anencefalia, alcançando tão somente os bebês com expectativa vital, o que faz com que o caso seja tratado com outros padrões jurídicos que não a mera norma positiva puramente considerada do Código Penal.

Deste modo o direito positivado não consegue ter uma resposta suficiente para a questão, por que não está claro na norma que se aja de certa maneira quando se estiver perante tal situação, existe uma conduta indicada, porém a situação apenas mostra semelhança e não identidade com outra, o que não assegura em nada o modo de agir daqueles que se deparam com embaraços, só uma aparente e insegura possibilidade de agir ou não.

            Posto a gravidade do assunto e a necessidade de resolvê-lo devido a inexistência de regra que permita ou proíba interrupção de gravidez nestes casos [o dito “aborto” de anencéfalo], levou-se à Suprema Corte nacional o caso para que determinasse a possibilidade ou não de retirada do feto de uma forma assegurada juridicamente[4].

            Esse é apenas um exemplo particular de uma demanda jurídica complexa e controversa que escapa, prima facie [talvez aparentemente], do modelo legal preestabelecido.

O mister Ronald Dworkin atento ao modelo positivista de conceber o direito, pois como um modelo pronto de regras, critica a forma de decidir casos difíceis proposta pelos positivistas, pois em deferência ao poder discricionário, nisto indicando que para além das regras existem outros padrões jurídicos, que não as regras, legítimos a serem convocados e observados por juízes e tribunais quando da ocasião de julgamento dos casos difíceis.

O MODELO POSITIVISTA

 

            De um modo geral a sociedade se agarra aos conceitos de direito e obrigação jurídica para justificar sua conduta e a conduta do outro, fincando nestes conceitos a possibilidade de punir e reivindicar deveres, mais precisamente, coagir. Há quem mencione, em termos teóricos, a insuficiência destes conceitos para abandoná-los e desprezá-los in concreto já que não passariam de quimeras[5].

            A tentativa de disseminar a desnecessidade dos conceitos de obrigação e direito restou infrutífera, muito porque se trata de uma prática enraizada e solidificada historicamente. Essa interseção não passa de ataque à teoria mecânica do direito, para Dworkin[6].

            O que realmente popularizou-se e passou a fazer parte do cotidiano de juristas foi a denominada teoria positivista, cujo arauto na tradição anglo-saxônica foi especialmente Austin, embora Dworkin o infirme com “alguma imprecisão histórica”. Ademais, embora a referência primeira ao positivismo seja atribuída a Austin, a critica ao modelo positivista, por Dworkin, se desloca à formulação “elegante e clara” do positivismo hartiniano[7].

            Para o catedrático de Harvard, o positivismo jurídico tem uma estrutura bem própria e cujos pressupostos são a existência de regras previamente estabelecidas que visem regular as relações mais diversas a serem identificadas pelo critério do pedigree; a autoridade pública que tem o condão de esclarecer a aplicação da regra e na ausência da regra decidir para além da regra e do próprio direito, entretanto, formulando uma obrigação; e mais, o exercício da discrição pelos juízes como forma de resolver casos controversos[8].

            No que tange à identificação da regra a ser aplicada, porque válida ao caso demandado à autoridade pública apta a dar solução, é que pairam as primeiras discordâncias nas formas de decidir pela autoridade e, portanto, em influência direta ao que se denomina discricionariedade. Mas não apressa-se o passo.

            Na estrutura de regras de Austin, a determinação de regras compete ao soberano que tem o poder de definir o direito através de mandamentos gerais, que caso não sejam cumpridos legitimam o uso da força para fazê-lo. O teste do pedigree resume-se ao fato de aceitar a ordem oriunda de alguém revestido de autoridade/força para tanto[9].

            Por serem imprecisas e generalistas, as ordens soberanas, compete, então, aos auxiliares do soberano, o poder/dever de esclarecê-las e aplicá-las, ou mesmo decidir com discrição acaso inexistam ordens sobre determinada situação, cabendo ao soberano revogar suas leis, alterá-las ou mesmo aceitar a formulação dos auxiliares[10].

            Fazendo um corte, a título de exemplo, nos primórdios da formação jurídica no Brasil, depara-se com a simplicidade do sistema assim como preconiza Austin nas lições de Dworkin, pois lá as ordenações (sejam afonsinas, manuelinas ou filipinas) faziam as vezes dos mandamentos do soberano, e aos auxiliares cabia aplicá-las na colônia, isso quando se instalou o sistema de governo geral, porquanto à época das capitanias hereditárias todo o sistema resumia-se ao dono da extensão territorial denominado donatário.

            Desta feita, cumpre mencionar os efeitos colaterais desta simplicidade num ambiente social cuja complexidade[11] é a tônica.

            Acreditar que uma ordem emanada de um soberano é o próprio direito e a desobediência a tal regra - não por mera rebeldia sem causa, mas por que, p.ex., o conselho moral e, portanto individualmente considerado, se contrapõe ao modelo moral do outro indivíduo – dá legitimidade à imposição da força para o cumprimento do modelo jurídico individualmente construído, tudo porque se credita a alguém uma “soberania”, não é tão diferente de acreditar que o uso da força por um “gângster” também é direito, quando acredita este praticar um direito à extorsão, p.ex., e impinge a força para que isso seja concretizado acaso o outro lhe negue o direito, porque não se acha num dever legítimo e talvez ceda somente pelo medo[12].

            Mais uma vez entrecortando a formação jurídica nacional pode-se perceber a dificuldade de justiça no direito posto pelo soberano nos idos coloniais, assim como a crítica lançada ao modelo reduzido que constrói Austin.

            Perceba-se a questão indígena, v.g., instalou-se um soberano e seu modelo de regras no território nacional (oriundo de Portugal), dentre as quais, a possibilidade de escravizar indígenas e de lhes tomar as terras, bem como “catequizá-los” e “civiliza-los”. Neste ínterim, a desobediência e inobservância a tais regras estabelecidas pelo soberano, resulta quase que automaticamente na imputação do direito, ao soberano e a seus auxiliares, de imprimir a força para fazer prevalecer o seu direito de escravizar, explorar e impor a cristandade.

Portanto, há o destaque da legitimidade jurídica pela força exterior. O que não parece justo numa análise contemporânea de direito e intima de justiça.

            Muito embora a força não tenha sido física tão somente, ajuda a entender o desmando para com os indígenas durante séculos de exploração, a literatura por si, como se depreende dos escritos de Guevara, acerca da exploração indígena na América espanhola:

A esplêndida antiga capital do Império Inca manteve muito de seu brilho durante séculos, por pura inércia. Novos homens aproveitavam suas riquezas, porém as riquezas eram as mesmas. Durante algum tempo, elas não foram simplesmente mantidas, mas aumentaram graças às minas de ouro e de prata que foram abertas na região. A diferença é que Cuzco não era mais o centro do mundo, e sim mais um ponto de periferia como qualquer outro; seus tesouros emigravam para novos lugares do outro lado do oceano para adornar outra corte imperial. Os índios não mais trabalhavam a terra barrenta com a mesma devoção e os conquistadores com certeza não tinham vindo para arrancar seu sustento da terra, tinham vindo para fazer fortuna fácil por meio de feitos heroicos ou de pura mesquinharia. (...) Ainda que nenhum cataclisma tenha marcado a transição, a reluzente capital Inca gradualmente se tornou o que é agora, uma relíquia de dias há muito passados[13].

Esta descrição acima revela a impressão de Ernesto Che Guevara quando resolvendo viajar pela América do sul se deparou com as mazelas enfrentadas pelo povo nativo em consequência do desbravamento propiciado por povos estranhos (nesse caso os espanhóis foram os promotores da colonização). Retrata bem a legitimidade do Estado espanhol nas terras para além do atlântico qual encontra respaldo na força exploratória que impuseram para declarar como seu o domínio do território alheio. Em miúdos, relata a superposição de um império por outro de forma forçosa.

            A filosofia também pode ser elencada para criticar a simplicidade do modelo de Austin, a insuficiência nos primórdios do direito brasileiro e o descalabro na questão indígena, para tanto as palavras de Rousseau são providenciais:

O mais forte nunca é bastante forte para ser sempre o senhor se não transformar sua força em direito e a obediência em dever. Daí o direito do mais forte; direito dado aparentemente como ironia e, na realidade, estabelecido como princípio. Mas será que nunca nos explicarão essa palavra? A força é um poder físico, não vejo que moralidade possa resultar de seus efeitos. Ceder à força é um ato de prudência. (...) Digamos que um bandido surpreende-me num bosque: devo não apenas por força dar-lhe a bolsa, mas também, mesmo que pudesse subtraí-la, estou obrigado por consciência a dá-la, pois afinal a pistola que ele segura é igualmente um poder. (...) Convenhamos, portanto, que a força não faz direito e que somos obrigados a obedecer apenas aos poderosos legítimos[14].

 É de se saber que não há força legítima sem a conquista de direitos, a força deve ser convertida em direito para que então se lhe considere válida e factível. Deste modo, se é de direito que se fala como escora para uma sociedade para além da barbárie, tem-se o direito como elemento cultural do homem capaz de orientar a sociedade à harmonia e paz, e para isto é preciso ir além das ordens de um soberano, sob o risco de uma sociedade complexa sofrer com deveres ilegítimos tal quais as ordens de um “gangster”.

            Cessadas as divagações por campos não jurídicos, se é que cabe inferir, Dworkin ainda completa dizendo que “talvez nossos sentimentos que atribuem uma autoridade especial ao direito, estejam baseados em alguma forma de auto-ilusão coletiva[15]”. E essa esperança no direito é que incentiva a busca por um modelo mais bem acabado, porque, embora “Austin não o demonstra (...) nós estamos autorizados a insistir em que uma análise de nosso conceito de direito reconheça e explique nossas atitudes ou mostre porque elas estão equivocadas[16]”.

            Passa-se então ao ataque deliberado ao modelo positivista de H.L.A. Hart.

            O teste de reconhecimento (pedigree) da regra jurídica por Hart é bem mais elaborado que o teste mencionado por Austin. Para Hart, no sentido que entende Dworkin, não se trata de apenas obedecer ao que determina um soberano, estabelece uma distinção entre ser compelido e ser obrigado. Isto posto, realça que a regra deve ser revestida de autoridade, e não somente da força, sendo esta “(...) a diferença de uma lei válida e as ordens de um pistoleiro[17]”.

            Mas não seria o soberano uma autoridade? Pode ser que sim, mas isso não é precisamente o que pensava Hart, pois a autoridade não é algo frio e instantâneo, mas sim algo que nasce da aceitação ou promulgação.

            Nas palavras de Dworkin, “Portanto, podemos registrar a distinção fundamental de Hart da seguinte maneira: uma regra pode ser obrigatória (a)porque é aceita ou (b) porque é válida[18]”.

            As regras aceitas são aquelas cujo costume impõe, as práticas sociais per si determinam as condutas, e deste modo aqueles que praticam certa conduta sob a perspectiva de aceitá-las como uma regra acabam legitimando a regra como instrumento jurídico. De outra banda, as regras são validas porque as regras que determinam sua existência foram observadas, assim a sociedade estipula a forma de criar regras e identificá-las.

Para tanto, aqui emerge o contributo de Hart com relação à regra de reconhecimento, porquanto as sociedades mais simples apenas contemplam em geral regras primárias de aceitação, enquanto as sociedades mais complexas determinam a forma de identificar essas regras, chamadas de regras secundárias[19], que podem ser “relativamente simples (o que o rei decreta é lei) ou pode ser muito complexa (A Constituição dos Estados Unidos, com todas suas dificuldades de interpretação, pode ser considerada como uma única regra de reconhecimento)[20]”.

            A regra de reconhecimento, por seu turno, não pode ser ela mesma válida, devendo ser necessariamente “aceita”, sendo assim, não há mecanismo para identificar a regra de reconhecimento fundamental[21]. Por exemplo, a Constituição Federal do Brasil de 1988, pode ser a regra de reconhecimento fundamental nos termos dispostos por Dworkin sobre o modelo de Hart, todavia não é possível afirmar a validade para além da constituição, senão em campos bastante vastos que eventualmente adquirem e justificam-se em múltiplos mitos fundacionais[22].

            A primeira das Constituições Republicanas no Brasil, por exemplo, não trouxe o respeito às diferenças étnicas que existiam no país, cita-se, sobremaneira, a questão indígena. Muito embora tenha sido aceita (inclusive tida por válida, conforme os critérios contestáveis do passado) e possa ser também admitida como a regra de reconhecimento do modelo de regras naqueles idos. Todavia, essa regra fundamental não justificava de modo diferente do modelo rustico nos idos coloniais o quesito indígena, porquanto fora indiferente no trato, deixando prevalecer as mesmas forças de poder que por séculos sobrepujaram os nativos, sobremodo as forças econômicas agrárias.

            Mesmo em 1967, a constituição anterior a atual, cuja mutação estimulada se dá com a emenda de 1969, não havia um reconhecimento da diferença étnica, ainda que já se tivesse formalmente em âmbito constitucional, o direito a posse sobre as terras. Tempos nos quais estatuiu-se regras sobre os indígenas, pois sobressaiu-se a Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio), em que prevalecera a diminuição da figura indígena que necessariamente caminharia para uma civilidade e que merecera portanto a tutela pela União para tanto. 

            Nesta senda, num nível diverso, a aceitação do modelo de regras e de uma regra fundamental como regra de reconhecimento, por mais que seja válida não representa o direito por completo. Prova disso é a emersão do direito étnico na sucessão Constituinte de 1988, que do mesmo modo pode até não ser a própria manifestação do direito na sua completude e perfeição buscados em teoria, mas é um instrumento a mão dos operadores jurídicos dos mais modernos e que representa um estuário de aspirações dos mais diversos setores sociais, que por anos foram esquecidos no país, tal qual o indígena.  

            Embora o modelo de Hart seja mais complexo om relação ao teste do reconhecimento, ambos “são muito similares”. Neste sentido, acabam reconhecendo que “as regras jurídicas possuem limites imprecisos” e concordam que os “juízes têm e exercitam poder discricionário” para decidir “casos problemáticos”[23].

 

PADRÕES JURÍDICOS: REGRAS E PRINCÍPIOS

            Os juízes ao decidirem casos difíceis devem, por vez, extrapolar as regras em observância a padrões jurídicos diversos. A tese defendida por Dworkin opina que se valha de princípios dentre esses padrões jurídicos quais demonstram bem-vindos à argumentação decisória. Deste modo a iminência de identificar o que seja estes princípios é providencial, para tanto o doutrinador estadunidense estipula algumas formas de fazer essa dissecação, em geral, por meio de comparação, distinguindo de outros objetos, como o faz com as regras e as políticas[24].

            Em muitas oportunidades no decorrer da academia e do estudo científico estar-se diante da terminologia “principio” - em livros de teoria geral das diversas disciplinas componentes da ciência do direito: teoria geral do processo, teoria do direito privado, por citar; a priori firmando uma concepção de princípios como base elementar das disciplinas e consequentemente do direito em si, indicados para tanto pela teoria geral.

            Nesse esteio, Dworkin contempla os princípios mencionando que “Os professores de direito os ensinam, os livros de direito os citam e os historiadores, os celebram. Mas eles parecem atuar de maneira mais vigorosa, com toda sua força, em questões judiciais difíceis”[25].

Assim é que, para melhor compreender o que são esses princípios citados, separa-se, com auxilio dos critérios de distinção colocados por Dworkin, especialmente as regras dos princípios, bem como princípios de políticas.

No capítulo 02 da obra “Levando os direitos a sério” acaba o autor tratando princípio de uma forma geral para designar tanto política quanto princípio, sendo política especificamente “aquele tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade”, diferenciando-se de princípio que é “um padrão [a ser] observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação, econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade[26]”.

 

Diferenças entre regras e princípios

A primeira didática dworkiniana aponta a uma distinção entre regras e princípios segundo o critério da sua aplicação em situações específicas, onde primeiro: as regras observam o resultado “tudo ou nada”, ou seja, quando contemplada situação fática pelos juízes, estes devem, por conseguinte, verificar se o dispositivo jurídico (regra) aplica-se ou não ao caso, mais ainda, não podendo estas funcionar de outra forma ao caso em questão.

Ilustra a afirmação do ‘tudo ou nada’ o exemplo da regra, é bem verdade sob regime diferente do jurídico, para melhor assemelhar ao leitor de “Levando os Direitos a Sério”, como proposto pelo autor nas condutas de um jogo de baseball, em que três faltas cometidas pelo batedor implicam na sua eliminação do jogo. Assim, o árbitro da partida não poderá permitir que o batedor prossiga jogando quando infere em tal infração, qual seja do cometimento de triplo número de faltas. De outra parte continua no jogo aquele batedor que não implique em três faltas[27].

Outrossim, Dworkin complica um pouco a questão suscitando a possibilidade de o pegador deixar cair a bola quando porventura o batedor pratique a terceira falta, para tanto, há uma outra regra no baseball que versa a não eliminação do batedor quando ao cometer a terceira falta o pegador deixe de pegar a bola – a deixe cair, permissão portanto para prosseguir na partida – sendo esta mais uma característica do objeto em comento “regra”, nos termos propostos pelo jusfilósofo anglo-saxão: já que é da natureza da regra que seja excepcionada (sim, toda regra tem potencial para ser excepcionada). Ademais, a regra é verdadeiramente enunciada quanto mais evidente suas exceções, ainda que seja improvável a disposição de todas as exceções atinentes[28].

Diz o autor que “A regra pode ter exceções, mais se tiver, será impreciso e incompleto simplesmente enunciar a regra, sem enumerar as exceções. Pelo menos em teoria, todas as exceções podem ser arroladas e quanto mais o forem, mais completo será o enunciado da regra”[29].

Em complemento ainda confirma o professor estadunidense, ao tratar-se de regra, a sua aplicação ao caso concreto ou é válida ou não é, duas regras com finalidades diversas não podem subsistir no mesmo caso, portanto duas regras em conflito, devendo uma ser considerada inválida, quando houver aplicação da outra[30].

O outro lado do ensinamento, que toca aos “princípios”, nesta didática levantada pelo autor norte-americano, demonstra que estes, ao contrário das regras, não seguem o resultado ‘tudo ou nada’ pertinente aquelas, que quando na sua contemplação como padrão pode ou não ser aplicado a uma situação fática qualquer, além disso, a subsunção de um fato a certo principio não garante a imediata aplicabilidade ao caso e nem a sua inaplicabilidade, servindo porquanto como utensílio de argumento meramente indicativo, para tanto exemplifica o principio - segundo nenhum homem pode obter benefício em decorrência de atos ilícitos, e logo após informa que existem, todavia, possibilidades de obter benefício decorrente dos mesmos, porém, estas não se apresentam como exceções, porque as situações potencialmente excepcionais, em verdade são impassíveis de antecipação e em nada contribuiriam para melhor esclarecer ao principio, no sentido de completar o seu enunciado, como acontece com as exceções da regra[31].

            Essa primeira marca discriminatória de regras e princípios, ‘tudo ou nada’ e argumento indicativo, dá ensejo para a outra importante marca, qual seja da dimensão dos princípios quando “intercruzam” com outra gama de princípios, ou seja, quando princípios colidem com princípios, aí é de se sondar a importância de um principio ante outro padrão da mesma estirpe, a situação é que informará as potencialidades de uns dados princípios em detrimento de outros, quando no caso das regras ter-se-ão critérios pré-estabelecidos, que no geral, resumem-se na validez ou não de uma regra ante o fato. Assim os princípios adversários, em casos difíceis, são de mesmo modo válidos, entretanto, mais ou menos importantes por conta do todo em que estão inseridos[32].

            Outro ponto interessante, a saber, acerca de princípios é que nem tudo aquilo que utiliza-se por princípio em diversas situações vem a ser princípio de direito para os positivistas, que os admitem em certas circunstâncias, quando sejam de uso obrigatório.

Para levantar um exemplo pessoal: suponha-se que peça uma quantia de dinheiro emprestada a uma prima que saiba poder perfeitamente conceder, por que está com posse de uma quantia até maior de dinheiro que aquela pedida. Entretanto ao fazer o pedido, a mesma nega o empréstimo, alegando não ter dinheiro. Por conseguinte, sabendo que ela seja cristã recorre-se a certos princípios com intuito de obrigá-la a atender tal solicitação. Insiste-se, pois, que ela, como cristã, não pode mentir já que um cristão não mente, por que há um princípio cristão que repugna a mentira. Certamente, no máximo poderá retificar sua alegação informando que em verdade tem dinheiro, contudo não poderá emprestá-lo, por que todo dinheiro que dispõe no momento é apenas aparentemente disponível, já que todo ele se encontra indisponível pela quantia de dívidas a quitar por ela.

Assim o princípio pelo qual sugere a impossibilidade de mentir por parte de um cristão não a forçaria a entregar o dinheiro, ele por ventura corresponde a outro ambiente – religioso - que não o do direito, já que estéril com relação à obrigatoriedade jurídica, possibilidade de impingir uma sanção e coerção, portanto[33].

            Retornando, pois, após as considerações postas nos parágrafos anteriores, vislumbra-se as implicações que a utilização de principio pode acarretar às infinitas situações fáticas, porém os princípios de direito devem conter caracteres que justifiquem as leis componentes do ordenamento e ainda a obrigatoriedade típica do direito para os positivistas, mas isso não explica, conforme Dworkin, um teste sobre como identificar precisamente os princípios, já que remonta ao costume, ou à prática institucionalizada[34].

            Esse sentido apenas remonta a uma possibilidade trazida pelo mister Dworkin, já que “Podemos tratar os princípios da mesma maneira que tratamos as regras jurídicas e dizer que alguns princípios possuem obrigatoriedade (...) e devem ser levados em conta por juízes que tomam decisões sobre obrigações jurídicas[35]”.

            Entretanto os princípios podem soar não obrigatórios e a “escolha entre essas duas abordagens [obrigatoriedade ou não] afetará, e talvez chegue mesmo a determinar, a resposta que podemos dar à questão de saber se, em casos difíceis (...) o juiz está tentando aplicar direitos e obrigações jurídicos preexistentes[36]”.

Em síntese, os princípios podem ainda serem tidos e eventualmente concebidos como regras no sentido geral de padrões contidos pelo direito, como não podem o ser também, devido a impossibilidade de ter-se uma regra de reconhecimento para princípios pelos positivistas, e em consonância com as lições críticas dworkinianas.

Mais do que isso, há ainda a possibilidade de certos padrões se confundirem, a ponto de regras e princípios não serem distinguidos de imediato. Mas essa aparência, com uma análise mais precisa e profunda do dispositivo em xeque, pode aclarar sobre a substância do padrão. Dworkin acertadamente ensina que certos termos ao serem integrados à regra podem insinuar e mesmo atrair o entendimento para a além da própria regra simplesmente considerada, “Palavras como ‘razoável’, ‘negligente’, ‘injusto’ e ‘significativo’ desempenham frequentemente essa função (...) quando uma regra inclui um desses termos, isso faz com que sua aplicação dependa, até certo ponto, de princípios e políticas[37]”.

A distinção entre regras e princípios tem sua contribuição à pesquisa, não por menos que se trata tópico dedicado a tal tarefa, qual implica na elaboração de limiares sobre acepções entre os dois fenômenos jurídicos mencionados, salientando que regras são válidas ou não, enquanto princípios insinuam uma aplicação possível – indicando uma direção, além do que, traça-se um aspecto discriminatório a mais, segundo as lições do doutrinador que empresta dados à pesquisa, qual persistiu em atentar para a importância ou peso de princípios quando intercruzados com princípios outros, quando se destacou que é da vistoria caso a caso que se atribui maior ou menor importância a um ou outro grupo de princípios.

TÊM OS JUÍZES PODER DISCRICIONÁRIO?

Seguindo a pesquisa, e conforme as lições de Dworkin, guiado pela ideia que da decisão judicial em casos difíceis o juiz atua para além da lei positiva (no sentido de regra) - em que pese a distinção desta com os princípios. Direciona-se a cognição ao ponto da interpretação do direito como precípua atividade jurisdicional, ou ainda, criação dissimulada de direito contida pelo dever de esclarecer direitos previamente estabelecidos, como decorrência da democracia sugerida pela sociedade estadunidense e também brasileira.

A comodidade em referir à aplicação do direito a uma atividade interpretativa e não criativa tem bases na instituição democrática, portanto, a mesma regente da sociedade brasileira atual. Dworkin em avaliação da democracia anglo-saxônica corrobora e responsabiliza essa dissimulação da originalidade de uma decisão judicial citando dois atributos oriundos da política democrática que é a injustiça em atribuir um novo dever a um individuo em virtude de um fato passado e a ilegitimidade de o Poder Judiciário criar direito.

Todos nós concordamos que é errado sacrificar os direitos de um homem inocente em nome de algum novo dever, criado depois do fato; portanto, parece errado tomar os bens de um indivíduo e dá-los a outro, apenas para melhorar a eficiência da economia global. (...)Portanto, as decisões sobre políticas devem ser operadas através de algum processo político criado para oferecer uma expressão exata dos diferentes interesses que devem ser levados em consideração. Pode ser que o sistema político da democracia representativa funcione com indiferença nesse aspecto, mas funciona melhor que um sistema que permite que juízes não eleitos, que não estão submetidos a lobistas, grupos de pressão ou a cobranças do eleitorado por correspondência, estabeleçam compromissos entre os interesses concorrentes em suas salas de audiências.

            Enquanto corolário da política (unidade de poder) invocada por uma sociedade, o direito consubstancia vontades diversas em um cenário democrático, não à toa a Constituição Federal de 88 da República Federativa do Brasil apregoa, por exemplo, a valorização da propriedade privada, em que se cumpra função social, o que em nível principiológico descreve a liberdade econômica por meio de dispositivo constitucional, todavia, assevera ainda a demarcação de terras dos índios, quando estas estejam “tradicionalmente ocupadas”, o qual não resta claro para a ciência ser uma regra ou um princípio[38]. Muito embora ambos estejam em patamar constitucional, o que no mais das vezes os coloca em níveis de igual tratamento, nãos sendo “possível ao intérprete/aplicador da Constituição aplicar uma delas com total sacrifício da outra, mas encontrar uma posição de equilíblio[39]”.

Destaca-se assim uma controvérsia quando exsurgiu situação em que rizicultores que ocupam (em análise superficial) a justo título, região que comporta ainda população indígena que tradicionalmente ocupara o espaço de terra comum. O que devia prevalecer: a demarcação de terras indígenas com suas peculiaridades ou a valorização da propriedade privada que, prima facie, ainda atende a função social? Este é um conflito pertinente ao caso (Raposa Serra do Sol) que foi levado ao crivo do STF recentemente. Essas colocações esclarecem que o direito declarado por uma política democrática num certo modelo de regras poderá vez ou outra implicar em controvérsias judiciais de grandes complexidades.

            Pois bem, as questões embaraçosas que eventualmente se demanda aos juízes, cuja ocorrência se dá com maior ímpeto quando são questões de princípios, conforme preleciona o magistério de Ronald Dworkin, nos moldes positivistas ficam a cargo do poder discricionário cuja estrutura do modelo de regras se lhes assegura. Todavia, essa segurança que têm os juízes de usar a discricionariedade para decidir casos controversos não se coaduna com a segurança dos demandantes em se submeterem a tal decisão sem justificações plausíveis ou concretas, incitando a mera liberalidade dos juízes.

            Não é precisamente discricionário o poder que têm os juízes de revelar direitos acerca de questões difíceis que se apresentam, muito embora seja bastante ampla a discussão sobre quais direitos e deveres devam prevalecer e esta dificuldade é admitida pelo autor norte-americano, ao dizer que

O juiz continua tendo o dever, mesmo em casos difíceis, de descobrir quais são os direitos das partes, e não de inventar novos direitos retroativamente. Já devo adiantar, porém que essa Teoria não pressupõe a existência de nenhum procedimento mecânico para demonstrar quais são os direito das partes nos casos difíceis. Ao contrário, o argumento pressupõe que os juristas e juízes sensatos irão divergir frequentemente sobre os direitos jurídicos, assim como os cidadãos e os homens de Estado[40].

            Atenta-se, para tanto, à crítica destacada para o pressuposto positivista sobre a discricionariedade como medida cabal na resolução de casos difíceis.

            É preciso colocar as coisas no seu lugar de modo bastante rigoroso para o professor Dworkin, e neste metodismo inicia a saga para avaliar o poder discricionário a que fazem menção os positivistas, pois é da “linguagem ordinária” que partem aqueles para admitir a discricionariedade como critério valido a resolver controvérsias[41].

Sendo assim, levando a discricionariedade para o seu “habitat” é possível perceber o relativismo do conceito, portanto a própria sucumbência da estrutura “elegante” que propõe o positivismo hartiniano, pois não resta clara uma regra de reconhecimento de que se valham para desvendar o que é direito ou obrigação.  Deste modo Dworkin assevera que “tal como o espaço vazio no centro de uma rosca, o poder discricionário não existe a não ser como um espaço vazio, circundado por uma faixa de restrições”, e isto derruba a concepção da discricionariedade sem parâmetros pré-concebidos.[42]

            No mais das vezes é possível discernir entre sentido forte e fraco, o emprego da discricionariedade, sendo reconhecida no sentido fraco em duas oportunidades. Sendo que, a primeira é aquela na qual se precisa de certa autoridade para executar o dispositivo já que este não se pode fazer automaticamente[43].

            Numa segunda oportunidade é possível identificar o sentido fraco do poder discricionário, para tanto, é aquela discricionariedade na qual uma última decisão cabe a uma autoridade maior que não pode ser reformada ou revista, como no caso da hierarquia publica, seja no poder executivo ou judiciário, p.ex.[44]

            O sentido forte que se pode empregar ao poder discricionário, onde carece do uso da “racionalidade, equidade e eficácia”, é talvez o defendido pelos positivistas, ao admitir que somente na ausência de regras claras se pode fazer uso da discricionariedade, embora admita Hart a “textura aberta” das regras e que há casos em que as regras “parecem adequadas”[45].

            Não se pode atribuir com firmeza que os positivistas empregam a discricionariedade no sentido forte, até porque se limitam a regras pré-concebidas que são imprecisas para o porvir da dinâmica social, deixando a cargo de certa “autoridade” a possibilidade de criar novos direitos, uma discricionariedade, quando muito no sentido fraco, cf. Dworkin.

            Ademais quando inadmitem a obrigatoriedade dos princípios não podem afirmar que só por isso não fazem parte do direito, sendo tratados como “padrões extrajurídicos”[46], e de outra forma quando admitem que alguns princípios podem ser obrigatórios e isso não define o resultado da demanda, são refutados por Dworkin, ao esclarecer que “um conjunto de princípios pode ditar um resultado” sim, não deixando a cargo da discricionariedade absoluta já que deve haver necessariamente uma motivação racional a princípios; por fim, num outro momento, um positivista pode levantar-se contra os princípios alegando a sua invalidade legal, no entanto ainda assim e possível que se estabeleça o peso de certos princípios a partir de “práticas e outros princípios, quais as implicações da história legislativa e judiciária aparecem juntamente com apelo as práticas e formas de compreensão partilhadas na comunidade”.[47]

            Na verdade, a discricionariedade positivista não se sustém para Dworkin, porque aos juristas cabe interpretar e reinterpretar, inclusive quando “disso resulta a não execução daquilo que é chamado de ‘intenção do legislador’”. Advindo uma objeção: “Quando, então, um juiz tem permissão para mudar uma regra de direito em vigor (...)”.

            A resposta de Dworkin para as falhas positivistas, na utilização da discricionariedade e a regra de pedigree, esta na existência de padrões diferentes das regras, quais sejam os princípios que contêm a atividade jurídica e se fazem presente corriqueiramente ao direito aplicado nos tribunais, mas não são admitidos como componentes do direito porque falham os positivistas em encaixá-los a seu “esqueleto” presumido ou mesmo pelo fato de não estarem “destacados em negrito” nos manuais de direito.

Neste sentido, mesmo que o “jurista pense o direito como um sistema de regras e ainda assim reconhece, como deve, que os juízes mudam as regras antigas e introduzem novas, ele chegará naturalmente à teoria do poder discricionário no sentido forte do termo[48]”, pois em referência a uma “exigência de justiça”.      

De fato, a construção crítica de Dworkin ao modelo de regras é de tirar o fôlego, porque exige uma maratona de abstração e atenção às peculiaridades, tal qual esforço contra uma tradição jurídica que se arraigou na prática, portanto de referência a um modelo de regras cujo a autoridade se impõe disfarçadamente na obrigação por si, sem a necessidade de pensa-la além do status quo e cujos embaraços que exsurgem inevitavelmente em questões judiciais são tratados a partir de uma certa discricionariedade no mais das vezes enfraquecida porque fogem da discussão sobre princípios que fazem parte do pano de fundo do direito e não podem ser empacotados para apenas serem revelados “num dia de chuva”. 

 

CONSTITUIÇÕES DIFERENTES (DISTINÇÃO DIDÁTICA)

Muito se falou até aqui de que o juiz ao avaliar e no transcorrer que o leva a decisão sobre casos difíceis poderá vislumbrar uma galeria de padrões jurídicos, diferentes da regra, todas estas colocações consignadas ao pretenso modelo de Dworkin de uma teoria da decisão judicial sobre casos controversos.

Porém, insta salientar o objeto a que o doutrinador faz referência, fala-se do ordenamento jurídico com bases diversas do Brasil, já que aquele analisado pelo maestro, toca o regime de Commom Law, enquanto o nosso é do Direito Codificado, de modo que o objeto nas suas manifestações, consuetudinária ou escrita, contém saliências diferentíssimas, enquanto aquele tem fonte nos precedentes judiciais este outro encontra fonte nas leis escritas, sobretudo na Constituição Federal[49].

O Brasil em cotejo aos EUA, apresenta uma Carta magna que mais se aproxima a um modelo bem mais depurado do modelo almejado pela teoria dworkiana, dado que a constituição de lá é sintética e a nacional é analítica, o que não se pode confundir com a realização prática da teoria in totum, porquanto é bom relembrar que para Dworkin, a possibilidade de descrever princípios na sua inteireza, a ponto de revelar o direito, é uma pretensão quase [ou totalmente] inglória, como se depreende do seguinte trecho:

Se designarmos a nossa regra de conhecimento simplesmente pelo enunciado “o conjunto completo de princípios em vigor”, chegaremos apenas à tautologia de que o direito é o direito. Se, em vez disso, realmente tentarmos arrolar todos os princípios em vigor, seremos mal sucedidos. Eles são controversos, seu peso é de importância fundamental, eles são incontáveis e se transformam com tanta rapidez que o início de nossa lista estaria obsoleto antes que chegássemos à metade dela. Mesmo se tivéssemos sucesso, não teríamos uma chave para o direito, pois não teria restado nada para a nossa chave abrir[50].

No mais, na constituição brasileira muito se têm positivado em matéria de princípios, não por menos há uma seção inteira (por assim dizer), que se dedica a expor direitos e garantias fundamentais; ademais a Carta Política nacional apregoa ainda “políticas”, padrões às mãos da toga para além da simples regra, símiles, para tanto à concepção dworkiniana supramencionada, então representados como objetivos constitucionais, e esta previsão de objetivos acaba tornando padrões do tipo “políticas” obrigatórios a nível constitucional.

            Esta deferência ao “legislado” dá dica sobre como funciona o direito brasileiro desde muito, pois respaldado no que está escrito, a ponto de termos uma Constituição bastante elaborada e extensa, dedicada a assuntos mais diversos e que não simplesmente enumera princípios basilares do Estado, como tende a fazer a constituição norte-americana, acaba trazendo regras no sentido discernido por Dworkin na obra vergastada acima, como pode-se citar a determinação da União para administrar o Colégio Pedro II na Unidade Federativa do Rio de Janeiro, ocupando o mesmo espaço do regime jurídico destinado à preservação da cultura indígena que não se pode afirmar categórica e cientificamente tratar-se de princípio ou regra, tal qual o princípio da liberdade em suas várias facetas, como o é a liberdade econômica e o corolário da valorização da propriedade privada.

REFERÊNCIAS

BARRETO, Helder Girão. Direito Indígena – Vetores Constitucionais. 1ª edição, 6ª reimpressão. Curitiba: Editora Juruá, 2011. (Cap. VI)

BRASIL. NOTÍCIAS DO STF. Julgamentos relevantes marcaram a pauta do STF em 2012. Publicado em <sexta-feira, 04 de janeiro de 2013>. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=227869&caixaBusca=> Acessado em <03 de abril de 2014, as 15h10min>

DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Tradução e notas: Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. (Cap, 02)

_________________. Uma questão de Princípio. Tradução: Luís Carlos Borges. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

GUEVARA, Ernesto Che. De moto ela América do Sul – Diário de Viagem. São Paulo: Sá/ Rosari, 2001.

PEREIRA, de Thomaz H. Junqueira de A. Narrativa Histórica: Autoridade Constitucional. Revista Eletrônica: Conjur. Disponível em < http://www.conjur.com.br/2013-nov-23/observatorio-constitucional-narrativa-historica-autoridade-constitucional?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook#autores> Acessado em <02 de abril de 2014, as 17h15min>.

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 22ª edição – 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

ROUSSEAU. Jean-Jacques. O contrato social. [apresentação de João Carlos Brum Torres; tradução Paulo Neves]. Porto alegre, RS: L&PM, 2010.

VILLARES, Luiz Fernando. Direito e Povos Indígenas. Curitiba: Editora Juruá, 2009. (Cap. 07)



[1] Segundo Capítulo de monografia apresentada como requisito para obtenção do Bacharelado

[2] Aluno de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco

[3] p.72, DWORKIN, 2002

[4] “Anencefalia – No dia 12 de abril de 2012, o Plenário concluiu o julgamento da ADPF 54 e considerou procedente o pedido ajuizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde. Por maioria, os ministros (...) autorizaram a interrupção de fetos anencéfalos caso a mãe assim desejar”. (não paginado, BRASIL 2013)

[5] p.26, DWORKIN, 2002

[6] p.27, idem

[7] idem

[8] p.27 e 28, DWORKIN, 2002

[9] p.29, idem

[10] idem

[11] p.30, idem

[12] p.30,   DWORKIN, 2002

[13] p.120, GUEVARA, 2001

[14] p.26 e 27, ROUSSEAU, 2010

[15] p.30 e 31, DWORKIN, 2002

[16] idem

[17] p.32, DWORKIN, 2002

[18] p.33, idem

[19] idem

[20] idem

[21] p.34, DWORKIN, 2002

[22] Cumpre mencionar artigo da Revista eletrônica CONJUR, por Thomaz Pereira, para quem “Há, enfim, um mito fundacional que sustenta toda uma ordem constitucional. (...)Por vezes a narrativa prevalente no momento de fundação é capaz de se sustentar inabalada independentemente do passar do tempo. Por outras, em um mesmo sistema constitucional períodos de consenso são sucessivamente substituídos por períodos de dissenso — alternando-se assim, com o decorrer do tempo, diferentes narrativas dominantes sobre a origem e natureza da ordem constitucional.” (não paginado, PEREIRA, 2013)

[23] p.35, DWORKIN, 2002

[24] p.37, idem

[25] p.46, idem

[26] p. 36, idem

[27] p.39, idem

[28] p.39 e 40, idem

[29] p.40, idem

[30] P.43, idem

[31] p.40 e 41, DWORKIN, 2002

[32] p.42 e 43, idem

[33] O problema da regra de reconhecimento para identificar princípios jurídicos é iminente nas lições de Dworkin, para isso refuta o critério da regra social como critério de identificação dos princípios no Cap. 03 de “Levando os direitos a sério” em contra-ataque às críticas feitas contra suas proposições do capitulo 02. (vide Capítulo III, DWORKIN, 2002) 

[34] idem

[35] p.46 e 47, DWORKIN, 2002

[36] p.49, idem

[37] p.45, DWORKIN, 2002

[38] O direito indigenista [é ainda incipiente], pelo motivo de não se ter ainda definido como Ramo independente do direito, reconhecido pelos juristas e dotado de princípios e objeto de estudo. Possivelmente, de maneira não organizadas, o Direito Indigenista (ou qualquer outro nome mais apropriado que se dê a um novo ramo do direito que estude as normas sobre os povos indígenas) irá se consolidar no futuro. (p.15, VILLARES, 2009)

[39] p.27, BARRETO, 2011

[40] p. 127 e 128, DWORKIN, 2005

[41] p.50, DWORKIN, 2002

[42] p.50 e 51, DWORKIN, 2002

[43] p.51, DWORKIN, 2002

[44] idem

[45] p.54, DWORKIN, 2002

[46] Os positivistas não podem defender por decreto sua teoria sobre uma regra de reconhecimento; se os princípios não podem ser submetidos a um teste, então ele deve apresentar alguma outra razão porque eles não podem contar como parte do direito (p.58, DWORKIN, 2002)

[47] p.56 a 58, DWORKIN, 2002

[48] p.62, DWORKIN, 2002

[49] Para tanto, basta analisar manuais introdutórios ao Estudo do Direito, cita-se aqui, apenas em caráter ilustrativo, Paulo Nader. “Para os países que seguem a tradição romano-germânica, como o Brasil, a principal forma de expressão é o Direito escrito, que se manifesta em leis e códigos, enquanto que o costume figura como fonte complementar. (...) No sistema de Common Law, adotado pela Inglaterra e Estados Unidos que receberam a influencia do seu direito, a forma mais comum de expressão deste é a dos precedentes judiciais.” (p.139, NADER, 2002)

[50] p.70, DWORKIN, 2002