O QUIBÃO

“...aproveitamos o casco do bicho e fizemos uma canoa grande...”

Eu acho que vocês tão é com fome. Pega lá a baciada de manga. Atravessa a rua e pega lá no fundo do quintal.

     _ Onde? Eu não sei onde tá, não.

     _ Deixe de sê, sô. “Agora bem aí”, se você não sai de lá de casa, perguntando até da mãe do diabo. Uma molecada curiosa querendo que eu conte as histórias do rio Tapajós toda hora.

     _ É, seu Doval, conta, por favor.

     _ Eu vou contar as histórias do rio Tapajós, história de verdade, fato acontecido, que eu não sou homem de mentira não, igual essas duas aí , a Atiana e a Mara.

     _ Então eu estava numa pescaria com mais dois amigos meu, aqui na região do Cipotuba, aqui né, em frente de Brasília Legal, pescando de noite por lá. Pegamos dois isopores de tucunaré, aí quando foi de manhã, saímos atrás do rastro de uma tartaruga, né, pra lá dá muito tracajá, tartaruga, aquele negócio. Ela, a tartaruga, subiu e caiu numa lagoa, né. Aí, agarrei, peguei, sentei na beira da lagoa e aí logo do ponto que eu estava, bateu o pirarucu. Quando eu vi vlup... e aí um pirarucu tava preso, aqui dentro só desse pedacinho. Do outro lado outro assoviou, era o meu parceiro Clarindo, que veio, chegou e eu disse:

    _ Senta bem aqui. Bem aqui!

     _ O que é que foi, Doval?

     _ Nisso o pirarucu boiou.

           _ Olha Doval, na água!

_ Foi pra isso que eu te chamei, né. Agora como é que nós vamos fazer que a nossa rede não resiste este peixe?

   _ Bom, vocês ficam aqui que eu vou à Itaituba buscar as redes com o professor Marco Aurélio, lá do Point do Agito, pra gente pegar  estes peixes.

     Daí eu em vim aqui em Itaituba e eles ficaram lá. No outro dia eu baixei e levei o material pra pegar o peixe. Aí já jogamos a canoa pra dentro da lagoa, e aí com a rede já armada, pronta... na  hora que vê o peixe, cerca o peixe e pega.

     A hora que o primeiro peixe boiô, e... “pá”!  Nós soltamos a rede, cercamos aqui e ali. O primeiro parceiro ficou na parte esquerda da beira do rio, o peixe já está preso, já, está dentro da rede, do círculo, e eu disse:

_ Olha, Clarindo, cai limpando que vou levando a rede. Não, não!  Vai limpando que eu vou levando a rede.

    Aí, ele limpando aqui na beira do rio, eu chegando, chegando e nós conversando aqui, de repente ele gritou:

     _ Doval, olha aí pro teu lado esquerdo!!! Meu deus!

      Que eu olho... O jacaré, vinha se aproximando, já estava próximo. O animal que aqui nós chamamos de “quiba” é o mesmo que jacaré. Antes de ele chegar em mim tinha que passar em duas redes, né. Primeiro uma 48 de duas voltas e a 76 na frente. Quando ele tocou na primeira rede ele enganchou,  meteu a boca e aí trancou. Aí o Clarindo, falou:

     _ Doval, soltou o peixe. “Agora deu”!

     _ E agora como matar um animal desses? Grande, de uns dez metros ou mais, neste rumo o comprimento dele. Aí eu falei:

      _ Clarindo, segura ele bem aí, vamos vê se o peixe saiu ou não.

       Cortamos uma vara grande e não muito grossa. Peguei aqui a peixeira amarrei aqui na ponta da vara, aí fui e sangrei. A hora que bateu no sangrador dele lá, ele bateu, estremeceu. Laçamos ele com uma corda, nós três, três homens, eu o Clarindo mais o Tônho Neto que tá estudando agora em Belém. Nós conseguimos puxar só uma terça da parte da cabeça e o resto ficou dentro da água.

         Era uma coisa grande, um animal grande. Nós fomos, fomos, fomos, pegando, pegamos em dois, duas forquilhas, levantamos pra ver o tamanho da boca animal. Era um animal tão grande, tão velho, que não tinha mais dentes, e de tão velho seu couro já tinha virado casco. Então, Clarindo, Tônho Neto, mais eu, aproveitamos o casco do bicho e fizemos uma canoa grande. Aí, como o povo é curioso mesmo, todo mundo queria andar no canoão do quibão. Como o Tônho Neto é danado de inteligente e bom de comércio, botou um motor-popa nela, e a bicha virou uma voadera, e nós três, Clarindo, Tônho Neto, mais eu, ganhamos, foi muito dinheiro carregando “turisto”, pras praias de Paraná Miri, praia Do Amor, praia do Sapo, praia do Meio e mais outros pontos “turistos” do rio Tapajós. Melhoramos de vida com isso, viu.

Isso aí foi acontecido comigo, viu meninos. Junta essas mangas. Olha as abelhas chegando. Limpa  tudinho. Então tudo o que eu tenho hoje, na verdade eu devo tudo ao quibão. Por isso posso passar o dia deitado no “pé-de-galo”, olhando pro rio e contando história pra criançada, mas só causo acontecido de verdade.

                                                                                                          Atiana  Gomes e Mara Nascimento 

Pé-de-galo –rede que passa dia e noite armada para quem chegar.