O COBRÃO

“...não é muito comprida, ela se torna é grossa, o negócio dela é a grossura...”

_ Existe na região uma cobra, uma co-bra... logo aqui em baixo, descendo  as docas  de Miritituba, tem um remanso muito grande  lá.

Doval falava devagar, manso, descascando laranja pra nós todos sentados à sua volta. Laranjas docinhas, cheirosas, chega dava água na boca, mas Doval não tinha pressa, descascando as laranjas.

_ E aí e a cobra?

Ele conta, mas conta bem devagar.

_ Um mergulhador da Petrobrás experiente e muito viajado, disse que nunca tinha visto no mundo, em lugar nenhum, onde mergulhou. Ela é comprida assim de25 a30 metros, é...de cumprimento. Ela não é muito comprida, ela se torna é grossa, o negócio dela é a grossura, chega ao ponto dela não se locomover mais, fica lá no fundo do rio, é lá que ela fica. Só que tem o caçador dela, um sucuri pequeno, né. Ela fica constantemente no fundo, o caçador é que sai para pegar a presa e trazer para ela, né, e ela nhac né.

Doval contava o causo enquanto descascava laranja, mas seu olhar se perdia no horizonte, pairava sereno no Tapajós, bem ali em nossa frente. Sua pele era simplesmente torrada, esturricada do sol, até o couro cabeludo, já expondo, muito falho entremeio aos cabelos grisalhos. Ele tinha um quê de tristeza ou de saudade, um quê de sabedoria conquistada a duras penas.  Às vezes, parecia se ausentar de nós, de tudo, seus movimentos descascando laranjas, se mecanizavam, e ele entrava numa viagem submarina que precisava ser acordado pela meninada.

_ Seu Doval, seu Doval! E aí, e o cobrão?

_ Deixa eu cascar um pouco, seu Doval?

_ Que nada menino! Eu não quero ver meninozinho com faca na mão, não.

_ Eu tenho um canivete do bolso aqui comigo, olha só.

_  Ara, ara! Eu já não disse que não quero criança com arma na mão? Tu não escutou, Jacozinho? Eu casco, não quero criança com arma na mão.

E Doval então pegava no tranco e continuava.

_ Pois é né. Quando acontece dela pegar uma preza grande como uma embiara, como se chama, quando ela engole, depois de 24 horas aquilo incha na barriga dela, né. Aí sobe aquela parte dela que se chama boiá, Por exemplo: tem gente que diz, eu vi uma cobra em tal canto boiá. Então é isso aí que acontece, depois ela vai arriá novamente e fica, fica, né. Lá ela fica. Meu colega chegou próximo, encostado lá de onde ela fica. Ele viu esse animal, só que ele não teve medo, chegou a tocar com a própria mão, né,, e ela não se mexeu, do jeitinho que  tava, ficou.

Atiana Gomes  e Mara Nascimento