AMIGOS DO OURO  
 
“... visão bizarra de quatro dos corpos sobrepostos, um sobre a cabeça do outro se digladiando; o quinto sentado no chão esbravejando e segurando nas mãos sua própria cabeça, enquanto o sexto arrancava insanamente seus cabelos e pedaços de pele...”


No garimpo do Crepurizinho, havia um garimpeiro chamado Bamburrado. Ele tinha esse apelido por conta da sua sorte em encontrar ouro. Todos gostavam dele, pois era honesto, trabalhador e bom de coração. No entanto,  não era prudente, gastando todo ouro que ganhava com festas e mulheres. Um dia resolveu parar de gastar e ao invés de vender o ouro e empregar o dinheiro, preferiu enterrá-lo na mata.

Bamburrado tinha muito ouro de verdade e no passar de quatro anos, ele realmente estava bamburrado mesmo. Muita gente sabia de seus planos e, portanto estavam de olho nele.

O afortunado garimpeiro decidiu retornar à sua terra e viver de pecúlio, mas antes disso chamou seus amigos de confiança, para não ir sozinho desenterrar sua fortuna, a fim de não correr o risco de ser roubado. Então no dia seguinte foram os três, porém Bamburrado deixou avisado, que estava de saída para desenterrar suas economias. Ao chegarem num determinado local disse aos amigos:

_ É aqui.

Mostrando um pau ali fincado, velho e pubo. Seus colegas cresceram o olho, e deram-lhe um único e certeiro golpe, que levou Bamburrado à morte instantânea. Em seguida os dois “amigos da onça” começaram a cavar por vários metros e nada de ouro. Desesperaram-se, xingaram o morto e já se debicando diziam um ao outro:

_ Seu burro, como é que tu matas o cabra, antes de ver o ouro?

_ Eu te dei sinal, e tu acenou me mandando baixar o pau no homem.

_ Eu fiz sinal mandando baixar o pau nele? O erro é teu seu tongo, abestado, não presta nem pra ser ladrão.

Então se engancharam na porrada e se feriam, quando  neste momento chegou gente. Os dois pararam a briga, relatando zangados, aos três chegados homens o acontecido. E estes três, movidos pela mesma cobiça na hora deram cabo dos dois brigões. Começaram a cavar, e cavar, mas nada de achar o ouro. Resmungavam e culparam-se.

_ Eu sabia que isso não ia dá certo. Tu mataste os homens à-toa, e nada de ouro. Tirou a vida deles e...

_ Auto lá, eu acho que tu vais me dedar, cabra da peste!

Imediatamente decepou a cabeça do amigo que representava ameaça com um facão muito do amolado.

_ Seu amigo da onça se matou ele, logo, logo vai me matar também.

Os dois amigos, atiradores de primeira, no mesmo e simultâneo instante apontaram, miraram e atiraram no que tombaram sem vida os corpos dos dois no chão.

Então eis que “jaz”, seis cadáveres sobre a terra e um tesouro enterrado. Quando encontraram os corpos já em decomposição e insuportavelmente fétidos, concluíram que ao desenterrarem o ouro foram assaltados e mortos os coitados.

O tempo passou, a vila se expandiu, gente partindo, gente chegando. Corriam rumores sobre a mata mal assombrada. Comentava-se que a noite ouvia-se vozes de homens discutindo, lamentando, gritando e o desespero zoava horripilante.

Certa vez, uma cozinheira do garimpo, obrigou-se a tirar o filho da escola na cidade e trazer para junto de si. Ela estava muito adoentada, e sendo a cozinha a única fonte de renda para seu sustento e do filho, precisava então da ajuda de Miro, mesmo que para pequenas tarefas, temendo acabar por perder totalmente as forças para continuar em pé.

Miro não sabia dos rumores da mata assombrada e nem da tragédia ocorrida com os seis homens, porque ninguém contaria coisas assim para uma criança. Miro foi pescar e nem percebeu a chegada sorrateira da noite. De repente ouviu vozes, confusão e briga ou algo parecido. Sendo tão curioso quanto corajoso foi curiar o que acontecia ali. Então viu seis homens se lamentando, se agredindo e o mais extasiaste foi a visão bizarra de quatro dos corpos sobrepostos, um sobre a cabeça do outro e se digladiando; o quinto sentado no chão esbravejando e segurando nas mãos sua própria cabeça, enquanto o sexto arrancava, insanamente seus cabelos e pedaços de pele, inconformado com a conseqüência da ganância, bradava:

_ Vou dar meu ouro para o primeiro que passar aqui,  só depois vou fazer minha viagem pro além em paz e vocês vão ficar aí para sempre, unidos pela ganância e pela falta de coragem.

Então Miro correu e disse:

_ Estou aqui. Cadê o ouro? Eu quero ajudar minha mãe que esta cansada de trabalhar.                    Bamburrado disse:

_ Aqui está.

_ Aqui onde moço?

_ Aqui, calma! Aqui é lugar do primeiro sinal.

_ E o segundo, onde fica?

Miro então o acompanhou e pôde ver o segundo sinal.

_ Vamos!

Adentraram a mata e tcham... tcham... tcham...

_ Está vendo este tronco velho?

_ Sim, claro moço!

_ Pois aí está a razão da minha morte, e a sua coragem é a razão da minha vida eterna.

_ Ah, então o senhor está morto?

E quando o menino olhou para o homem, este havia sumido misteriosamente. No local havia latas e latas de leite Ninho, todas cheias de ouro. Miro pegou algumas latas e saiu saltitante, quando foi interpelado pelos cinco gananciosos homens:

_ Êpa! Aonde pensa que vai com essas latas? Aqui você não passa.

Miro muito obediente e honesto disse:

_ Tudo bem. Não é meu mesmo este ouro. Aqui está. O homem me deu, mas se vocês dizem que é de vocês, tudo bem.

Pularam um das costas do outro e saíram se entrelaçando, correndo, brigando e se espancando por causa das latas de ouro.

Ao chegarem casa Mirocontou tudo para sua mãe, que furiosa falou:

_ Você ouviu uma história e inventou outra, seu malandro. Pensa que vou acreditar nisso?

Deu-lhe umas boas palmadas, e não ouviu mais nada dele. Na manhã seguinte, Miro chamou dois peões, amigos de confiança. Contou-lhes sua história, mostrou-lhes as unhas sujas e mãos machucadas de cavar a terra para desenterrar o ouro.  Pediu que eles fossem com ele buscar as latas, pois sua mãe não acreditara em sua palavra.

Ao chegarem ao local, quando no primeiro sinal, Miro disse:

_ È aqui.

Miro sentiu a vista escurecer por uma forte pancada na cabeça e desmaiou. Um outro de seus companheiros levantou impiedosamente os braços para desferir a paulada fatal, porém neste momento foi impedido pelos bizarros cinco homens ensangüentados e mutilados, estando um com a própria cabeça nas mãos, fazendo com que os peões fugissem aterrorizados, sem nem olhar para traz.

Quando Miro deu por si, já estava em sua casa deitado com sua mãe ao seu lado e muitas pessoas no fuscão, inclusive os peões que tentaram contra sua vida, além de estar rodeado das latas de leite Ninho, todas chapadas de ouro.

_ Mãe, como eu vim parar aqui? E meu ouro também?

_ Meu filhinho, cinco homens te trouxeram. Disseram que esse ouro é todo seu. Falei pra eles que a quantia era muito valiosa. Nada me explicaram, só disseram que você vale muito mais. Falaram que este ouro representou para eles a morte e você representava o perdão e a vida eterna para todos eles. Bom, eu não entendi nada, mas sumiram das minhas vistas, de uma só vez.

_ É uma pena que os adultos não acreditem nas crianças.

Miro olhou bem nos olhos dos peões, que tentaram contra sua vida e comentou duramente:      _ Só sei mamãe que  de agora em diante só confio em amigos mortos. Terei amigos vivos, mas, confiar...? Confiar mesmo, só nos mortos.

Atiana Gomes  e Mara Nascimento

Crepurizinho –Vila pertencente ao município de Itaituba/PA, famosa por seus garimpos abundantes em ouro.

            Bamburrado –pessoa possuidora de grande quantidade de ouro, por ela mesma encontrado.

            Fuscão –pequeno barraca de lona, que serve de quarto para dormir no garimpo.