Lei nº 12.694/2012: o impasse entre a inovação na “proteção do magistrado” e a estabilidade do judiciário.[1]

 

Francisco Campos da Costa

Jayane Antônia Alves[2]

Cleopas Isaias[3]

 

 

Sumário: Introdução; 1. Aspectos gerais da Lei nº 12.694/2012; 2. O julgamento colegiado no direito comparado; 3. Proteção do magistrado versus princípios do ordenamento; Considerações finais; Referências.

 

 

RESUMO

 

O presente artigo tem o intuito de propiciar uma análise a respeito da nova lei que permite decisões colegiadas em primeira instância nos casos que envolvem crime organizado. Após serem apresentados aspectos gerais da referida lei, o estudo mostrará, com base no direito comparado, as origens do que vem a ser crime organizado e como se procede a figura do “juiz sem rosto”. Será feita uma abordagem sobre princípios constitucionais, penais e processuais penais que supostamente estão sendo feridos por esta nova lei além da explanação acerca do possível caso de inconstitucionalidade que envolve tal previsão legal.

PALAVRAS-CHAVE

 

Decisões colegiadas em primeira instância. Juiz sem rosto. Crimes organizados.

 

Introdução

Diante dos recentes casos de execuções de juízes no Brasil, o Poder Público se viu compelido a tomar alguma providência, e sendo assim, o ordenamento jurídico brasileiro acaba de ganhar uma nova lei que permite decisões judiciais colegiadas em grau de primeira instância, para os casos que envolvam processos de crime organizado. Trata-se da Lei nº 12.694 publicada no Diário Oficial da União no dia 25 de julho de 2012.

Essa medida tem por finalidade fazer com que as decisões proferidas em tais situações sejam dadas por juízes diversos a fim de dificultar aos réus o conhecimento daquele que os condenaram, evitando-se assim, possíveis retaliações e mesmo a morte desse juiz.

Essa inovação já era utilizada em outros ordenamentos de outros países entre os quais o Peru, a Colômbia e a França, cada qual com suas peculiaridades.

Contudo, a referida lei já causa polêmicas, visto que entra em conflito com alguns procedimentos já consolidados no sistema processual penal, além de apresentar também lesões a princípios constitucionais e ainda violar garantias do réu.

Dentre os princípios lesados, destacam-se a publicidade, a motivação das decisões judiciais, o juiz natural e o da identidade física do juiz.

Outro ponto de crítica à nova lei recai no fato de que, alguns penalistas e criminalistas não vislumbram nela uma possibilidade de maior segurança aos magistrados, uma vez que ela apenas distribui a função de julgar para três juízes e isso não implica necessariamente em uma maior segurança. Há quem diga ainda que, com o advento dessa nova lei, em vez de colocar em risco apenas um magistrado, outros dois também sofrerão com essa exposição.

Diante dessas controvérsias, o presente estudo busca apresentar os aspectos gerais da referida lei; demonstrar, por meio do direito comparado, como surgiu a figura do “juiz sem rosto” e a noção de “crime organizado”; elencar as principais inovações trazidas por essa nova legislação para o ordenamento jurídico brasileiro e tecer críticas a respeito de sua aplicabilidade fática frente à sociedade.

1. ASPECTOS GERAIS DA LEI

A Lei 12.694/2012 foi publicada no dia 25/07/2012 no Diário Oficial, tendo sido sancionada pela presidente Dilma Rousseff. A principal motivação para a criação desta foi a crescente onda de atentados contra a vida de juízes que atuavam em processos criminais, especialmente, aqueles que envolviam organizações criminosas.

O fato ocorreu cerca de um ano após a morte da juíza Patrícia Acioli, e quase concomitante com o pedido de afastamento do juiz federal Paulo Augusto Moreira Lima da investigação do caso que envolve o contraventor Carlinhos Cachoeira, devido a diversas ameaças de mortes recebidas. Esses casos não são os únicos, nem serão os últimos, pois, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), até agosto de 2012, cerca de 134 juízes em todo o Brasil estão ameaçados de morte. (GOMES, 2012).

Diante desse cenário de ameaças à integridade física e à vida dos juízes responsáveis por processos criminais, a nova Lei admite a possibilidade de decisões colegiadas em primeiro grau nos casos que envolvem o crime organizado. É necessário destacar que deve haver ameaças a integridade do magistrado, e que estas sejam indicadas quando, o juiz se utilizando de sua discricionariedade, solicitar ao órgão correicional, a formação do colegiado para realizar os demais atos processuais do processo em que foram solicitados. Destarte, se evita a formação do colegiado de maneira arbitrária e desnecessária.

O colegiado, composto por 3 magistrados, se reunirá para praticar algum ato processual relativo ao processo para o qual foi solicitado, sua competência sendo restrita a este. Ressalta-se que não é necessária a presença física dos 3 juízes para a realização do ato, ou, sequer que residam na mesma cidade, sendo prevista, a reunião realizada por via eletrônica. Outra possibilidade é a reunião sigilosa, entretanto, as decisões tomadas nessa ocasião são passíveis de nulidade.

  A proteção a integridade do magistrado não se esgota na formação do colegiado, muito pelo contrário, é apenas o começo, pois a lei institui a possibilidade de expedição de placas especiais para membros do judiciário e do Ministério Público à fim de impedir a identificação dos usuários. Entretanto, as placas são temporárias, o órgão de trânsito deve ser comunicado, além disso, o CNJ, o CNMP e o Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) devem criar regulamento conjunto disciplinando o tema.

A Lei 12.694 de 2012, institui ainda, duas alterações no Estatuto do Desarmamento (Lei n. o 10.826/2003), quais sejam: a) A possibilidade do porte de arma de fogo utilizadas pelos servidores que estejam no exercício das funções de segurança (Art. 8o,, Art. 6o,, inciso XI); b) Proteção pessoal das autoridades judiciais ou membros do Ministério Público, e de seus familiares, pela polícia judicial, diante de situações de risco, decorrentes do exercício da função.

Em relação à primeira alteração, é válido ressaltar que a lei institui um limite máximo de 50% dos servidores que exerçam funções de segurança a possibilidade de utilizar arma de fogo, além do fato das armas serem de propriedade, responsabilidade e guarda das respectivas instituições. Será o presidente do Tribunal ou o chefe do Ministério Público que designará, a cada seis meses, quais os servidores, que no exercício da função poderão portar arma de fogo. Por fim, a Lei institui um prazo de até 24 horas para a Instituição registrar ocorrência policial e comunicar fato à Polícia Federal em caso de: perda, furto, roubo, extravio de arma, acessório ou munição.

Em relação à segunda alteração, destaca-se a retirada da competência do Judiciário e do Ministério Público a decisão quanto a necessidade de proteção ou não do magistrado, competência essa que foi atribuída a polícia judiciária. Para o Juiz Federal Márcio André Lopes Cavalcante isso foi um retrocesso. (CAVALCANTE; Márcio 2012).

Além da proteção pessoal, houve também a intenção de reforçar a segurança nos prédios do Poder Judiciário, conforme preceitua o artigo 3º:

Art. 3º Os tribunais, no âmbito de suas competências, são autorizados a tomar medidas para reforçar a segurança dos prédios da Justiça, especialmente:

I - controle de acesso, com identificação, aos seus prédios, especialmente aqueles com varas criminais, ou às áreas dos prédios com varas criminais;

II - instalação de câmeras de vigilância nos seus prédios, especialmente nas varas criminais e áreas adjacentes;

III - instalação de aparelhos detectores de metais, aos quais se devem submeter todos que queiram ter acesso aos seus prédios, especialmente às varas criminais ou às respectivas salas de audiência, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública, ressalvados os integrantes de missão policial, a escolta de presos e os agentes ou inspetores de segurança próprios.

Por fim, a lei encerra um período de falta de regulamentação acerca do conceito de "organização criminosa", que antes era retirado da Convenção de Palermo. Entretanto, até a promulgação da presente lei, não havia, no ordenamento brasileiro, um conceito jurídico que definisse "organizações criminosas". (CUNHA, 2012).

2. O JULGAMENTO COLEGIADO NO DIREITO COMPARADO

 

O Brasil não é o primeiro país do mundo a adotar o sistema de julgamento colegiado para combater as organizações criminosas vinculadas, em especial, ao narcotráfico. Entretanto, a lei brasileira, diferentemente da Lei colombiana e da peruana, parece ter corrigido alguns problemas que eram próprios dos "juezes sin rostro", e com isso evitou ou evitará a violação de alguns direitos, assemelhando seu sistema ao sistema francês.

Primeiramente, é necessário caracterizar o que viria a ser o "juez sin rostro" colombiano, previsto pelo art. 158 do Decreto 2.700, de 30 de novembro de 1991. No caso colombiano, a identificação dos magistrados era desconhecida completamente, de sorte que os magistrados que assinavam as decisões proferidas não tinham suas respectivas assinaturas presentes nos autos. Isso ocorria porque na Colômbia os juízes assinavam os atos processuais, entretanto, apenas cópias do que foi proferido era juntado aos autos sem as assinaturas dos magistrados envolvidos, sendo as originais guardadas em local seguro e secreto, para a preservação do seu conteúdo. (ABREU; 2012).

Para o advogado do colégio parisiense e secretário-geral da Federação Internacional da Liga de Direitos Humanos (FIDH), Claude Katz e o encarregado da investigação Luis Carlos Nieto García, a figura do juiz sem rosto colombiano viola os princípios da independência e imparcialidade, o que pode ser constatado no trecho a seguir:

La figura del Juez como detentador de un poder del Estado independiente de los otros dos (ejecutivo y legislativo), es fundamental como instrumento de garantía de los Derechos Humanos. Su persona debe ser pública y conocida y sus resoluciones amparadas en la figura institucional del Juez que actúa de forma independiente e imparcial. La reserva de identidad (aspecto central de la Justicia regional) para los jueces que conocen de las causas de la "Justicia sin rostro" supone una clara violación de estos principios de independencia e imparcialidad. Sobre la imposibilidad de ejercitar por parte del imputado los mecanismos procesales de abstención y de recusación no vamos a volver (se ha tratado en el punto anterior) insistiendo únicamente, en que esta reserva de identidad no garantiza el derecho a que la causa sea conocida por un Juez independiente y de forma imparcial. (KATZ; GARCIA 1996).

Para a comissão Inter-Americana de Direitos Humanos a questão de procedimentos "sem rosto" e secreto, bem como a apresentação e o depoimento de testemunhas e provas "desconhecidos", ou seja, contrários ao princípio da publicidade, é contra os princípios da Convenção Americana.

6. La existencia de jueces "sin rostro" y de procedimientos secretos para la presentación y deposición de testigos, ofrecimiento y actuación de pruebas y pericias, contradice los postulados de la Convención Americana. En Colombia debe superarse cualquier modalidad de justicia secreta para favorecer en general el fortalecimiento de la administración de justicia y en particular, de las garantías fundamentales.  (Comissão Inter-Americana de Direitos Humanos 1994)

O caso peruano, difere-se do caso colombiano, tendo ocorrido durante o período de governo do Presidente Alberto Fujimori. No Peru, havia a previsão de julgamento em "Sala Especializada" para os crimes de terrorismo, mediante a designação rotativa de juízes, conforme previsão do  Decreto-Lei  25.475,  de  5  de  agosto  de  1992. Ou seja, aqui não havia sorteio, era designação de juízes.

O que ocorria com isso era a violação do princípio da proporcionalidade das penas, afinal, o juiz era "escolhido" e não sorteado, não precisava se declarar impedido ou suspeito, afinal, sequer era conhecido. Como resultado, ocorriam constantemente tipificações das figuras agravadas de terrorismo como delito de traição a pátria e um caso ainda mais grave: o julgamento de civis por tribunais militares. Assim versa o informe apresentado a sub-comissão de prevenção de descriminações e proteção de minorias das nações unidas.(DERECHOS.NET).   

É necessário destacar que nos processos contra os terroristas "Sendero Luminoso", onde se utilizou a modalidade dos juízes sem rosto, os réus foram condenados por juízes sem vinculação direta com o processo, afinal, como saber que o juiz que profere a sentença possui ligação direta com o caso? (WIKIPÉDIA.ORG 2012). Devido a ocorrências como essa a Anistia Internacional, em Outubro de 1997, após diversas tentativas conseguiu "por rosto" nos juízes e impedir alguns abusos, tal como a proibição de policiais militares que participaram da detenção do réu em servirem como testemunha durante o julgamento. Segundo dados do mesmo documento, desde de 1992, pelo menos 5.000 (cinco mil) pessoas foram presas acusadas de terrorismo, das quais no mínimo 1.400 (mil e quatrocentas) eram inocentes. (AMNESTY.ORG 1997).

No Brasil, esses equívocos e abusos não irão prosperar, afinal, a Lei brasileira prevê a assinatura dos 3 juízes envolvidos no julgamento colegiado, assim, não possuiremos um juiz sem rosto. A possibilidade de reunião sigilosa existe no direito brasileiro, entretanto, os atos processuais praticando nesses casos são passíveis de anulação, e, devido ao fato do juiz assinar o ato por ele praticado sabe-se que o mesmo possui vínculo direto com o processo, o que impede que um magistrado alheio intervenha no processo de maneira arbitrária.

Segundo o Juiz de Direito Marcus Abreu, o Brasil possui semelhança com a França, Suíça e Bélgica, que possuem uma jurisdição penal realizada pela "Cour d'Assieses", que seriam colegiados formados por três juízes, que, sozinhos ou em conjunto com o Júri popular, ficariam responsáveis por decidir as causas penais relativas a crimes, com uma ressalva, na frança, o crime com menor pena prevê 10 anos de reclusão. (ABREU; 2012).

Por fim, ressalva o magistrado que o caso brasileiro não se trata de um tribunal de exceção, além do que, a reunião em sala secreta para a preferência de sentença já é algo que existe no direito brasileiro e ocorre mais especificamente no Tribunal do Júri, assim não há ofensa a princípios do direito brasileiro ou de Direitos Humanos, diferente do que ocorreu na Colômbia e no Peru, conforme o texto a seguir:

No Brasil, como na França, Suíça e Bélgica, não há juiz sem rosto. Ocorre apenas que o colegiado, formado por juízes conhecidos, que assinam a ata ou sentença, seja no júri popular seja na sistemática da Lei 12.694/12, irá deliberar o veredicto em sala secreta. Porém, a escolha segue critério objetivo, legal e por sorteio, a sentença é pública e os juízes prolatores tem o nome divulgado (o endereço, o telefone e a remuneração também). Não há de se falar em juiz sem rosto, nem em quebra do Estado de Direito no Brasil, Bélgica, Suíça ou França. (ABREU; 2012).

3. PROTEÇÃO DO MAGISTRADO VERSUS PRINCÍPIOS DO ORDENAMENTO

Conforme dito anteriormente, a lei nº 12.694 de 2012 que institui a figura do “juiz sem rosto”, na tentativa de oferecer maior segurança aos magistrados, acabou colidindo com princípios processuais penais que estão inclusive previstos na Constituição Federal, além de desobedecer a procedimentos já consolidados na jurisdição.

Desde que foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff, a nova lei causa polêmicas e divide opiniões entre penalistas e criminalistas a respeito de sua eficácia no combate à falta de segurança dos juízes.

No que toca à colisão com princípios constitucionais, destacam-se alguns que notoriamente são lesados pela nova lei, tais como o princípio do juiz natural, o da motivação das decisões, o da identidade física do juiz e o da publicidade; além de infringir garantias do réu.

Tomando por início o princípio do juiz natural, percebe-se que com a nova lei este se encontrará seriamente comprometido, uma vez que a proposta é fazer com que três magistrados entrem no processo na tentativa de dificultar ao réu o conhecimento daquele que efetivamente proferiria sua sentença.

O princípio do juiz natural não está disposto explicitamente, mas encontra respaldo na leitura do texto da Constituição Federal, mais precisamente nos incisos XXXVII, XXXVIII e o LIII do artigo 5º, em que pode se interpretar que os julgamentos reger-se-ão somente por autoridade competente previamente autorizada para tanto. Desta forma, cabe destacar que o referido princípio consiste em dizer que o indivíduo tem o direito de saber de antemão a autoridade que irá dirigir seu processo, caso venha a cometer alguma conduta delituosa de acordo com o que é imposto pelo ordenamento, conforme salienta Américo Bedê Júnior e Gustavo Senna:

“O princípio do juiz natural, que também é conhecido como juiz legal, dentre outras variadas denominações, encontra-se relacionado com o órgão julgador, podendo ser traduzido, em breves palavras, como o direito que toda pessoa – humana e jurídica – tem de saber, previamente, por qual juiz será julgada caso venha a ser submetida a um processo judicial. Daí se conclui que juiz natural é aquele constituído antes do fato a ser julgado, de acordo com a ordem taxativa de competência estabelecida em conformidade com a lei. (BEDÊ JÚNIOR; SENNA; 2009, p.221).

Com o advento da nova legislação, percebe-se claramente, inclusive este é o objetivo, que o réu não terá conhecimento da autoridade que julgará o seu processo, visto que tratar-se-á de decisão colegiada composta por três juízes. Desta forma, além de ser uma afronta a Constituição, tal disposição se configura como um tolhimento do direito do réu de saber quem efetivamente está cuidando de seu processo.

No que toca ao principio da motivação das decisões, a nova lei também parece negligenciá-lo, uma vez que permite que outros dois juízes adentrem ao processo sem ter participado de todas as etapas, inclusive no colhimento de provas. Sendo assim, não só este princípio resta lesado, mas também o princípio da identidade física do juiz, conforme cita Fausto Macedo de acordo com as palavras do advogado Pierpaolo Bottini:

O advogado Pierpaolo Bottini diz que ‘é justificável o reforço a medidas de segurança aos juízes, diante de recentes atentados’. E adverte: ‘A formação de um colegiado para atos como a sentença afeta a garantia da identidade física do juiz, porque ao menos dois magistrados integrantes do grupo não estiveram presentes no momento de produção da prova, não participaram dos interrogatórios, das audiências de testemunhas’ (MACEDO, 2012).

A partir daí pode se concluir que a motivação das decisões dos juízes não se dará de forma eficiente, posto que a ausência de ao menos dois deles em todas as etapas do processo dificulta a ciência das circunstancias envolvidas, e por conseguinte, uma fundamentação adequada. A respeito disso se manifestam Américo Bedê Júnior e Gustavo Senna dizendo que:

No processo penal é exigida uma fundamentação individualizada para cada réu e para cada crime.

Não é válida a fundamentação genérica, e, além disso, o juiz é obrigado a apreciar todas as teses levantadas pela defesa (mesmo que antagônicas), como garantia da motivação da decisão. (BEDÊ JÚNIOR, SENNA; 2009, p. 107).

Assim, infere-se a importância do referido princípio, que visa, acima de tudo, controlar a prestação jurisdicional, como complementa Antonio Scarance Fernandes alegando que:

Os destinatários da motivação não são mais somente as partes e os juízes de segundo grau, mas também a comunidade que, com a motivação, tem condições de verificar se o juiz, e por conseqüência a própria Justiça, decide com imparcialidade e com conhecimento da causa. (FERNANDES, 2005, p. 135).

Ou seja, a motivação das decisões deixou de ser apenas uma “formalidade” a ser cumprida adquirindo um status de referência para atestar, dentre outras coisas, a imparcialidade e conhecimento de causa do julgador. Portanto, eis outro fator pelo qual a nova lei se torna alvo de crítica.

Aliado a esses dois princípios já debatidos, há outro que se encontra tão lesado quanto, que é o da identidade física do juiz, pois, admitindo a entrada de mais dois togados no processo; os quais não se faziam presentes desde o início deste, e permitir a eles, mesmo nesta condição, uma série de atos, fere a diligência que faz com que o mesmo juiz que participou da instrução seja aquele que deva proferir sentença.

Além disso, conforme foi dito anteriormente, ao conceber uma decisão colegiada assinada por três magistrados, a nova lei busca mascarar aquele que efetivamente decretou a sentença do réu, na tentativa de lhe proporcionar, uma maior segurança. Confirmando tal colocação Rogério Waldrigues Galindo menciona o testemunho do desembargador José Laurindo de Souza Netto que atesta inclusive a inconstitucionalidade da referida lei por contrariar este princípio:

O principal argumento pela ilegalidade é que a lei viola o princípio da identidade física do juiz. Pela legislação brasileira, o juiz que instrui o processo (ouvindo as testemunhas e o réu, por exemplo) tem de ser o mesmo que dá a sentença.

“Essa lei nova permite que o juiz que não participou do processo julgue, o que viola a garantia do réu”, afirma Souza Netto. “A inércia do Estado em proteger os juízes não deve levar a uma relativização das garantias constitucionais”, diz. (GALINDO, 2012).

Resta claro, pois, a afronta a mais este princípio.

Não obstante a todas essas colocações, vale lembrar que também o princípio da publicidade se encontra violado com a nova lei, posto que recai sobre a decisão a proposta de esconder aquele que realmente a proferiu.

Pelo princípio da publicidade entende-se que este tem a finalidade precípua de assegurar a transparência da atividade jurisdicional, possibilitando a todos os interessados a fiscalização desta como forma de comprovar a confiança na justiça, conforme ensinam Américo Bedê Júnior e Gustavo Senna:

Inerente ao princípio do devido processo legal é o princípio da publicidade, que vigora em todo sistema dito acusatório. Numa concepção pós-moderna, pode-se dizer que é através da publicidade que se assegura ao cidadão o acesso aos altos praticados no curso do processo, servindo de garantia para a população na fiscalização do Poder Judiciário, o que – veremos adiante – revela uma clara postura democrática, avessa aos segredos e à visão de que o destino do processo não vai além do interesse das partes envolvidas (acusação e defesa), pois é inequívoco que o processo não pode mais parecer alheio – como no passado – aos interesses gerais da população, o que acaba levando à conclusão de que “o povo é o juiz dos juízes”. (BEDÊ JÚNIOR; SENNA, 2009, p.317).

Após essa colocação, cabe concluir que ao passo que se tenta ocultar, tanto ao réu quanto à população, o julgador de determinada decisão, impossibilita-se o cumprimento do referido princípio, que por sua vez, trará como resultado a falta de confiança no judiciário.

Diante do exposto, fica comprovado o motivo pelo qual tal lei vem sendo taxada de inconstitucional, pois estes são apenas alguns dos princípios constitucionais lesados nos dispositivos desta.

Não obstante todas essas críticas, vale ressaltar que, conforme indicam alguns penalistas e criminalistas, que apesar de ter por base uma ótima justificativa, a nova lei não representa efetivamente uma maior segurança aos magistrados, posto que sua principal medida consiste em permitir que mais de um juiz profira sentença dificultando ao réu o conhecimento daquele que pode vir a condená-lo. Isso não significa, portanto, que este juiz que solicitou o auxilio de mais dois colegas para o julgamento esteja livre de riscos. Tal situação pode ensejar o inverso e pôr em risco a vida dos três togados, conforme explica Rogério Galindo ao mencionar as palavras do advogado Maurício Silva Leite:

Para o advogado criminalista paulista Maurício Silva Leite, especializado em crimes de lavagem de dinheiro, além de a lei ser possivelmente inconstitucional, não resolve o problema. “O que vai acontecer é que, ao invés de pôr um juiz em perigo, vão expor três pessoas.” (GALINDO, 2012).

Por fim, resta concluir que a nova legislação, nascida para combater a violência cometida contra os juízes brasileiros, apesar de apresentar uma ótima justificativa, não contribui em praticamente nada para atingir realmente essa finalidade.

O Estado deve se ocupar melhor em oferecer a estes operadores do direito partindo para soluções viáveis frente à realidade que se mostra no país, em vez de criar alternativas inexeqüíveis para contornar o caos, que na verdade apenas contribui para o crescimento do descrédito na justiça.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a análise pormenorizada dos aspectos mais relevantes que envolvem a Lei 12.694 de 2012, que dispõe sobre decisões colegiadas em primeira instância nos casos de crime organizado, conclui-se que a polêmica que se instalou sobre ela reside no fato de que a mesma provoca lesões graves a princípios processuais penais contidos no texto constitucional, motivo pelo qual já foi inclusive ventilada a sua inconstitucionalidade.

Além disso, ela promove uma quebra nos procedimentos já consolidados no ordenamento jurídico brasileiro, no qual, as decisões colegiadas não são proferidas em primeira instância.

Contudo, a maior crítica que se observa nessa lei é que, mesmo tendo sido instituída com o objetivo de oferecer maior segurança aos magistrados, este não é efetivamente alcançado, uma vez que, a principal medida é transformar as decisões esparsas, o que pode resultar em um efeito diverso, colocando em risco, não só um, mas dois outros magistrados. Desta forma, se vislumbra um desvirtuamento do desígnio inicial da lei.

Em suma, o presente estudo entende que a lei em contento é dotada de uma série de disposições que põem em conflito a estabilidade do ordenamento jurídico brasileiro com a justificativa de promover segurança aos togados. A finalidade é válida, mas é necessário que as medidas sejam lapidadas no intuito de alcançar tal intento.

Não basta que se crie leis oferecendo um universo de promessas, se o próprio Estado não oferece subsídios para que a norma escrita se concretize no plano real, seja fiscalizando-a, seja oferecendo reforço policial.

Enquanto não se abrir os olhos para as reais necessidades que envolvem os sujeitos do judiciário, o ordenamento restará estagnado na medida em que apresenta soluções medíocres, que apenas contribuem para o descrédito na justiça.

REFERÊNCIAS

BENÊ JÚNIOR, Américo; SENNA, Gustavo. Princípios do Processo Penal: entre o garantismo e a efetividade da sanção. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

MACEDO, Fausto. Para evitar ameaça, juiz pode decidir em grupo. Disponível em: <http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=12565>. Acesso em: 22 set. 2012.

GALINDO, Rogério Waldrigues. Constitucionalidade da lei que protege juízes é questionada. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/conteudo.phtml?id=1279566&tit=Constitucionalidade-da-lei-que-protege-juiz-e-questionada>. Acesso em: 22 set. 2012.

CUNHA, Rogério Sanches. Lei 12.694/12: breves comentários. Publicado em 28.07.2012. Disponível em: <http://atualidadesdodireito.com.br/rogeriosanches/2012/07/28/lei-12-69412-breves-comentarios-2/>. Acesso em: 22 set. 2012.

GOMES, Luís Flávio. Lei de Proteção aos Juízes não vai pegar, faltam recursos. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-ago-02/coluna-lfg-lei-protecao-aos-juizes-nao-pegar-faltam-recursos>. Acesso em: 22 set. 2012.

ABREU, Marcos. A lei 12.694/2012 não cria a figura dos juízes sem rosto nem nada assemelhado. A figura mais próxima seria a Cour d’Assises. Disponível em: <http://anamages.org.br/web/artigos/a-lei-12-6942012-nao-cria-a-figura-dos-juizes-sem-rosto-nem-nada-assemelhado-a-figura-mais-proxima-seria-a-cour-dassises/>. Acesso em: 22 set. 2012.

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Comentários à Lei n.° 12.683/2012, (julgamento colegiado em primeiro grau de crimes praticados por organizações criminosas). Dizer o Direito. Disponível em: http://www.dizerodireito.com.br/2012/08/comentarios-lei-126942012-julgamento.html>. Acesso em 02 nov. 2012.

Farsa Judicial. Disponível em:< http://es.wikipedia.org/wiki/Farsa_judicial>.http://es.wikipedia.org/wiki/Farsa_judicial>. Acesso em: 07 de novembro de 2012

Documento - Peru: Fin del sistema de los "jueces sin rostro" - solo un paso mas hacia los juicios justos en los casos de terrorismo. Aministía Internacional, 176/97, Índice AI: 46/38/97/s. Data: 16 de Outubro de 1997. Disponível em:< http://www.amnesty.org/es/library/asset/AMR46/038/1997/es/af0dbc94-e988-11dd-8224-a709898295f2/amr460381997es.html>. Acesso em: 02 nov. 2012

Conclusiones y Recomendaciones. Segundo Informe sobre la situación de derechos humanos en Colombia. Washington, D.C., Março de 1994, OEA/Ser.L/V/II.84,doc.39 rev.. Disponível em:< http://www.hchr.org.co/documentoseinformes/documentos/html/informes/osi/cidh/CIDH%202o%20Informe%20Colombia%20Concl%20y%20Recomend.html>. Acesso em: 02 nov. 2012

KATZ; Claude e GARCÍA; Luis C. N. Jueces anónimos, Justicia Ciega. De 30 de junho a 7 de julho de 1996. Informe N 229/2, de Dezembro de 1996, Paris, França. Disponível em:< http://www.derechos.org/nizkor/colombia/doc/jueces.html#Referencia%20Normativa%20de%20la%20Justicia%20si>. Acesso em: 02 nov. 2012

La Situacion de los Derechos Humanos en Peru. Informe apresentado ante a Sub-Comissão de prevenção de descriminação e proteção de minorias e das Nações Unidas. Disponível em:< http://www.derechos.net/cnddhh/informes/sub.html>. Acesso em: 02 nov. 2012.



[1] Paper destinado a disciplina de Direito Processual Penal I

[2] Alunos do 6º período de Direito - turno vespertino - da UNDB

[3] Professor da referida disciplina