Função social e as limitações ao direito de propriedade: análise deste instituto no Direito Brasileiro

Diego Soares Montelo e Eldiane Rodrigues[1]

                                                                                        Viviane Gomes de Brito ²

 

SUMÁRIO: SUMÁRIO: 1. A Função social da propriedade: uma breve análise histórica até a atual Constituição Federal 88 2. A propriedade privada e seus reflexos jurídicos: conceito, limitações e polêmicas. 3. Peculiaridades do princípio da função social da propriedade rural 4. A função social da propriedade imóvel e o Novo Código Civil: alguns exemplos a serem analizados.

 

RESUMO

No presente estudo acadêmico, trataremos da Propriedade Civil, suas peculiaridades e sua proteção jurídica na Constituição Federal e princípios constitucionais. Além disso, traçaremos um breve histórico do direito à propriedade, para entendermos sua função jurídica na atualidade, relacionando com sua função social. Após esse estudo introdutório, analisaremos as principais questões relacionadas ao direito sobre a propriedade privada bem como sua base constitucional, falando um pouco das faces estáticas e dinâmicas desta assim como suas limitações. Em relação à propriedade rural, um tema deveras polêmico que esta inserido na função social e das limitações do direito à propriedade, buscaremos analisar os conflitos de terras, e traçar um paralelo com os princípios constitucional garantidores da propriedade. E por fim, buscaremos dissecar o alcance do art. 1.228 do Novo Código Civil que traz em seu parágrafo 2º, todos ensejadores de limitações à propriedade.

PALAVRAS-CHAVE

Propriedade. Função Social. Princípios. Direito Civil

INTRODUÇÃO

O direito real de propriedade, é sem dúvida, o mais amplo e polêmico de todos os direitos reais. É com base nessa assertiva, que iniciarmos nosso estudo sobre a Propriedade, sua função social, e temas polêmicos que se inserem dentro dessa contextualização. Inicalmente é salutar definir o que seria a propriedade no mundo jurídico, seu conceito, sujeitos, objeto, bem como a diferença entre Propriedade urbana e rural. Com base no autor Orlando Gomes, em seu livro Direito Reais, vemos que para conceiturarmos a propriedade, temos que ter em vista plo menos três critérios:  o sintético, o analítico e o descritivo.

A propriedade no sentido sintético significa a submissão de uma coisa, em todas as suas relações, a uma pessoa. No sentido analítico, remete ao direito de usar fruir e dispor d eum bem, e de reavê-lo de quem injustamente o possua. Por fim, a porpriedade no sentido descritivo significa o direito complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo, pelo qual uma coisa fica submetida à vontade de uma pessoa, logicamente, em conformidade às limitações da lei. (GOMES, 2002). O direito à propriedade é tão juridicamente relevante que possui guarida constitucional, em seu artigo 5º inciso XXII temos: “ É garantido o direito à propriedade”, porém, em caso de desapropriação judicial esse direito é limitado (veremos melhor nos proximos tópicos).

Como titulares do direito à propriedade temos todas as pessoas, tanto física como jurídica, seja de direito público ou privado. Quanto ao objeto do direito à propriedade, temos que este deve ser coisa especificamente determinada, subsistindo na doutrina que devem ser bens corpóreos (apesar do Código Civil trazer os direitos autorais como sendo propriedade literária), além do que o objeto deve ser indidual e deve ter valor econômico materializado.

1. A Função social da propriedade: uma breve análise histórica até a atual Constituição Federal 88

O tema em questão constitui algo tão complexo que vem sendo tratado de diversas formas o longo d anossa história, por ser algo relevante em nosso cotidiano, a propriedade, sua função e seu conceito foi sendo construído ao longo da hisória até chegarmos a nossa atual concepção. Portanto, nao é de hoje que temos o instituto propriedade. Os romanos tinham a propriedade como um direito absoluto, ou seja, diferente do que compreendemos hoje, a propriedade para eles nao possui limites, tampouco restrições.

 Como afirma  Lucas Hayne Barreto, “para os juristas romanos daquela época, a propriedade era constituída de três faces: usus (o poder de utilizar-se da coisa); o fructus (o poder de perceber frutos ou produtos do bem); e o abusus (o poder de consumir ou alienar a coisa)”(BARRETO, 2005). Dessa forma, não havia nada que pudesse limitar esse direito, mas que posteriormente seria necessário, com a Lei das Doze Tábuas, que trazia a proteção contra atos que atentassem ao poder de propriedade sobre a coisa, como por exemplo, o furto, ou invasões de propriedade para causar mal a algum animal em propriedade alheia.

   De acordo com Benedito Ferreira Marques, a função social de propriedade adquiriu significativa importância nos estudos de Aristóteles, acreditando inclusive ser ele o precursor da ideia de função social atrelada à propriedade. Segundo Benedito, Aristóteles foi o primeiro a entender que aos bens se deveria dar uma destinação social, e esse entendimento foi desenvolvido por Tomás de Aquino, posteriormente.:

“O conceito tomista de propriedade possuía três planos distintos na ordem de valores. No primeiro deles, o homem teria um direito natural ao apossamento de bens materiais, dada sua natureza de animal racional, como forma de manter sua própria sobrevivência. No segundo, considerou-se que o homem não poderia refletir apenas acerca de sua sobrevivência imediata, como ocorre com os animais irracionais, porque deveria pensar também no amanhã, pois, para que fosse verdadeiramente livre, precisaria estar ao abrigo das surpresas econômicas. Num terceiro plano, permitir-se-ia o condicionamento da propriedade em razão do momento histórico de cada povo, desde que não se chegasse a negá-lo. Ou seja, embora a propriedade consistiria num direito natural, o proprietário não poderia abstrair-se do dever do zelar pelo "bem comum". 

 

Dessa forma, a propriedade era tida como direito natural, porém deveria respeitar o bem comum, ou seja, a ideia de que o bem de todos ainda estava acima do individual. Foi somente com o Código de Napoleão que foi fixada as características e um conceito mais próximo do que temos hoje de propriedade, que sem dúvida, serviu de inspiração para elaboração do Código Civil brasileiro. Porém, segundo Bendito Marques, "foi com Duguit, escorado no pensamento positivista de Comte, que o direito de propriedade se despiu do caráter subjetivista que o impregnava, para ceder espaço à ideia de que a propriedade era, em si, uma função social."  Então, conforme esse célebre pesquisador, o propulsor das ideia de propriedade atrelada a uma função social, com inspiração em Aristóteles e Tomás de Aquino foi Duguit  com a célebre palestra ministrada em Buenos Aires no ano de 1911.

Conforme anota Benedito Marques, no Brasil, desde a concessão das chamadas sesmarias, já se tinha a preocupação com a função social, visto que os sesmeiros deveriam cultivar a terra com o fim de tirar-lhe proveito econômico, se ocupando com as questões agrícolas. Logo em seguida, posterior a independência, com a criação da Constituição de 1824 vimos que a definição de propriedade não restou muito clara, esta afirmava em seu artigo 179, XXII  que o direito de propriedade "em toda sua plenitude", ressalvada uma "única" exceção: o uso público indenizado do bem, quando legalmente necessário in verbis: “É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela.

A Lei marcará os casos, em que terá lugar esta única exceção, e dará as regras para se determinar a indenização.” Em seguida, com a Constituição de 1916, percebemos quase nenhum avanço significativo em relação ao direito da propriedade e sua função social, salvo na parte que previa desapropriação por necessidade, ou utilidade pública. Já o Código Civil de 16, pouco contribui com a evolução do conceito de função social atrelado à propriedade, limitando-se apenas a regular os casos de necessidade ou utilidade pública, extraindo o que já estava previsto constitucionalmente. O que se observa nesse período é que as Constituições foram apenas reproduzindo o mesmo sentido, acrescentando pouco ou até mesmo nada ao direito à propriedade.

Foi na Constituição de 1934 que a função social da propriedade ganhou espaço significativo, se compararmos às Constituições anteriores. Em seu artigo 113, n. 17 dispunha:

“É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.”

Posteriormente, a Constituição de 1946 trouxe uma inovação condicionando o uso da propriedade ao "bem-estar social”: “O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.” A partir desse dispositivo constitucional, foi que se fez necessária a regulamentação por meio da Lei 4.132 de 1962 que cuida dos casos de desapropriação por interesse social.

A regulamentação da função social do imóvel rural ficou por conta do Estatuto da Terra. Então, (Lei 4.504, de 30/11/64), em que em seu artigo 2º dispõe:

 “Art. 2° É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei”.

 § 1° A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente:

 a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam,    assim como de suas famílias;

 b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;

 c) assegura a conservação dos recursos naturais;

 d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem.”

 A partir daí, observa-se que a expressão “função social’ propriamente dita, foi incorporada às Constituições seguintes, até que por fim chegasse a nossa atual Carta Magna de 88, cujo artigo 5º dispõe:

“XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;

XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;

XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;

2. A propriedade privada e seus reflexos jurídicos: conceito, limitações e polêmicas.

 

Para melhor compreensão da propriedade privada, bem como seus reflexos jurídicos, é salutar compreendermos a priori o conceito de  função social. O que seria, portanto, essa função social dentro do direito á propriedade? O que ela assegura? Pois bem, para entendermos o que é função social, vamos começar pelo conceito de função. Conforme Orlando Gomes, “o termo função contrapõe-se a estrutura e serve para definir a maneira concreta de operar um instituto ou de um direito de características morfológicas particulares e notórias.”

Dessa forma, quando se reconhece um direito, como o direito à propriedade, é necessário atentar-se para o fato de que este não está sendo assegurado tão somente para satisfação do direito do proprietário, mas sim um interesse que se tornou social. Conforme ressalta Tepedino e Schreiber em A garantia da Propriedade no Direito Brasileiro: “a funcionalização da propriedade introduz critério de valoração de sua própria titularidade, que passa a exigir atuações positivas de seu titular, a fim de adequar-se à tarefa que dele se espera na sociedade”.

E é justamente disso que decorre a função social da propriedade, com o pensamento de que as atuações do proprietário devem levar em conta também o meio social que este se insere, e não somente a sua própria titularidade. Alguns doutrinadores, como Benedito Marques afirmam que a propriedade não se confunde com sua função social:

“ainda que a função social faça parte da estrutura do direito de propriedade, servindo como título jurídico de atribuição plena das faculdades que lhe são inerentes, não se pode sustentar que sua eventual inobservância subtraia todos os direitos do proprietário inadimplente. Isso seria chancelar exagero que daria margem até para justificar a expropriação sem o pagamento de indenização. É que a Constituição não baniu o direito de propriedade; apenas impôs a seu exercício o dever de cumprimento da função social.” (MARQUES, 1966).

Portanto não se pode confundir a função social, com toda a subtração de um direito que é inerente ao proprietário, interpretando que a Constituição baniu de todo, o direito à propriedade, como fazem alguns doutrinadores, caso a função social não seja observada.

     Porém, há de se constatar, que como consequência da função social, são impostas ao titular do direito à propriedade uma série de deveres, que refletem as limitações ao exercício desse direito. Limitações essas que tem como princípio geral o de que o direito à propriedade sofre limitações decorrentes da lei, dos princípios gerais de direito e da própria vontade do proprietário.

As limitações ao direito da propriedade se subdividem em limitações: legais, de direito administrativo, jurídicas, voluntárias e de direito positivo. Dentre as limitações legais podemos citar que são aquelas expressas em leis especiais, no Código Civil ou ate mesmo em regulamentos administrativos. Essas limitações possuem, segundo Orlando Gomes, como fundamento o interesse público, social ou coletivo, ou seja, o interesse de outros proprietários considerados em função da necessidade social de coexistência pacífica.

 Economicamente falando, a função social da propriedade esta mais relacionada à dignidade da pessoa humana, no sentido da valorização do trabalho humano e livre iniciativa, assegurando uma existência digna, conforme artigo 170 da CF 88 que aduz em seu inciso II: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: a propriedade privada;” Tal pretensão constitucional se revela um tanto otimista, visto que a realidade que as necessidades humanas são infinitas, e nossos recursos escassos. Então, podemos perceber que é assegurado a todos o acesso à propriedade de terra, que esta atrelada ao bem estar coletivo e limitado a este. Assim como afirma o ministro Celso de Mello:

“O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República. O acesso a terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade. A desapropriação, nesse contexto – enquanto sanção constitucional imponível ao descumprimento da função social da propriedade – reflete importante instrumento destinado a dar conseqüência aos compromissos assumidos pelo Estado na ordem econômica e social. Incumbe, ao proprietário da terra, o dever jurídico-social de cultivá-la e de explorá-la adequadamente, sob pena de incidir nas disposições constitucionais e legais que sancionam os senhores de imóveis ociosos, não cultivados e/ou improdutivos, pois só se tem por atendida a função social que condiciona o exercício do direito de propriedade, quando o titular do domínio cumprir a obrigação (1) de favorecer o bem-estar dos que na terra labutam; (2) de manter níveis satisfatórios de produtividade; (3) de assegurar a conservação dos recursos naturais; e (4) de observar as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que possuem o domínio e aqueles que cultivam a propriedade.”

Nesse ínterim, acrescenta Orlando Gomes:

"A resposta segundo a qual a função social da propriedade é antes uma concepção com eficácia autônoma e incidência direta no próprio direito consente elevá-la à dignidade de um princípio que deve ser observado pelo intérprete, tal como sucede em outros campos do Direito Civil, como o princípio da boa-fé nos contratos. É verdade que assim considerada se torna uma noção vaga, que todavia não é inútil na medida em que inspira a interpretação da atividade do proprietário. Nessa ótica, a ação do juiz substitui a do legislador, do Congresso ou da Administração Pública. O comportamento profissional do magistrado passa a ser, no particular, 'uma ação de invenção e de adaptação', como se exprime Lanversin definindo a ação pretoriana como um meio de realizar a modernização do direito. É verdade que, nessa colocação, se corre o risco de um uso alternativo do direito ou de uma resistência empdernida. Como quer que seja, o preceito constitucional que atribui função social à propriedade não tem valor normativo porque não se consubstancia nas normas restritivas do moderno direito de propriedade, mas simplesmente se constitui no seu fundamento, na sua justificação, na sua ratio"


           Dessa forma, o usufruto da propriedade, seu uso e gozo estão atrelados, como já exposto nos parágrafos cima, ao que a Constituição Federal devota à propriedade. Portanto não há que se falar em direito individual de propriedade, mas sim um direito socialmente coletivo. Se assim não for, ou seja, se o uso desse direito não atender aos interesses coletivos, promovendo-lhes bem estar e contribuindo para o progresso econômico, o que ocorre é que a propriedade já não poderá mais permanecer nas mãos de quem a não trabalha, e como consequência terá a desapropriação por interesse social a fim de que, por fim, possa alcançar mediante o trabalho, a função social a que está predestinada.

3. Peculiaridades do princípio da função social da propriedade rural

Sobre os imóveis rurais, tudo em relação a função social também e aplicada aqui, porém , temos certas peculiaridades anotadas especialmente por jus-agraristas. Vale ressaltar que a expressão "função social da propriedade rural" é altamente criticada pelos pesquisadores do direito agrário. Eles dizem que essa expressão utilizada pelo Constituinte não condiz plenamente com as preocupações da dimensão do problema agrário, não se resumindo só à questão da propriedade, mas também a função social da posse e dos contratos agrários. A nossa constituição não se preocupou com a positivação das normas que colocam acerca do princípio da função social da propriedade, salvo em relação aos imóveis rurais.

Em relação aos imóveis rurais, a Constituição foi menos bondosa para com o legislador. Percebe-se que só a União Federal possui competência material para causar a desapropriação por inadimplemento da função social do imóvel rural (caput do art. 184), bem como  para legislar sobre as condições  a serem atendidas. Apenas a União tem a atribuição para fiscalização e controle da observância da função social do imóvel rural.

Na lei 8.629/93 em seu artigo 2º, a atribuição para entrar no imóvel rural, em nome da União, para levantamento de dados, é realizada por intermédio de "órgão federal competente" (§2º do art. 2º),  essa tarefa vem sendo assistida por uma autarquia federal, no caso, o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Porém, essa competência de controle não é exclusivamente da União, motivo pelo qual se demonstra válida a possibilidade de delegação aos Estados-membros, Distrito Federal ou a municípios. 

Percebe-se ainda que o art. 185 da nossa constituição  instaura zona de imunidade à desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, ainda que a função social não esteja sendo obdecida, em relação a: pequena e média propriedade rural, desde que seu proprietário não possua outra e à propriedade produtiva. Como crítica, temos a extensão dessa imunidade expropriatória na questão da grande propriedade produtiva, afirmando que a produtividade é apenas um dos elementos da função social, sendo que  não basta ser produtivo a propriedade rural para que seja cumprido o princípio.

A satisfação da função social do imóvel rural solicita a presença simultânea de exigências propagadas em três óticas: a econômica, que é ligada à produtividade do imóvel rural; a social ligando-se as disposições que ordenam as relações de trabalho e as que contemplam o bem-estar dos que exploram a terra; a ecológica, relacionada com a preservação do meio ambiente. A Constituição, no caput do art. 186, prever que essas condições fossem fixadas por lei, atendendo peculiaridades da região onde se situa cada imóvel rural.

O legislativo fixou critérios de cumprimento da função social do imóvel rural, conforme estabelecidos pela Lei 8.629/93, atualmente alterada pela MP 1.577, de 11/06/97, e reedições (atualmente, MP 2.183-56, de 24/08/2001). Não temos em registro de que o poder Público tenha respeitado a regra do art. 11 da Lei 8.629/93, que mesmo antes da alteração determinada pela MP 1.577/97, já solicitava o estabelecimento dos parâmetros, índices e indicadores que comunicava o conceito de produtividade fosse escutado também o Conselho Nacional de Política Agrícola.

A Lei 8.629/93 é plausível em não retirar a classificação de propriedade produtiva do imóvel que, por razões de força maior ou caso fortuito, devidamente comprovados pelo órgão competente, deixar de expor, no ano seguinte, os graus de eficiência na exploração, estabelecidos para a espécie (art. 6º, §7º). Sendo assim, os danos à produtividade causados de esbulho da área, podem ser considerados hospedados por essa norma legal, como já reconheceu o STF.³ Segundo Juliano Taveira (2001):

Pela ótica social, considera a lei que a terra, mesmo produtiva, poderá estar desatendendo à função social se quem a explora o faz com desrespeito às leis trabalhistas, às disposições dos contratos agrários, bem como se não forem observadas as normas de segurança do trabalho ou provoca conflitos e tensões sociais no imóvel (§§4º e 5º do art. 9º da Lei 8.629/93). Aqui, portanto, é importante identificar o agente provocador do conflito social, pois com ele a lei não se compadece. Daí por que se afiguram materialmente corretas as disposições contidas na atual MP 2.183-56/2001, que inseriram os §§6º a 8º na redação do art. 2º da Lei 8.629/93

O último dos requisitos a ser analisado refere-se à utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente. Observa-se adequada a aplicação  dos recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz apreciando a aptidão  natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade (§2º do art. 9º da Lei 8.629/93). E por conservação do meio ambiente aspira à lei, a sustentação das características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas (§3º do art. 9º da Lei 8.629/93). Para Juliano Taveira(2001) :

Percebe-se a necessidade de ponderar os aspectos relativos ao aproveitamento racional e adequado do imóvel rural (ótica econômica) em face daqueles referentes à adequada utilização dos recursos naturais e a preservação do meio ambiente (ótica ecológica). Assim, na fixação dos requisitos da função social do imóvel rural, a lei há de observar uma razoabilidade interna [84] que permita a eleição de critérios adequados tanto sob a ótica econômica quanto ecológica, daí o motivo de a Constituição mencionar, em ambos os casos, a questão da adequabilidade (cf. os incisos I e II do art. 186). Dessarte, a fixação do GUT e o GEE não pode perder de rumo a vedação à exploração econômica depredatória. É preciso saber se os parâmetros de produtividade que vêm sendo fixados pelos órgãos do Executivo não estão trabalhando com padrões por demais genéricos, ou que não levem em consideração certas peculiaridades ligadas à localização dos imóveis rurais.

4. A função social da propriedade imóvel e o Novo Código Civil: alguns exemplos a serem analizados.

O novo Código Civil, determinado pela Lei 10.406/2002 trás a questão da função social da propriedade no Brasil, recebendo importantes colaborações e institutos.     Primeiramente temos as disposições preliminares do título relativo à propriedade (Seção I do Capítulo I do Título III do Livro III da Parte Especial), depois temos seu conceito (caput do art. 1.228), o novo Código cuidou em desenhar conjecturas sobre  à utilização do direito de propriedade. Sua tarefa será feita: "em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas" (§1º do art. 1.228).

O legislador civil opta por seguir na positivação do principio relativo ao propósito econômico e social da propriedade. Consequentemente proporciona ao juiz determinar as correspondentes regras concretas. Juliano Taveira (2001), diz que:

Aliás, inova o recente Código ao indicar algumas regras ligadas à finalidade social e econômica da propriedade. Esse o caso da norma do art. 1.229, que apesar de inserir na abrangência da propriedade do solo o espaço aéreo e subsolo, [87] retira a garantia de proteção do direito do proprietário se desenvolvidas atividades por terceiros a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las. Da mesma forma, o §2º do art. 1.228 consagrou proibição ao abuso do direito de propriedade, ao estabelecer serem "defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem."

Na questão da aquisição da propriedade imóvel por usucapião, temos a Lei 10.406/2002 que também é inovadora. O Código de 1916 faz a previsão somente do usucapião  ordinário e o extraordinário. Os requisitos do  usucapião ordinário  compreende-se em desonera-se da boa-fé do possuidor, porém depende da posse ininterrupta, e sem oposição, por longos 20 anos. Já no extraordinário, obriga a boa-fé do adquirente, mas o tempo de posse é menor: 10 ou 15 anos, conforme se tratando ou não de pessoas que moram no mesmo município. No novo sistema, foram copiadas nos artigos 1.239 e 1.240 as conjecturas de usucapião criadas pela CF/88, bem como diminuído o prazo da usucapião ordinária para 15 anos, salvo se o possuidor houver determinado no imóvel moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo, caso em que o prazo cai para 10 anos.

                   Na questão  de perda da propriedade, sobretudo, a maior mudança  do Código de 2002 diz respeito aos §§4º e 5º do art. 1.228:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

§ 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.

§ 3º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.

§ 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

§ 5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.



                   Como vemos, de acordo com  o §4º, o juiz poderá estatuir a perda da propriedade sobre imóvel de vasta área, não sendo interrompido a  posse de boa-fé, por mais de cinco anos, por parte de um grande  número de pessoas, desde que os possuidores tenham na área realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. Porem exige o §5º que seja estabelecida indenização ao dono do imovel, regulando o registro do imóvel em nome dos possuidores apenas quando for pago o preço.

Com relação ao estabelecimento de moradia, o professor e juiz federal Juliano Taveira (2001) diz que:

O novo Código foge de sua própria sistemática, abandonando o emprego das consagradas expressões "domicílio" e "residência" (art. 70 e seguintes). Dessarte, moradia não se confunde com domicílio e tampouco precisa ser a única do possuidor. Porém, o conceito de moradia está historicamente ligado ao de habitação. [96] Logo, apesar de a redução valer para estrangeiros (ressalvada a hipótese do art. 190 da CF/88), é imprópria sua utilização para pessoas jurídicas. Outra, aliás, não é a diretriz dos arts. 183 e 191 mencionados. [98] Além disso, ao exigir que o possuidor tenha estabelecido no imóvel "sua" moradia, a redação do par. único do art. 1.238 não deixa dúvidas quanto ao caráter pessoal e indelegável da habitação, pelo que a redução do prazo não se aplica, e. g., quando, no interstício, tenha havido locação ou arrendamento do imóvel. Por fim, de modo a evitar abusos, o critério da "habitualidade" da moradia deverá ser verificado com parcimônia pelo juiz. "Habitual" não se confunde com "ocasional".


CONSIDERAÇÕES FINAIS:      

Vemos que  o novo Código Civil, introduzido pela Lei 10.406/2002, engloba a preocupação com a observância do princípio da função social em muitos momentos, a começando pelo próprio conceito do direito de propriedade em geral, cujas praticas deverá esta de acordo com objetivos econômicas, sociais e voltadas à preservação do equilíbrio ecológico, do patrimônio histórico e artístico. Concluímos que os imóveis rurais, tem tudo em relação a função social também com certas peculiaridades anotadas especialmente por jus-agraristas, ressaltando que a expressão "função social da propriedade rural" é altamente criticada pelos pesquisadores do direito agrário, afirmando que essa expressão utilizada pelo Constituinte não condiz plenamente com as preocupações da dimensão do problema agrário, não se resumindo só à questão da propriedade, mas também a função social da posse e dos contratos agrários.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

GOMES, Orlando. Direitos Reais. 13ª. ed. Forense: Rio de Janeiro, 1998.



MARQUES, Benedito Ferreira. Direito agrário brasileiro. Goiânia: AB Editora, 1996.

TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. O papel do poder judiciário na efetivação da função social da propriedade. In: Questões agrárias – julgados comentados e pareceres. São Paulo: Método, 2002.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão ADI 2.213-MC. Relator: Min. Celso de Mello. Distrito Federal, 04 de abril de 2002. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347486. Acesso em: 02 de Nov. 2012

BERNARDES, Juliano Taveira. Da função social da propriedade imóvel. Estudos do princípio constitucional e de sua regulamentação pelo novo Código Civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 151, 4 dez. 2003 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4573>. Acesso em: 16 nov. 2012.



[1] Acadêmicos do 5º período do curso de Direito da UNDB

² professora da disciplina de Direitos Reais