ENSAIO SOBRE A ALIENAÇÃO PARENTAL E A INTERVENÇÃO DO PSICÓLOGO

Jéssica Camila Corrêa Lourenço[1]

O direito de família, em inúmeras situações, se interpenetra com a psicologia. Não obstante, quando se fala em Alienação Parental, essa interseção interdisciplinar se mostra extremamente importante.

Na era contemporânea, as relações matrimoniais são mais efêmeras, os casais se separam ou divorciam mais comumente, o que abre espaço para as disputas judiciais pelas guardas dos filhos.

Nesse cenário, surge a Alienação Parental, descrita pela primeira vez na década de 80 por Richard Gardner[2] e, desde então, tem sido amplamente estudada até os dias de hoje.

Em 26 de agosto de 2010 foi promulgada a Lei 12.318, que conceitua a alienação parental:

Art. 2º Considera-se ato de alienação parental a interferência na formaçãopsicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dosgenitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob asua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie o genitor ou quecause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. (BRASIL, D.O.U., 2010)

Destarte, a alienação parental se caracteriza quando um dos genitores, avós ou qualquer um que detenha a guarda da criança ou adolescente, sem qualquer motivo justificável, promova uma espécie de campanha de difamação e repúdio ao outro genitor, fazendo com que a criança ou o adolescente tenham como verdades tudo aquilo que é dito em desfavor do outro genitor, passando desenvolver sentimentos negativos por este, a odiá-lo ou evitá-lo.

Conforme salienta Fonseca (2006) apud Marine, Melo e Ingold[3] (2012), a alienação parental se diferencia do que se denomina Síndrome da Alienação Parental (SAP):

A alienação parental é o afastamento do filho de um dos genitores,provocado pelo outro, via de regra, o titular da custódia. A síndrome daalienação parental, por seu turno, diz respeito às sequelas emocionais ecomportamentais de quem padecer a criança vítima daquele alijamento. (p. 6)

A alienação parental é um abuso psicológico, e as consequências dessa prática podem ser nefastas para a criança, comprometendo sua formação psíquico-moral, tendo em vista o período da infância e adolescência serem fundamentais para a formação do caráter de um indivíduo.

A própria Constituição Federal de 1988 (CF/88), em seu artigo 227 dispõe que “é dever da família [...] assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito [...] àconvivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma denegligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Dessa forma, poder-se-ia dizer que a prática da alienação parental constituiria uma violação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente.

Dispõe ainda o artigo 4º da Lei 12.318/2010:

Art. 4º Declarado indício de ato de alienação parental (...) o juiz determinará,com urgência (...) as medidas provisórias necessárias para preservação daintegridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive paraassegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximaçãoentre ambos, se for o caso. (BRASIL, D.O.U., 2010)

Dessa forma, havendo indícios de alienação parental, o juiz tomará todas as providências necessárias para se preservar a criança ou adolescente vítima do abuso, determinando-se, conforme o caso, a realização de perícia psicológica ou biopsicossocial[4]. De qualquer forma, em se configurando a ocorrência da alienação parental, a Lei estabelece mecanismos de punição ou inibição de eventuais descumprimentos dos deveres inerentes à autoridade parental pelo alienador[5].

A criança ou adolescente vítima desse abuso moral apresenta sinais, sintomas, que podem ser avaliados e diagnosticados pelo profissional competente, no caso, os psicólogos que atuam nas Varas de Família da Justiça Estadual como peritos, nomeados pelos juízes ou assistentes técnicos constituídos pelas partes.

De acordo com Lima (2008) apud Marine, Melo e Ingold[6] (2012), “a intervenção do Psicólogo nas Varas de Família resume-se em avaliação, diagnóstico, orientação, assessoramento aos juízes nos processos, mediação familiar, treinamento dos profissionais do sistema da justiça, estudo e pesquisa” (p. 7).

O diagnóstico da ocorrência da alienação parental, segundo Trindade[7] (2011), pode ser estabelecido através de alguns critérios relativamente objetivos:

 

1) Obstrução a todo contato: caracterização do abuso quando uma das partes obsta o direito de visita: Uma vez consumada a separação do casal e outorgada a guarda dos filhos a um dos exconsortes, assiste ao outro, o direito-dever de com eles estar. [...] 2) Falsas denúncias de abuso físico, emocional ou sexual; 3) Reação de medo por parte dos filhos; 4) Deterioração da relação após a separação: Para avaliar a Síndrome de Alienação Parental, um critério decisivo é investigar a relação dos filhos com o alienado antes da separação e poder compará-la com o momento posterior. [...]. (p. 5)

A própria Lei 12.318/2010, em seu artigo 2º, parágrafo único, estabelece um rol exemplificativo de situações que configuram a ocorrência da alienação parental:

I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;

II – dificultar o exercício da autoridade parental;

III – dificultar o contato da criança ou adolescente com genitor;

IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;

V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;

VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou o adolescente;

VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.(BRASIL, D.O.U., 2010)

Destarte, quem identifica, classifica e diagnostica a ocorrência de alguma(s) dessas situações são os profissionais como os psicólogos, assistentes sociais e psiquiatras. Sem a realização do trabalho desses profissionais, na identificação e diagnóstico da ocorrência da SAP, prejuízos gravíssimos podem ser sofridos pelas crianças.

O papel do psicólogo nas ações ajuizadas nas Varas de Família, em especial no que toca àquelas que envolvam a alienação parental, muito mais do que um agente profissional identificador e qualificador da ocorrência da SAP, tem-se um agente humano, com importância significativa frente à família e a sociedade, pois as vidas dessas pessoas serão decididas e terão seus rumos definidos pelas informações fornecidas por esses profissionais.

Como bem salientam Marine, Melo e Ingold[8](2012):

[...] a criação da Lei 12.318/2010 no Brasil que dispõe sobre a alienação parental e impõe medidas para sua contenção, surgiu como auxílio para os profissionais da área jurídica tendo como prioridade a proteção integral da criança e do adolescente, assim como a determinação de punições ao genitor alienador. Para tanto, é preciso que haja qualificação e preparo dos operadores do direito, professores e profissionais da saúde para que se identifique precocemente a Síndrome evitando prejuízos no desenvolvimento, formação da personalidade e identidade, e no estabelecimento de futuros relacionamentos.(p. 8)

Enfim, a Alienação Parental trata-se de um instituto que se constrói pela interseção entre o Direito e a Psicologia Jurídica, sem a qual, espinhosa se torna a compreensão dos fenômenos emocionais envoltos ao Direito de Família. Fenômenos estes incontáveis. A raiva, o ódio, o ciúme, a vingança, a Síndrome da Alienação Parental, todas as emoções que se inserem nas separações judiciais, divórcios, guarda dos filhos, e que muitas vezes são difíceis de serem demonstradas pelas próprias partes, mas que o psicólogo é capaz de articular. Essas relações familiares não estão circunscritas apenas às relações de consanguinidade, de forma que a questão da afetividade é aspecto a ser sumariamente considerado juridicamente, com o auxílio da Psicologia.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Contêm as emendas constitucionais posteriores. Brasília, DF:Senado, 1988.

---------. Lei nº 12.318/2010 (Lei Ordinária), de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobrea alienação parental e altera o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990.Brasília, DF, 2010.

COLCERNIANI, Cláudia Borges. Direito de Família: Um novo rumo ao lado da psicologia Jurídica e da Afetividade. Disponível em:http://189.20.243.4/ojs/voxforensis/index.php/Vox_2007/article/viewFile/14/36. Acesso em: 05 de junho de 2013.

MARINI, Izabela Vilela; MELO, Larissa Bezerra de; INGOLD, Marlene.Síndrome de Alienação Parental: atuação do Psicólogo nas Varas de Família.Disponível em:http://congresoulapsi2012.com/uploads/jobs/md_629/4277888f969eb29ac202b0b4d58f60db.pdf .Acesso em: 02 de junho de 2013.

 

SELL, Cleiton; DALA NORA, Maria Aparecida.  Alienação parental: um olhar jurídico e psicológico.Disponívelem:http://www.unicruz.edu.br/seminario/downloads/anais/ccsa/alienacao%20parental%20um%20olhar%20juridico%20e%20psicologico.pdf. Acesso em: 02 de junho de 2013.

 

TRINDADE, Jorge. A psicologia Jurídica no Direito de Família. Disponível em: http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CC0QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.mp.mg.gov.br%2Fportal%2Fpublic%2Finterno%2Farquivo%2Fid%2F24123&ei=T-ywUez_N4rK0wH5loHQBQ&usg=AFQjCNGokCuslmltBzAeoEidvaQ-i0ZDsA. Acesso em: 02 de junho de 2013.

VELLY, Ana Maria Frota. Alienação Parental: Uma Visão Jurídica e Psicológica. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/artigos/detalhe/666. Acesso em: 05/06/2013

 

 



[1] Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes.

[2]Richard Alan Gardner (28 de abril de 1931 — 25 de maio de 2003) foi um psiquiatraestadunidense. Obra bibliográfica: R. A. Gardner, The Parental Alienation Syndrome. A Guide for Mental Health and Legal Professionals, 2nd Edition Creative Therapeutics Inc., Creskill, New Jersey 07626-0522, USA (1998). Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Richard_Gardner.

[3]MARINI, Izabela Vilela; MELO, Larissa Bezerra de; INGOLD, Marlene. Síndrome de Alienação Parental: atuação do Psicólogo nas Varas de Família. Disponível em:http://congresoulapsi2012.com/uploads/jobs/md_629/4277888f969eb29ac202b0b4d58f60db.pdf .Acesso em: 02 de junho de 2013.

[4] Cf. Art. 5º, § 1º da Lei 12.318/2010 Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial. § 1o  O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor. (BRASIL, D.O.U., 1988)

[5]Cf. Art. 6º da Lei 12.318/2010.

[6] MARINI, Izabela Vilela; MELO, Larissa Bezerra de; INGOLD, Marlene. Síndrome de Alienação Parental: atuação do Psicólogo nas Varas de Família. Disponível em:http://congresoulapsi2012.com/uploads/jobs/md_629/4277888f969eb29ac202b0b4d58f60db.pdf. Acesso em: 02 de junho de 2013.

[7]TRINDADE, Jorge. A psicologia Jurídica no Direito de Família. Disponível em: http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CC0QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.mp.mg.gov.br%2Fportal%2Fpublic%2Finterno%2Farquivo%2Fid%2F24123&ei=T-ywUez_N4rK0wH5loHQBQ&usg=AFQjCNGokCuslmltBzAeoEidvaQ-i0ZDsA. Acesso em: 02 de junho de 2013.

[8]MARINI, Izabela Vilela; MELO, Larissa Bezerra de; INGOLD, Marlene. Síndrome de Alienação Parental: atuação do Psicólogo nas Varas de Família. Disponível em:http://congresoulapsi2012.com/uploads/jobs/md_629/4277888f969eb29ac202b0b4d58f60db.pdf. Acesso em: 02 de junho de 2013.