No início desse ano (2016) a revista britânica The Economist divulgou o “Democracy Index 2015” (Índice de Democracia 2015), onde, de acordo com o levantamento, o Brasil foi considerado o 51º país mais democrático do mundo no ano de 2014, entre 167 países analisados, com uma nota de 6,96. A título de curiosidade, de acordo com o índice, a Noruega foi considerada a nação mais democrática do mundo em 2015, com uma nota de 9,93, e a Coréia do Norte, por sua vez, o país menos democrático ou, em outras palavras, mais autocrático do mundo, com uma nota de 1,08. Nesse ranking os Estados Unidos ocupa a 20º posição, com uma nota de 8,05.

Percebemos, com essa pesquisa, que a Democracia é um regime político que pode ser medido, ou seja, embora certos princípios e práticas que regem esse regime sejam capazes de distinguir com clareza a democracia de outras formas de governo, ela existe em diferentes níveis, que podem variar de um país para outro. Como podemos ver, nem mesmo o país mais democrático do mundo obteve nota 10, que seria a nota atribuída a um regime totalmente democrático.

Robert Dahl afirma exatamente isso em sua consagrada obra “Poliarquia”. Para Dahl, democracia é um regime político ideal que ainda não foi totalmente alcançado. O que existem são graus de democratização que podem ser analisados e comparados. O autor emprega o conceito central de poliarquia em sua obra para se referir a regimes reais, diferenciando-o de democracia, que seria um sistema ideal. Tal diferenciação é feita tendo em vista que nenhum regime é totalmente democrático. Ele analisa os regimes democráticos com base em dois critérios distintos: competição política (disputa pelo poder) e participação política.

O autor sugere que existem quatro tipos principais de sistemas, sendo: hegemonias fechadas (competição e participação baixas); hegemonias inclusivas (competição baixa e participação extensa); oligarquias competitivas (competição alta e participação mais limitada) e poliarquias (competição alta e participação ampla). A partir da noção de poliarquia surgem outras centrais como poliarquia plena e quase-poliarquia.

De acordo com Dahl, portanto, a característica central da poliarquia é que se trata de um regime em que a disputa pelo poder (competição) é alta e a participação política é ampla. Mesmo com essas características, esse regime não chega a ser uma democracia, já que nesses sistemas, ainda assim, a participação política não é absoluta. Isso se deve ao fato do regime democrático ser, em sua totalidade, muito difícil de ser atingido, à luz do que se refere à participação dos cidadãos na política, uma vez que são muitas as decisões a serem tomadas em uma nação, inviabilizando a participação total.

Dahl também formula hipóteses acerca das condições mais favoráveis para que um sistema político autocrático ou com baixo grau de democracia caminhe em direção a um sistema poliárquico, considerando que a forma mais eficiente para a democracia se desenvolver é quando a dimensão da competição política precede a dimensão da inclusão política.

O autor é favorável à democracia, pois a considera um regime que traz resultados melhores por permitir maior liberdade aos cidadãos, pluralização do parlamento e a exigência de uma resposta diferenciada dos políticos que precisam se portar mais próximos dos cidadãos. Dahl afirma que, em uma democracia, é essencial que o governo tenha responsividade para com as preferências de seus cidadãos e que estes sejam tratados como iguais. É fundamental, portanto, que o cidadão tenha a oportunidade de participar do governo e a possibilidade de contestá-lo publicamente.

Partindo da mesma premissa, Lijphart em “Modelos de Democracia” afirma que existem muitas maneiras pelas quais uma democracia pode se organizar e funcionar. O autor, ao analisar trinta e seis modelos de democracias, sugere que existem dois tipos principais de democracia: o modelo majoritário e o modelo consensual. No modelo majoritário defende-se a prevalência da vontade da maioria dos eleitores, não importando se é uma maioria ampla ou estreita, desde que seja maioria. O modelo consensual, no mesmo modo, defende que os interesses da maioria sejam atendidos, porém, necessita ser uma maioria ampla, ou seja, com o maior número possível de pessoas.

Conforme o autor, esses dois modelos têm sua origem em interpretações diferentes, até antagônicas, do significado de democracia, e estão na origem de arranjos institucionais diferentes adotados pelas democracias do mundo. Observados em dimensões selecionadas do sistema político, esses modelos produzem, em cada uma delas, escalas situadas entre os dois tipos ideais puros: o majoritário extremo, de um lado, e o consensual absoluto, de outro.

De acordo com Lijphart, os modelos também se diferem com relação a dez itens, dos quais ele classificou em dois grupos: na relação entre o Poder Executivo, os partidos políticos e os grupos de interesse e na dimensão do contraste entre governos unitários e federações.

Logo percebemos, portanto, que assim como Dahl, Lijphart também defende a coexistência de diferentes democracias. Cada qual com seu método de análise. Porém, em ambos trabalhos, é nítida a convicção de que a democracia existe em níveis variados, de acordo com o país, mas não em sua totalidade.

O fato da democracia não existir em sua totalidade está muito relacionado aos limites da cidadania, pois a democracia e a cidadania estão intimamente ligadas, já que só há democracia onde há cidadania. Thomas H. Marshall nos ajuda a compreender esses limites à cidadania plena e ilimitada no capítulo 3 da sua obra “Cidadania, Classe Social e Status”, onde o autor tomou como objeto de estudo a Inglaterra.

O modelo de cidadania proposto por Marshall, apesar de se enquadrar perfeitamente apenas no caso inglês, já que se trata de um estudo empírico sobre o desenvolvimento da cidadania na Inglaterra, é muito importante e serve como referência para os estudos sobre o desenvolvimento da cidadania em outros países, inclusive no Brasil.

Em sua obra, Marshall faz uma análise e descreve como a cidadania se desenvolveu na Inglaterra, procurando apresentar argumentos para responder algumas questões colocadas por ele no início do texto, das quais podemos destacar: há limites além dos quais a tendência moderna em prol da igualdade social não pode chegar ou provavelmente não ultrapassará? A resposta para essa pergunta é sim.

Importante destacar que o autor não estava se referindo à custo econômico, como propôs o economista Alfred Marshall, o qual o autor cita como referência, mas nos limites inerentes aos princípios que inspiram essa tendência.

Segundo Thomas Marshall, o conceito de cidadania envolve três elementos, a saber: os direitos civil, político e social. O desenvolvimento da cidadania na Inglaterra se deu com a fusão e separação desses elementos. A fusão foi geográfica e a separação funcional. Na fusão a cidadania passou de instituição local à nacional e a separação refere-se à separação dos três elementos, de modo que se tornaram, nas próprias palavras do autor, estranhos entre si. Deu início, portanto, um novo processo de unificação desses direitos.

Os direitos civis foram os primeiros a se formarem, cuja formação se deu basicamente com a adição de novos direitos a um status já existente e que pertencia a todos os membros adultos da comunidade (homens). Quando os direitos políticos começaram a surgir, os direitos civis já eram uma conquista do homem. A formação dos direitos políticos se caracterizou pela adoção do sufrágio universal, mas esse não estabeleceu por completo a igualdade política de todos em termos de direitos de cidadania. Os direitos políticos se entrelaçavam com os direitos sociais que, por sua vez, começavam a surgir durante o século XIX com o desenvolvimento da educação primária pública.

Segundo o autor, a sociedade aceita as desigualdades sociais existentes entre as classes e, não apenas isso, a consideram necessária, uma vez que oferece o incentivo ao esforço e determina a distribuição do poder. Mas havia uma condição para essa aceitação: a igualdade de cidadania deveria ser reconhecida.

Contudo, a cidadania não foi impactante sob a redução da desigualdade social no final do século XIX, porém, ajudou a guiar o processo para o caminho que conduzia diretamente às políticas igualitárias do século XX. Mas essas políticas não foram suficientes para a plenitude da cidadania. Ainda é grande o déficit socioeconômico entre as classes sociais.

Comparando o desenvolvimento da cidadania britânica com a brasileira, a primeira anomalia a ser levada em consideração é que, no Brasil, a concessão dos direitos se deu em ordem inversa. Primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de supressão dos direitos políticos e redução dos direitos civis, na era Vargas, seguidos pelos direitos políticos, concedidos durante a ditadura militar. A segunda anomalia se refere a defasagem existente entre os direitos legalmente declarados e os direitos efetivamente exercidos.

Ocorre que no Brasil, o nível de desigualdade socioeconômica entre as classes mais e menos favorecidas, dentre outras coisas, é muito maior que na Inglaterra. Podemos mensurar essa diferença através do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) onde, embora o Brasil tenha melhorado com relação aos anos atrás, ainda continua muito atrás da Inglaterra, mesmo com a crise que ronda a Europa.

Como se sabe, um dos fatores que diferem a ideologia política de um partido é a promoção da igualdade de condições, que basicamente busca igualar o nível dos menos favorecidos aos demais, para que, na luta por melhores condições de vida, estes não estejam em desvantagem. Essa ideologia política é encontrada nos partidos políticos de esquerda e centro-esquerda. Como há mais de 12 anos o Brasil vendo sendo governado por um partido cuja ideologia é de centro-esquerda, o que vemos é que são fortes as políticas públicas em prol do combate à desigualdade socioeconômica, porém, a igualdade absoluta nos parece algo inatingível, seja pela qualidade e abrangência dos serviços sociais prestados no Brasil, seja por conflitos de interesse gerados pelo capitalismo monopolista. Mas como o próprio Marshall diz, não buscamos uma igualdade absoluta.

Portanto, assim como na Inglaterra, em maiores proporções, obviamente, no Brasil também há limites para o movimento em favor da igualdade (ou diretos sociais) que dificilmente serão ultrapassados, já que parece haver um abismo entre as classes mais e menos favorecidas, que só seria possível desaparecer se houvesse uma mudança significativa no sistema capitalista, algo que não é do interesse das classes dominantes.

No que diz respeito à participação política, no Brasil, não obstante os problemas que enfrentamos com relação à democracia e a cidadania, como desinteresse da população na política, conflito de interesses, personalismo, grandes diferenças socioeconômicas, monopolismo, dentre outros, podemos dizer que o Estado tem dado sua contribuição no que tange às ações de mobilização popular com vistas a uma maior participação política. Como exemplo, podemos citar o Decreto que institui a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social. Ferramentas da internet também estão contribuindo muito para a democracia participativa, como é o caso do site Dialoga Brasil, que busca opiniões dos cidadãos para formulação de políticas públicas.

Porém, ainda há muito a ser feito para que os cidadãos brasileiros recuperem ou adquiram interesse na participação política. Será preciso uma mudança na cultura, que pode ser feita através da educação para a cidadania, pensando nas futuras gerações. Será um trabalho árduo, já que, com relação ao sistema partidário brasileiro, este tem se mostrado frágil e desacredito pela maioria da população. Isso se deve aos escândalos de corrupção que frequentemente são manchetes na mídia e que, ao que parece, independe de partido político. Clientelista desde os primórdios de sua institucionalização, o sistema partidário brasileiro, em sua totalidade, vem apresentando sinais de degradação ética.

Maria do Carmo, no livro “Estado e Partidos Políticos no Brasil”, faz um importante estudo sobre a origem do sistema partidário brasileiro, que nasceu em um ambiente hostil, onde era forte a oposição ao autoritarismo, fazendo-se, portanto, necessária a atuação de partidos políticos à medida em que se buscava o fim do governo Vargas, nos anos que antecederam à restauração democrática de 1945. A autora revela que desde o início o sistema já apresentava uma escassa capacidade de penetração e mobilização popular em caráter permanente. Menciona o extenso número de partidos políticos com ideologias muito parecidas. No ano de edição do livro, 1976, haviam treze partidos. Hoje já temos 35 partidos registrados no TSE, sendo os dois últimos recentes: Rede Sustentabilidade e Partido da Mulher Brasileira. Mesmo com passar do tempo, os problemas mencionados por Maria do Carmo ainda continuam.

Ao se referir ao Estado Novo, a autora afirma que na sua instituição, mantiveram-se no poder os grupos que o dominavam. Essa centralização de poder é uma característica que ainda é encontrada na hierarquia institucional brasileira em que hoje vivemos.

Dessa forma, com todas as características aqui apresentadas, se utilizarmos o sistema de análise de Dahl para avaliar o nível de democracia do Brasil, podemos chegar à conclusão de que nosso sistema é uma oligarquia competitiva, com uma grande pluralidade partidos políticos, mas com baixa participação política, se levarmos em consideração que a participação política vai além do voto. Porém, há uma tendência, à luz das propostas governamentais de incentivo à participação política, que nos tornemos uma poliarquia. Podemos dizer que, de acordo com Dahl, ao menos, estamos no caminho certo.

Referências:

DAHL, Robert. Poliarquia. São Paulo: EDUSP, 2005.

MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. (capítulo 3 – Cidadania e classe social).

LIJPHART, Arend. Modelos de democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. (capítulos 1, 2, 3 e 9).

SOUZA, Maria do Carmo C. de. Estado e Partidos Políticos no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega,
1976.