Criminalidade na Juventude e a Questão da Redução da Maioridade Penal 

Verônica de Fátima Carmo1 

RESUMO

Este artigo vem propor uma reflexão sobre a não redução da maioridade penal, apresentando como justificativa a necessidade de relacionar o envolvimento de adolescentes com atos infracionais com os contextos social, cultural, político e econômico das famílias brasileiras, considerando o acesso nulo ou precário às políticas públicas. Neste sentido, acredita-se que a criminalidade entre jovens é uma questão amplamente social e não, legal. Serão apresentadas também sugestões de alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), especificamente, em relação à medida socioeducativa de internação e também considerações acerca do fator psicológico que também pode contribuir com a prática de atos infracionais. Deste modo, além de ser elaborado para relacionar social e politicamente a ocorrência de criminalidade na juventude, este artigo almeja apresentar alternativas para o seu combate, bem como contribuir para a reflexão tanto daqueles que defendem a redução da maioridade penal, quanto daqueles que compartilham a ideia defendida neste trabalho, considerando que a questão da criminalidade na infância e na adolescência não será resolvida com uma mudança imediatista e equivocada na legislação, mas sim, com mudanças estruturais de cunho social e político.

ABSTRACT

This article comes to propose a reflection on the penal majority reduction not showing justifications based on social contexts, cultural, political and economical of Brazilian families, linking them with the null or precarious access of these families to public policies. In this sense, it is believed that criminality among young people is a matter of social and legal, not widely. Will be presented also suggestions for changes to the Statute of the child and adolescent (law 8,069/1990), specifically in relation to youth work measure of hospitalization and also considerations about psychological factor that can also contribute to the practice of acts penalties. In this way, besides being drafted to contextualize and socially and politically justify the occurrence of crime in youth, this article aims to present some alternatives for fighting this social evil, as well as contribute to the reflection both of those who advocate the reduction of criminal majority, and those who share the idea of this research paper the issue of crime in childhood and adolescence, will not be resolved with a change short-term and misguided legislation, but yes, with social and structural changes.

Palavras-chave:

Maioridade penal, criança, adolescente, política pública, criminalidade

A defesa da permanência da maioridade penal em 18 anos se faz necessária, pois, se ocorrer sua redução, serão atingidas apenas as consequências da ocorrência da criminalidade juvenil e não as suas causas. É da origem que devem partir as mudanças, tais como o acesso e usufruto das famílias a políticas públicas com qualidade; a aplicação adequada do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – uma legislação de ampla abrangência da doutrina de proteção integral da criança e do adolescente, mas que diante das condições para sua materialização falta rigor e seriedade – e a revisão das condições de cumprimento da medida socioeducativa de internação. Para adultos, defendemos maior rigor na legislação penal para os que aliciam adolescentes à prática de ato infracional e que respondam em conjunto ao adolescente, a infração que estes cometeram, além de promover trabalho psico-socioeducativo com reclusos e detentos, de maneira que reflitam sobre o que os levaram à ação criminosa. Atividades de geração de renda dentro da prisão com o objetivo de o sujeito custear, em parte, sua própria manutenção e estar se preparando para inclusão no mercado de trabalho e preparação para seu desligamento são essenciais para melhoria das condições dos presidiários e dos presídios, ampliando o perímetro do local com espaços para atividades de agricultura e edificações, por exemplo. Este trabalho deve ser complementado com constante e adequada capacitação de profissionais que atuam no sistema prisional, nas polícias militar e civil, inclusive com reconhecimento e remuneração dignos, o que indiretamente influenciará na diminuição das ocorrências de corrupção. Não podemos esquecer que no contexto da criminalidade existe o tráfico de drogas que deve ser combatido, ou seja, que não haja só apreensão do adolescente ou adulto, mas também forte combate aos diversos tipos de tráfico, principalmente de armas e drogas, nas fronteiras do Brasil (FILHO e VAZ, 1997).

Segundo pesquisa realizada no ano de 2007, pelo Senado, em 130 municípios do País, nos 26 estados e no Distrito Federal, 87% dos entrevistados são a favor da redução da maioridade penal: “de acordo com o levantamento, desses, 36% querem a redução de 18 anos para 16; 29% para 14; 21% para 12 anos e 14% para qualquer idade desde que receba a punição de um adulto” 2.

A criminalidade juvenil no Brasil, em maior parte, reflete a omissão do Estado diante das famílias brasileiras, em especial, das crianças e dos adolescentes. A ausência ou presença mínima do Estado nos serviços sociais públicos – Saúde, Educação, Segurança Pública, Assistência Social –, o desemprego e o trabalho informal destituído de direitos trabalhistas, ampliam a desigualdade social que passa a ser, muitas vezes, responsabilidade da sociedade civil através de filantropia e benemerência para com as famílias desprotegidas pelo Estado. Este quadro pode gerar oportunidades de ingresso dos adolescentes em práticas criminosas, seja como um motivo de “revolta” pela exclusão social sua e da sua família, seja pela sobrevivência, utilizando meios ilegais para suprir a falta de produtos alimentícios, bem como de demais necessidades básicas. Salientamos que não estamos criminalizando as famílias que passam por situação de “pobreza”, pois a prática de delitos por adolescentes podem ter diversas causas, independentemente de sua classe social.

Sendo assim, o contexto que envolve a criminalidade juvenil é complexo na medida em que está relacionado com as falhas nas políticas públicas brasileiras, como na Educação3.

Há também a precariedade do Sistema Único de Saúde comprovada pelas esperas incansáveis de cidadãos que, há meses, aguardam assistência médica e hospitalar, quando não, falecem na espera. Acrescenta-se também a questão da Segurança Pública, podemos citar como exemplo, as guerras entre traficantes que tomam conta de comunidades contra as forças militares, colocando em risco pessoas inocentes. Temos ainda o fato da superlotação do sistema penitenciário brasileiro – segundo dados publicados no Jornal Data Folha Online, em 2008, só no estado de São Paulo há 96.540 vagas para 145.096 presos com seus altos números de reincidência.

Soma-se a estes fatores o sentimento de impunidade que a sociedade tem em relação aos adolescentes. Acredita-se que esta questão se deve ao fato da falta de seriedade na efetivação das medidas socioeducativas constantes no Estatuto da Criança e do Adolescente, ou até mesmo ao preconceito por parte dos cidadãos que julgam o ECA uma lei que apenas protege e não pune. O que não é verdade, pois trata-se de uma lei que possui uma sequência de punições aos adolescentes, desde advertência verbal até a internação.

Crianças e adolescentes são pessoas em processo de formação, conforme artigo 15 do ECA e sujeitos de direitos. É obrigação da família, da sociedade e do Estado que os protejam. A adolescência é uma fase peculiar do desenvolvimento humano, de construção de subjetividade (SINASE, 2006). Adolescentes não são propulsores, mas vítimas da criminalidade, sendo esta consequência da ausência ou falha dos serviços ofertados por políticas públicas.

Complementando os aspectos sociais apresentados, autores e psiquiatras (Amaro, 2004 e Kaufman, 2004) afirmam que o fator psicológico também está intrínseco nas ocorrências de criminalidade na infância e na adolescência. Amaro (2004) afirma que se deve distinguir “jovens comprovadamente portadores de distúrbios psiquiátricos de jovens com distúrbios graves no desenvolvimento da personalidade”, bem como, identificar os jovens sem estes distúrbios e efetuar o atendimento adequado a cada um, através de intervenção de equipe interdisciplinar – psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, assistentes sociais, etc.

Assim, deve haver acesso a tratamento psiquiátrico para adolescentes com distúrbios psiquiátricos, bem como, tratamento socioterápico em longo prazo para jovens acometidos por distúrbios de personalidade antissocial, pois, segundo Kaufman (2004), Transtorno de Conduta é “caracterizado por um padrão repetitivo e persistente de conduta antissocial, agressiva ou desafiadora, por no mínimo seis meses” que se manifesta entre os cinco e seis anos de idade e intensifica, na maioria das vezes, no final da infância e início da adolescência e pode agravar na vida adulta se transformando em “Transtorno da Personalidade Antissocial (CID 301.7)” (KAUFMAN, 2004) e dificilmente há êxito de recuperação.

Já, nos casos em que foi comprovada a consciência do ato infracional cometido, deverá ser aplicada sanção socioeducativa, seguindo a progressão do ECA: Advertência, Obrigação de Reparar o Dano, Prestação de Serviços à Comunidade, Liberdade Assistida, Semiliberdade e Internação. Para esta última, sugere-se que não haja tempo limite estabelecido, mas que sejam garantidos os direitos à liberdade, respeito e dignidade dos adolescentes que devem ser preparados para a ressocialização em instituições adequadas com programas de psico e socioterapia, esporte, artes e cultura, com estímulo à permanência na escola e inclusão no mercado de trabalho, bem como que a família também seja assistida e que acompanhe o processo de ressocialização do adolescente.

Arquivado na Câmara dos Deputados, o projeto de lei n° 7008/10 do deputado Wiliam Woo (PPS-SP) com o projeto em apenso n°7398/10 da deputada Rita Camata (PSDB-ES)4, também propõe alterações no ECA em relação à medida socioeducativa de internação: aumento do período máximo de internação para cinco anos, e da idade para liberação compulsória para 23 anos nos casos de adolescentes que vierem a cometer ato infracional análogo a crimes hediondos definidos no artigo 1º da Lei 8072/90, crimes contra a vida definidos no Capítulo I do Decreto-Lei 2848/90 e tráfico de drogas. A justificativa para estas mudanças pauta-se no cuidado e proteção ao adolescente e à comunidade, bem como em prazo maior para que a intervenção adequada junto ao adolescente tenha tempo necessário para a superação do que o levou a cometer um ato infracional.

O PL da deputada Camata vem propor que, para adolescentes maiores de 16 anos que cometeram ato infracional, que este conste como antecedente quando, já na idade adulta, o sujeito vir a cometer um crime idêntico ao ato anterior.

Acreditamos que são pertinentes estas colocações, exceto em relação à fixação de prazo, que reafirmamos a condição de ser definido por equipe interdisciplinar que atende ao adolescente, visando um tratamento adequado e com êxito, ao autor de ato infracional. Ao sugerir que a medida de internação tenha prazo além dos três anos estabelecidos, não se retrocede em termos de proteção ao adolescente, pois esta medida que é definida como privativa de liberdade deve ser acompanhada de procedimentos educativos e de inclusão social do adolescente e de sua família.

É preciso firmar novamente que é inútil reduzir a inimputabilidade penal, pois a questão dos adolescentes autores de ato infracional é um problema de origem social e/ou psicológica. Este problema é, primeiramente, responsabilidade do Estado que deve assistir a família brasileira com políticas públicas de qualidade, dando a esta, condições de acolher e cuidar de seus filhos resguardando seus direitos e deveres enquanto cidadãos.

A reestruturação das políticas públicas brasileiras com investimento em atendimento efetivo e com qualidade a este público é significativamente relevante em relação aos gastos públicos com presídios e cemitérios que serão necessários, caso seja reduzida a maioridade penal, pois esta medida paliativa não surtirá efeito devido à carência de medidas sociais. Pelo contrário, com o tempo, implicará em maior saturação da população presidiária e na redução contínua da inimputabilidade penal, até que a infância no Brasil deixe de existir.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

AMARO, Jorge Wohney Ferreira. O debate sobre a maioridade penal. In: Revista de Psiquiatria Clínica, n. 31 (3), 2004, p. 142-144. Disponível em: <http://scielo.br/scielo>. Acesso em: 20 set 2012;

 

BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente. Secretaria Especial dos Direitos Humanos; Ministério da Educação, Assessoria de Comunicação Social. Brasília: MEC, ACS, 2005;

 

FILHO, Argemiro Procópio; VAZ, Alcides Costa. O Brasil no contexto do narcotráfico internacional. In: Revista Brasileira de Política Internacional, 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo>. Acesso em: 24 fev 2013;

 

KAUFMAN, Arthur. O debate sobre a maioridade penal. In: Revista de Psiquiatria Clínica, n. 31 (3), 2004, pp. 142-144. Disponível em: <scielo.br/scielo>. Acesso em: 20 set 2012.

 

Sistema Nacional De Atendimento Socioeducativo - SINASE/ Secretaria Especial dos Direitos Humanos – Brasília-DF: CONANDA, 2006.

 

1 Assistente Social Graduada em 2010 pelo Centro Universitário da Fundação Educacional Guaxupé – Unifeg e Pós-Graduada em Famílias e Políticas Públicas, em 2013 pelo Centro de Ensino à Distância do Unifeg – CEAD Unifeg. Servidora Pública na Prefeitura Municipal de Guaxupé

2Dados obtidos no endereço eletrônico: <http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL23570-5601,00-PESQUISA+QUEREM+REDUZIR+MAIORIDADE.html>. Acesso em: 28 de setembro de 2012.

3Em termos de educação, dentre 127 países, o Brasil está, em 2011, no 88º lugar em ranking de educação da Unesco, conforme o site http://guiadoestudante.abril.com.br/vestibular-enem/brasil-fica-88o-lugar-ranking-educacao-unesco-620646.shtml,

4Informações obtidas no endereço eletrônico: http://www.camara.gov.br.Acesso em 24 de fevereiro de 2013.