Imperioso mencionar que, consequentemente à crescente evolução da família, os institutos do poder familiar e da função parental sofreram modificações.

O poder familiar era chamado de pátrio poder, no qual era imposta a chefia dos pais sobre os filhos. Atualmente, mesmo que ainda não seja a denominação mais correta, Lôbo (2010) demonstra que é significativa a mudança na relação paterno-filial. Os pais não mais possuem domínio sobre sua prole.

Na atualidade, a função parental se funda no interesse dos filhos e não na satisfação dos pais. Isto é, verifica-se o interesse individual da prole, mas não se desprezam as relações estabelecidas. Pai é pai. Mãe é mãe. Filho é filho. Juntos formam a família.

As normas rígidas e patriarcais que eram estabelecidas obrigatoriamente aos filhos, contemporaneamente não mais possuem legitimidade, sendo de ambos os pais o encargo de garantir proteção, dignidade e convivência familiar saudável a seus filhos crianças e adolescentes, de modo a cumprir, concretamente, toda uma relação de direitos e deveres.

 

               Do poder familiar à autoridade parental

 No direito romano o poder familiar era chamado de pátrio poder. Gonçalves (2008, p. 368) aduz que, na época, o instituto em apreço atribuía ao chefe de família o “jus vitae et necis, ou seja, o direito sobre a vida e a morte do filho”. Hoje, tem caráter protetivo, sendo considerado um munus público pelo qual o Estrado impõe aos pais o dever de proteção e cuidado perante sua prole. Gama (2008) ressalta que, desde a noção conceitual de pátrio poder até a atual ideia de autoridade parental, a sociedade passou por diversas transformações.

A doutrina, de forma quase unânime, posiciona-se a favor da terminologia autoridade parental. Lôbo (2010) aduz que a expressão poder familiar não é a mais indicada porque ainda enfatiza o sentido de poder, sendo que a nomenclatura autoridade parental, já utilizada por algumas legislações estrangeiras, demonstra que o interesse dos pais está condicionado ao melhor interesse dos filhos, sem a ideia de poder físico, tornando-se, assim, a mais adequada. “A autoridade parental está impregnada de deveres parentais não apenas no campo material, como principalmente no campo existencial”, justifica Gama (2008, p. 470) ao, também, adotar esta terminologia. Entretanto, Fiuza (2010) manifesta entendimento contrário ao considerar que a melhor denominação seria “poder parental”, por melhor revelar o sentido do conjunto de poderes-deveres que os pais têm para com seus filhos.

Os efeitos jurídicos do instituto em apreço são oriundos do artigo 1.630[1] do Código Civil (e seguintes), o qual preceitua que “os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto” crianças e adolescentes.

Vale consignar que seu exercício se propaga, de maneira igual, por ambos os pais. Nos dizeres de Gama (2008), não há mais sustentação na posição secundária da mãe em relação aos filhos, a não ser nas situações em que o poder familiar caiba somente a um dois pais (família monoparental) ou nos casos de extinção do poder familiar (CC, 1.635)[2].

Pondera o autor, que durante a infância todo ser humano necessita de alguém que conduza sua pessoa e seu patrimônio. Naturalmente, esta função é um dever jurídico de ambos os pais, que, em igualdade, devem proteger e cuidar de seus progênitos até que estes completem a maioridade.

 Percebe-se que “o poder familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos seus bens dos filhos” crianças e adolescentes (GONÇALVES, 2008, p. 367), ou seja, envolve as relações pessoais e as de cunho patrimonial, bem como salienta Scaff (2010). No que tange às atribuições dos pais no exercício do poder familiar, o artigo 1.634[3] do Código Civil prevê algumas condutas a serem observadas pelos pais na relação paterno-filial, no entanto, é perceptivo que, diante de tantas necessidades, o rol não pode ser considerado taxativo, visto que é, apenas, o fundamental, pois, o filho passou a ser sujeito de direito e não mais um objeto de direito para os pais, como bem observa Albuquerque (2004).

O Estatuto da Criança e do Adolescente ainda utiliza a expressão “pátrio poder”, assim, vale expor o ensinamento de Lôbo (2010, p. 296):

As regras procedimentais do ECA complementam o Código Civil, que delas não trata nem é com elas incompatível. No ECA são legitimados para a ação de perda ou suspensão do poder familiar o Ministério Público ou “quem tenha legítimo interesse”. Prevê-se a possibilidade de decretação liminar ou incidental da suspensão do poder familiar, ficando o menor confiado a pessoa idônea (art. 157). A sentença que decretar a perda ou suspensão será registrada à margem do registro de nascimento do menor (art. 163).

Adiante, continua:

Quanto ao direito material, há convergência entre o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente sobre o exercício conjunto pelo pai e pela mãe, com recurso à autoridade judiciária para resolver as divergências. O Estatuto ressalta os deveres dos pais, enquanto que o Código Civil opta pelas dimensões do exercício dos poderes. No Estatuto há previsão de hipótese de perda do poder familiar não prevista no Código Civil, justamente voltada ao descumprimento dos deveres de guarda, sustento e educação dos filhos (arts. 22 e 24). Em suma, não se vislumbra antinomia (cronológica ou de especialidade) entre os dois textos legais, não se podendo alvitrar a derrogação da lei anterior (Estatuto da Criança e do Adolescente), salvo quanto à denominação pátrio poder, substituída por poder familiar. Como a menoridade, no novo Código, foi reduzida para até os 18 anos – deixou de haver divergência com o que o Estatuto denomina de criança (até 12 anos) e adolescente (até 18 anos) – para fins do poder familiar, passa a ser a denominação comum aos campos de aplicação de ambas as leis.  

Percebe-se, dessarte, que a nomenclatura ainda utilizada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente não fere os princípios constitucionais, restando apenas como uma terminologia que, atualmente, reflete a ideia de poder familiar, ou melhor, autoridade parental. No entendimento de Albuquerque (2004), a morfologia usada pela legislação não acompanha a realidade social, entretanto, nada impede que o instituto do poder familiar seja interpretado e adequado aos novos valores alcançados pelo direito de família, visto que o antigo modelo do pátrio poder foi modificado frente aos princípios da liberdade, da igualdade, da solidariedade e do melhor interesse da criança.  

A função delineada pela ordem jurídica para a autoridade parental, que justifica o espectro de poderes conferidos aos pais [...] só merece tutela se exercida como um múnus privado, um complexo de direitos e deveres visando ao melhor interesse dos filhos, sua emancipação como pessoa, na perspectiva de sua futura independência (TEPEDINO, 2004, p. 313-314).

Ao esclarecer, o autor explica que a partir dessa posição é que alguns doutrinadores criticam a expressão poder utilizada pelo ordenamento jurídico, preferindo-se a perspectiva da autoridade parental como um encargo dos pais diante do melhor interesse de sua prole.

Os filhos deixam de figurar no pólo passivo, sendo beneficiários deste exercício:

A definição de autoridade parental não se enquadra no conceito clássico de direito subjetivo empregado no direito subjetivo empregado no direito obrigacional e real em que o sujeito ativo exerce o poder e o sujeito passivo se submete ao dever. A autoridade parental é uma situação jurídica complexa porquanto há atribuições de poderes e deveres que são exercidos por quem detém sua titularidade, os pais (BASTOS, 2009, p. 381).

Cuida-se, portanto, da impossibilidade de retrocesso. Há que se esclarecer que nenhuma norma constituinte pode sofrer retrocesso que lhe dê inferioridade em relação ao estabelecido de maneira originária. Dias (2009) refere que as garantias constitucionais e o direito subjetivo servem de obstáculo para que ocorram os retrocessos sociais. Este é o princípio da impossibilidade do retrocesso social.

Por conseguinte, percebe-se que, diante das transformações constitucionalizadoras que, por sua vez, trouxeram evolução e desenvolvimento ao sistema jurídico, principalmente na esfera familial, não há como voltar no tempo e agir conforme o antigo modelo patriarcal do pátrio poder, que, segundo Scaff (2010, p. 572), era considerado “mais do que um poder-dever ou uma função”, pois mostrava “um verdadeiro direito reconduzido à titularidade exclusiva do pai e que se exercia diretamente sobre as pessoas dos filhos, dotado assim de enorme amplitude”. Hoje, os filhos não são mais sinônimos de poderio dos pais, mas sim de fragilidade enquanto crianças e adolescentes, visto que necessitam de apoio durante o desenvolvimento de seus próprios interesses futuros, principalmente em relação ao caráter e à dignidade.

A fim de demonstrar, no plano jurisprudencial, como é entendido o poder familiar na contemporaneidade, colaciona-se a seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. NEGLIGÊNCIA E INAPTIDÃO DA GENITORA PARA PROVER A SUBSISTÊNCIA DAS FILHAS MENORES DE IDADE. VÍNCULO BIOLÓGICO QUE NÃO TEM O CONDÃO DE SUPERAR AS NECESSIDADES DAS CRIANÇAS DE AFETO, SAÚDE, EDUCAÇÃO E VIDA DIGNA. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.638 DO CÓDIGO CIVIL E ARTS. 22 E SEGUINTES DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE MÁXIMA PROTEÇÃO À CRIANÇA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. Tratando-se a destituição do poder familiar de sanção grave e excepcional imposta aos genitores que não cumprirem com os deveres insculpidos no art. 1.634 do Código Civil e nos arts. 227 e 229 da Constituição Federal, sua decretação depende de prova irrefutável da falta, omissão ou abuso em relação aos filhos. Comprovado que um dos pais biológicos das infantes é falecido e outro desconhecido e que a mãe biológica não apresenta condições de cumprir os deveres de sustento, guarda e educação das filhas menores de idade, sujeitando-as à negligência e ao abandono, é devida a destituição do poder familiar. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70037895505, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Carvalho Fraga, Julgado em 26/01/2011) (grifo nosso) (ANEXO A).

O caráter do poder familiar, ou autoridade parental, está ligado com a função que os pais exercem em relação aos filhos, independentemente de a família ser constituída pelo matrimônio. A autoridade parental, atualmente, é um poder vinculado a uma finalidade específica”: inserir adequadamente os filhos na sociedade (SCAFF, 2010, p. 575).

Todavia, nas situações que promovam risco às crianças e aos adolescentes, sua integridade física e existencial, a autoridade parental pode vir a ser modificada com a devida intervenção do Estado-juiz, que analisa cada caso concreto, de forma cuidadosa, podendo, como já mencionado, extinguir (CC, 1635) ou suspender (CC, 1.637)[4] o exercício dessa função, tendo efeito sob um ou ambos os pais. Em última hipótese haverá a nomeação de um tutor (CC, 1.728)[5].

Pelo exposto, entende-se que o instituto em apreço contempla uma íntima ligação em relação à função social da família e à função parental, sendo que é de interesse da sociedade que cada entidade familiar cumpra esse exercício, de maneira a respeitar os princípios e valores constitucionalizados, formando, assim, um grupo social satisfeito na sua dignidade.

 

 Função parental

 Cumpre expor que pais são aqueles que exercem efetivamente uma função de pai e de mãe, ou seja, “[...] incumbe aos pais, de modo preferencial, zelar pela proteção devida aos filhos nos anos iniciais de suas vidas” (SCAFF, 2010, p. 572).

O ser humano em formação é uma preocupação constante na sociedade e no Direito. Assim, em regra, os pais têm a missão de amar, educar, alimentar, vestir os seus filhos, bem como administrar seus bens (LIMA, 2010, p. 583).

Para enaltecer o significado parental, vale explicitar os dizeres de Grisard Filho (2004, p. 669) ao considerar que “os laços de sangue, por si sós, não garantem os melhores interesses [...]” dos filhos, sendo que a função parental pode, muito bem, ser desenvolvida pelos laços de afetividade.

A função dos pais deve ser calcada na fraternidade, no amor, no compromisso do verdadeiro espírito de justiça e dignidade, com respeito natural pela vida humana, estabelecendo-se assim o pleno desenvolvimento da relação da família, quer entre seus entes, quer em relação à sociedade, tornando-os capazes de viverem em harmonia, aptos a enfrentar com maior eficiência as difíceis relações que se apresentam ao longo de nossa ínfima existência (TORRES, 2001, texto digital).

Salienta-se que “[...] os pais podem (ou devem) estar atentos às necessidades materiais, morais e intelectuais dos filhos e prontos para, na medida de suas possibilidades, atendê-las” (LIMA, 2004, p. 625). Assim, é inegável a importância do pai e da mãe no seio familiar.

Consoante às colocações, Torres (texto digital) esclarece que “a mãe deve estar comprometida a desempenhar a função do mundo do ser, devido a sua própria condição de genitora, capricho do mundo natural, da preservação da espécie”. Já a função do pai está ligada “ao mundo do dever-ser, observando o princípio da finalidade, da palavra, da ordem, [...] o pai imprime a lei, o simbólico e o social”. A função parental deve ser observada e desempenhada com plena responsabilidade e atenção, sob pena de comprometer a estabilidade e a estrutura psíquica dos integrantes da família.

Efetivamente, nos dias atuais, a função do pai e da mãe é proporcionar ao filho uma vida baseada no desenvolvimento equilibrado, do qual se pressuponha o bem estar calcado nas garantias e direitos fundamentais. Assim, mesmo que não se alcance a totalidade, a grande maioria promoverá uma sociedade mais límpida, com relações harmônicas e saudáveis.

 



 

[1] “Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”.

 [2] “Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar: I - pela morte dos pais ou do filho; II - pela emancipação, nos termos do art. 5o, parágrafo único; III - pela maioridade; IV - pela adoção; V - por decisão judicial, na forma do artigo 1.638”.

 [3] “Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição”.

 [4] “Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão”.

 [5] “Art. 1.728. Os filhos menores são postos em tutela: I - com o falecimento dos pais, ou sendo estes julgados ausentes; II - em caso de os pais decaírem do poder familiar”.