Clepsidra brasileira
Publicado em 14 de janeiro de 2012 por Hanna Possetti
“(...) Barracos que se desmancham como armações de baralho e, por baixo de seus restos, mortos, mortos, mortos (...). Mas e se não fosse mobilização espontânea do povo, determinada pelo sentimento humano, à revelia do governo incitando-o à ação. Que seria desta cidade, tão rica de galas e bens supérfluos, e tão miserável em sua infraestrutura de submoradia, de subalimentação e de condições primitivas de trabalho? (...)”.
O trecho acima foi retirado do artigo “Os dias escuros”, de Carlos Drummond De Andrade, publicado no Correio da Manhã, datado de 14/01/1966.
Dizer que Drummond ultrapassa as fronteiras temporais, e permanece atual até os dias de hoje, não é nenhuma novidade, mas é peculiar descobrir que a descrição de Drummond, feita há 46 anos se enquadra perfeitamente no que vivemos atualmente. Isto apenas evidencia a estagnação que o nosso país apresenta com relação a esse assunto que nos apavora todo ano: as chuvas.
No ano de 2011, presenciamos um verdadeiro massacre na região serrana do Rio de Janeiro. Milhares de mortos, desaparecidos e desabrigados. Um ano após a tragédia, o triste cenário moribundo permanece.
Foi descoberto um esquema de desvio de verbas que seriam destinadas à região serrana, mas parte desse dinheiro foi enviada de forma ilícita às empresas proibidas de participar de licitações.
O caso corre em segredo de justiça e ao que parece nenhuma providência foi tomada, nem com relação às vítimas nem com relação aos acusados.
O fato é que entramos em mais um ano com tragédias decorrentes das chuvas e nenhuma política de prevenção foi tomada. Fica clara a falta de planejamento urbano, a falta de fiscalização da defesa civil e o esquecimento total em que os cidadãos brasileiros vivem.
E uma novidade surgiu no dia 09 de Janeiro - foi anunciada (após os rompimentos dos diques no estado do Rio e deslizamentos em Minas Gerais) a criação de uma equipe de geólogos do Serviço Geológico do Brasil e hidrólogos da Agência Nacional de Águas (ANA) que atuaram nas áreas mais atingidas pela chuva. Além disso, o governo anunciou que fará antecipação de programas sociais às famílias atingidas, e também do FGTS, disponibilizando de R$ 444 milhões para atender aos Estados e municípios atingidos (se isso de fato se concretizará, é esperar para ver).
Resta saber até quando o artigo de Drummond será atual e até quando vamos viver num país onde a palavra regencial é a corrupção.