GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: vozes, 1997.

"Do ponto de vista dos nativos": a

natureza do entendimento antropológico (85 - 107)

85- "Há alguns anos, um pequeno escândalo irrompeu na antropologia: uma de suas figuras ancestrais falou a verdade em público (...). Aconteceu que foi descoberto e publicado um diário de B. Malinowski relatando os métodos oficiais de trabalho utilizados pelos antropólogos, de forma tão clara e objetiva que para eles, aquilo era inacreditável, mas já era tarde e já estava feito. "O mito do pesquisador de campo semicamaleão, que se adapta perfeitamente ao ambiente exótico que o rodeia, um milagre ambulante em empatia, tato, paciência e cosmopolitismo, foi de um golpe, demolido por aquele que tinha sido, talvez, um dos maiores responsáveis pela sua criação".

86-" A questão que o diário introduz, com uma seriedade que talvez só um etnógrafo da ativa possa apreciar totalmente, não é uma questão ética. (...). É uma questão epistemológica. (...). Se na antropologia é necessário que o pesquisador veja o mundo dos nativos a partir do ponto de vista deles próprios, até onde vai o fator psicológico e a identificação e, de certa forma também o choque cultural com o sujeito tomado por objeto de estudo. "O que acontece com o verstehen quando o einfuhlen desaparece?".

87- O problema que passou a ser constantemente discutido após a descoberta do diário de Malinowski fez comque fossem criadas variadas formulações para tal problema, a antropologia estava sendo estudada e feita baseada em descrições do tipo: "descrições feitas "de dentro" versus as que são vistas "de fora", ou descrições na "primeira pessoa" versus aquelas na "terceira pessoa"; teorias "fenomenológicas" versus "objetivistas", ou "cognitivas" versus "comportamentais;"" (...). "A forma mais simples e direta de colocar a questão é, talvez, vê-la nos termos de uma distinção, formulada pelo psicanalista Heinz kohut para seu próprio uso, entre o que ele chamou de conceitos da "experiência próxima" e da "experiência-distante". Experiência próxima seria aquilo que alguém conseguiria definir (um conceito) sem esforço, ou seja, de forma espontânea aquilo que seus semelhantes vêem, sentem e que ao mesmo tempo também entenderia se os demais assim o fizessem. Já um conceito de experiência-distante seria aquele utilizado pelo especialista para alcançar seus objetivos dapesquisa dada, seja ela cientifica, filosófica, enfim.

88- Esses conceitos na antropologia não são necessariamente um melhor que o outro, mas a forma como são utilizados faz grande diferença no momento da pesquisa. "...Ou, mais exatamente, como devem este ser empregados, em cada caso, para produzir uma interpretação do modus vivendi de um povo que não fique limitada pelos horizontes mentais daquele povo- uma etnografia sobre bruxaria escrita por uma bruxa- nem que fique sistematicamente surda às tonalidades de sua existência- uma etnografia sobre bruxaria escrita por um geômetro."

88- O objetivo de se conduzir uma análise antropológica e estruturar seus resultados de forma mais "satisfatória" é saber captar os conceitos de experiência próxima e experiência-distante e interagi-los com o objeto de estudo para que tanto para as pessoas que se relacionam através de ambas as experiências consigam entender estabelecendo uma conexão esclarecedora com ambos os conceitos teóricos, que retrataram os meios gerais da vida social do objeto e do grupo de pesquisa, que está sendo investigado. "O truque é não se deixar envolver por nenhum tipo de empatia espiritual interna com seus informantes".

89- "O que é importante é descobrir que diabos eles acham que estão fazendo".

"A meu ver o etnógrafo não percebe- principalmente não é capaz de perceber- aquilo que seus informantes percebem. O que ele percebe, e mesmo assim com bastante insegurança, é o "com que", ou "por meios de que", ou "através de que" (ou seja lá qual for a expressão) os outros percebem".

89-90- O objetivo de Geertz em suas pesquisas era tentar identificar como as pessoas que vivem nessas sociedades se definem como pessoa..., procurando e depois analisando as formas simbólicas (palavras, costumes, rituais, imagens, comportamentos, etc.) existentes dentro de cada grupo investigado pelo antropólogo e a forma como aquelas pessoa se reconhecem naquilo a forma como são reconhecidas pelo grupo, através desse auto-reconhecimento do EU. Assim a autor trabalha, tentado encontrar no seu objeto de pesquisa a visão de "eu" que cada uma das sociedades estudadas por ele tem de si enquanto pessoa, e a partir disso traçar o perfil e a forma como aquela definição está diretamente ligada ao reconhecimento social do grupo construindo, portanto a personalidade do individuo, podendo-se ser traçado o perfil de determinada sociedade.

91- "Em vez de tentar encaixar a experiência das outras cultura dentro da moldura dessa nossa concepção, que é o que a ao elogiada "empatia" acaba fazendo para entender as concepções alheias é necessário que deixemos de lado nossa concepção, e busquemos ver as experiências de outros com relação à sua própria concepção de "eu".

91- A partir do ponto II do texto, Geertz vai explanar as experiências que teve em cada uma das sociedades estudadas por ele, no primeiro caso a javanesa, nos anos 50. Nessa sociedade as pessoas definiam o "eu" a partir da concepção que tinham segundo os costumes e crenças do local. "As idéias centrais em cujos ermos estas reflexões se desenvolviam e que, portanto, definiam seus limites é osignificado de "pessoa" para os javaneses, eram dispostas em dois conjuntos contrastantes que tinham como base a religião: um entre "dentro" e "fora" e o outro entre "refinado" e "vulgar".

"Com respeito a nossa problemática- a concepção do eu- o que temos aqui é uma concepção bifurcada sendo uma de suas partes constituída por sentimentos meio sem gestos e a outra por gestos meio sem sentimentos.

95- Em Bali, a definição do eu, da concepção de pessoa, estava estritamente ligado ao que ele representava socialmente falando, qual o seu papel ( no sentido de drama social, teatral) nesta sociedade. " Não existe faz de conta, é claro que os atores morrem, mas a peça continua, e é o que foi atuado, não quem atuou, que realmente importa".

98- Ainda sobre os balineses continua: "... o que se teme é que odesempenho, em público do papel para o qual fomos selecionados por nossa posição cultural, seja um fracasso, e que a personalidade do individuo se rompa, dissolvendo sua identidade pública estabelecida.

98-99- No Marrocos é um sistema complexo (a meu ver) de definição dos indivíduos na sociedade. A forma como é separada para que se pessoa identificar o tipo de "gentes" e identificar o que significa ser uma pessoa, é feita através de um meio característico e um dos mais importantes através de uma forma lingüística peculiar árabe chamada de nisba.

Estas nisbas e suas variações morfológicas definem e através desta definição torna-se possível identificar o sujeito com seu nome pessoal, o grupo social ao qual pertence, grupo familiar, enfim, toda a estrutura social dos indivíduos.

102- Uma das características assim como em Java e Bali, é o fato de que existem em situações públicas estas formulações e identificações do "eu" entram em contraste tanto com a variedade de ser humano quanto da própria vida privada do individuo.

103- "Para este tipo de estrutura social, uma concepção do "eu" marca a identidade pública contextualmente e relativisticamente, mas o faz em condições que se desenvolvem nas esferas privadas e estabelecidas da vida, onde tem uma ressonância profunda e permanente, parece ser particularmente apropriada.

105- Para entender o que Geertz colocou ao afirmar que através do reconhecimento do "eu" é possível conhecer uma determinada sociedade, pode-se dizer, segundo as palavras do autor que: "... é um bordejar dialético contínuo, entre o menor detalhe nos locais menores, e a mais global das estruturas globais, de tal forma que ambos possam ser observados simultaneamente. (...). "Saltando continuamente de uma visão da totalidade para através das várias partes que a compõem pra uma visão das partes através da totalidade que é a causa de sua existência, e vice-versa, co uma forma de moção intelectual perpétua, buscamos fazer com que uma seja explicação para a outra."

106- "Em suma, é possível relatar subjetividades alheias sem recorrer a pretensas capacidades extraordinárias para obliterar o próprio ego e para entender os sentimentos de outros seres humanos."

107- "Porém, a compreensão depende de uma habilidade para analisar seus modos de expressão, aquilo que chamo de sistemas simbólicos, e o sermos aceitos contribui para o desenvolvimento desta habilidade."

Idéia central do texto:

Geertz propõe a idéia de que não PE preciso "tornar-se um nativo", para conseguir entendê-lo, entender sua cultura, a forma como este está inserido dentro do contexto social relativo a sua sociedade, ou seja, a forma como se vê e ao mesmo tempo é visto pela demais. A compreensão não depende somente "encarnar o espírito do nativo", "empatia" com o objeto de investigação, não agir de forma a tentar ser um deles adaptando-se e vivendo de acordo com seus costumes e crenças, pois não há como pensar como u nativo a menos que seja de fato um deles enfim, é necessário ir, além disso, a compreensão antropológica de determinada cultura está para além dessa "empatia" e do enquadramento da cultura estudada dentro das concepções de cultura do pesquisador como propunha a antropologia conservadora da época até a descoberta do diário de Malinowski, problema este que já vinha sido discutida há muito tempo.

Em suma, o que o autor propõe é que é necessário tentar compreender o individuo a partir do que ele entende por si próprio, o "eu", e a partir deste conhecimento levar em consideração e tentar mesclar os conceitos de "experiência próxima" e de "experiência-distante", fazendo-se desta forma com que não se percam partes do todo e da mesma forma entender o todo a partir das partes, identificando os aspectos gerias e essenciais da sociedade pesquisada, a maneira como estes indivíduos estão dispostos na estrutura social e de como isso reflete, interfere, relaciona com a identidade do seu "eu", descobrindo tias funcionamentos não a partir da "encarnação de espírito" mas da identificação e compreensão do sistema de símbolos que rege seus pensamentos, valores, comportamentos, que determinam aquilo que acreditam ser.