obs: Texto devidamente registragdo na Biblioteca Nacional

ANAPÉDIA
EM
O CASO DO MAR COLORIDO

Por SHEILA RAMOS

Ana Maria, menina alta, magra, de olhos castanhos e enormes, usava uns óculos com hastes rosadas e mantinha sempre seus longos cabelos presos em duas tranças que eram feitas com perfeição pela sua mãe toda manhã. Menina estudiosa, não faltava um só dia na escola; Seu objetivo era ser a melhor da classe. Passava a maior parte de seu tempo lendo gibis de história em quadrinho e fazia isso com prazer. Seus preferidos eram os da turma da Mônica. Ela adorava a turminha toda, mas quem ela mais gostava era o Franjinha. Ana se identificava muito com este personagem, pois estava sempre buscando resolver as dúvidas da sua família e de seus amigos, e se ela não sabia a resposta, ela perguntava a professora no dia seguinte na escola ou a qualquer adulto que parecesse ser mais entendido e que pudesse indicar um caminho para resolução daquele problema. Não admitia uma pergunta sem respostas, muito menos um problema sem solução!

Ana Maria, ao longo dos seus dez anos, já havia vivido inúmeras experiências, tal qual a vez em que um passeio à praia tornou-se em uma longa pesquisa que envolveu pais e professores na busca da resposta para a grande pergunta: "Por que o mar estava colorido?". Poderia ser uma coisa simples mas, para Ana Maria, aquilo merecia uma resposta e tinha que ser uma resposta com base nos livros, pois só assim ela poderia mais tarde responder se alguém lhe fizesse esta mesma pergunta.
E foi assim que Ana ganhou seu apelido: Anapédia, uma combinação de Ana com Wikipédia, aquele site que nós procuramos quando queremos saber algo com profundidade. Mas se você está achando que ela ficava chateada de ser chamada assim, está muito enganado; Ela adorava ter respostas e de ser procurada para dar respostas.
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Já que estamos falando sobre como Ana Maria começou a ser chamada de Anapédia, acho que seria muito interessante contar a você como ela resolveu "O caso do mar colorido". Isso mesmo! Foi este o nome que Anapédia deu a toda aquela pesquisa investigativa pela qual fez toda família e amigos passarem. Era domingo, mal raiou o dia e Anapédia já estava de pé, isso porque na noite anterior seu Antônio, pai de Ana, um homem baixinho, rechonchudo e de meia idade, prometeu que levaria toda a família à praia pois tinha muito tempo que não saiam para dar um passeio. A madrugada tinha sido um terror, o tempo não passava, dava sete mas não dava seis, hora que o seu Antônio havia marcado para que todos levantassem. O objetivo era não pegar trânsito e conseguir uma boa vaga para estacionar o carro. Ana, que não agüentava mais esperar, se prontificou a acordar a família. O primeiro que ela chamou foi seu Antônio que, coitado, deu um pulo da cama com o grito de bom dia de Ana e acabou acordando também a dona Rosa, uma senhora de cabelos loiros, que tinha a face rosada e uma estatura mediana. Logo depois, encaminhou-se para o quarto do irmão mais velho e com um empurrão lançou a porta do quarto na parede. O barulho foi tamanho que Pedrão caiu da cama com as pernas pro ar. Pedrão era um rapagão de quinze anos, que adorava malhar, usava o cabelo com topete reforçado com o gel e não admitia ser chamado de criança; Para ele, adolescente já era quase um insulto e, apesar de não ter nascido nenhum pêlo se quer naquele rosto de bebê, ele queria mesmo era ser considerado adulto.

Após um rápido gole de café e alguns biscoitos, Ana conseguiu o que queria: eram sete horas e estavam todos dentro do carro, prontos para um ótimo dia na praia.
Chegando à praia, Pedrão foi logo tirando a camisa regata, estilo que ele não abria mão, pois deixava bem amostra todo o seu corpo malhado. Seu Toninho, como era chamado por todos, ficou um tempão quebrando a cabeça para montar a barraca pois sua esposa, com aquela pele branquinha, não podia pegar muito sol. Dona Rosa por sua vez estava preparando os lanches; Sabe como é, duas crianças brincado na praia com certeza iriam ficar varadas de fome em pouco tempo. Já Anapédia foi direto para a água aproveitar cada minuto daquele passeio. O dia ia passando e todos estavam se divertindo muito, principalmente Anapédia que estava fazendo bom uso daqueles três anos de natação que havia feito por recomendação médica devido a um problema respiratório ao nascer. A segurança de Ana fez com que ela se afastasse um pouco da margem durante um longo mergulho. Quando veio à tona, notou que estava longe de todos, mas não era isso que a incomodava naquele momento; O que chamou mesmo sua atenção foi um colorido diferente na água. Imediatamente ela resolveu que tinha que voltar para junto dos outros. Anapédia saiu da água sem rumo certo, só sabia que precisava encontrar seu Toninho e despejar em cima dele toda aquela dúvida que estava permeando sua cabeça. Ao chegar à barraca, Ana foi logo soltando: "Por que o mar está colorido?". A pergunta pegou eles tão de repente que seu Toninho engasgou com a coxa de frango que estava destroçando. Dona Rosa colocou de lado a vasilha de maionese que estava preparando para o lanchinho e se voltou para a filha, tentando entender de onde aquela menina havia tirado isso. Ana
insistiu tanto que seu Toninho fez Pedrão entrar no mar e verificar pessoalmente o que a menina estava falando. Mas não teve jeito. Pedrão ao invés de ajudar voltou aumentando a dúvida da questão pois havia visto mais cores do que a irmã tinha citado. O resto do dia se deu em meio a diversas explicações e justificativas para o colorido do mar, mas nada adiantava; Ana não estava feliz com as possíveis causas, queria mesmo uma contestação em livro, "preto no branco" e resolveu que no dia seguinte essa seria a primeira pergunta que faria a dona Rita, sua professora, antes mesmo do bom dia. Mal podia esperar até segunda-feira.

Eram apenas seis e meia da manhã, Ana já estava pronta e esperava impacientemente Pedrão tomar seu café para que fossem finalmente para a escola. Pouco tempo depois de se despedirem, eles já haviam tomado seu caminho habitual no qual atravessariam três quarteirões para chegar ao destino. Naquele dia Anapédia estava aérea com seu irmão, como se alguma coisa a estivesse perturbando. O trajeto foi todo percorrido em tamanho silêncio que Pedrão foi ficando cada vez mais preocupado; Havia algo errado, algo diferente. Logo que chegaram ao prédio do colégio, uma estrutura de quatro andares e com janelas de alumínio reforçadas com grades, Ana entrou em disparada dirigindo-se para sua sala de aula, indo ao encontro de dona Rita. Mal abriu a porta e já foi soltando: "Qual é a cor do mar?!". Dona Rita levou alguns segundos para assimilar a pergunta, mas logo viu que tinha a resposta na ponta da língua: "Ora, o mar é feito de água e a água é transparente, incolor". Aquela resposta pegou Ana de surpresa mas o sinal tocou antes que ela pudesse retrucar com outra pergunta e logo em seguida todos entraram e a atenção que dona Rita lhe dispensava se voltou para os alunos que entravam. Ana, porém, nem sequer percebeu o que estava acontecendo; Simplesmente pegou seu material e dirigiu-se para o seu lugar pensando na resposta de dona Rita e nas cores que havia presenciado no dia anterior... Ela pensava: "Há algo errado, algo está de ponta-cabeça!".

Eram dez horas e mais uma vez o barulho estridente do sino chamou atenção
de Ana: era hora do recreio. Foi então que viu mais uma oportunidade de conversar com a sua professora. Anapédia aproximou-se e contou tudo exatamente como aconteceu no dia anterior na praia e dona Rita escutou pacientemente. Ao final do relato, a professora não deu resposta, simplesmente pediu que ela aguardasse. Levantou-se, chamou toda a classe para perto delas e começou contando o mesmo relato que acabará de ouvir e, ao invés de dar uma explicação, ela lançou um desafio: durante toda aquela semana a turma iria pesquisar sobre a cor do mar e todos os alunos poderiam falar sobre o que estavam encontrando através de cartazes para ilustrar as pesquisas, com desenhos e tudo o mais que quisessem. Naquela semana, todos, inclusive Anapédia, foram levando para a escola as informações que encontravam e tudo que era apresentado era tema para roda de bate-papo de forma que foi despertando cada vez mais a curiosidade das crianças. Muitas informações foram aparecendo na sala, mostrando que realmente o tema tinha se tornado dúvida do grupo e que eles haviam se unido para conseguir uma resposta. Nas pesquisas a turma conseguiu descobrir, dentre outras coisas, que a água é realmente incolor e transparente mas que essa transparência também servia como um espelho e que por isso acabava refletindo algumas das cores que ficam ao seu redor. Dona Rita completou acrescentando que o mar apresenta a cor azul, porque a partir de certa profundidade as cores começam a sumir, a primeira é o vermelho, logo depois o amarelo e por último o azul; Por isso a impressão do mar ser azulado, porque ela permanece refletida até uma profundidade maior. Outras coisas que influenciam na cor do mar também foram levadas em conta e debatidas em grupo, como a cor da terra, das algas e de diferentes partículas que são transportadas pela água. Dona Rita aproveitou para dar uma pincelada nas cores primárias e na suas possíveis transformações. A turma fez diversas experiências e rodas de conversas super interessantes. Ana adorou cada minuto, ora observando ora participando ativamente de cada uma das etapas daquele desafio. Ela ficou tão fascinada que chegou em casa contando passo?a-passo como ocorria a mudança da cor do mar. Suas explicações foram tão detalhadas que Pedrão não resistiu e a apelidou de Anapédia. Ana sorriu ao ouvir o comentário do irmão para justificar aquele apelido, mas não levantou uma reclamação sequer pois havia decido que nada mais passaria em branco. Todas as suas dúvidas teriam que ter respostas! Ela registraria e guardaria cada pesquisa que fizesse e que se para tal ela tivesse que se tornar uma Anapédia, ela o faria de bom grato.
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Certo tempo depois quando seu Toninho convidou a todos para ir à praia, seu convite foi aceito imediatamente e, em poucos minutos, estavam todos prontos para um gostoso passeio. A rotina era sempre a mesma: seu Antônio quebrando a cabeça na barraca, dona Rosa nos aperitivos, Pedrão cuidando dos músculos e Ana mergulhando bem fundo para aproveitar a água. Mas aquele dia seria diferente para ela pois, ao retornar de um de seus mergulhos, foi abordada por outra criança que estava por perto e que lhe fez uma pergunta que fez seus olhos brilharem; Ela queria saber por que o mar estava com aquela cor tão diferente. É, Anapédia sabia a resposta e aquilo era motivo de orgulho para ela.

FIM