Análise constitucional do artigo 290 do CPM e aplicabilidade da Lei 11.343/06

 Gabriel Vieira Caires: Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). Oficial da Polícia Militar de Minas Gerais, atualmente no posto de 2º Tenente. Professor de Direito Administrativo no Curso Técnico de Segurança Pública da 11ª Região de Polícia Militar.

 William Fernandes Araújo: Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). Ex Advogado. Oficial da Polícia Militar de Minas Gerais, atualmente no posto de 2º Tenente. Professor de Processo Penal no Curso Técnico de Segurança Pública da 11ª Região de Polícia Militar. Pos-graduado em Direito Penal pelas Faculdades Damásio de Jesus (2015).

 Palavras-chave: Direito Penal Militar. Princípio da especialidade. Revogação tácita. Análise constitucional.

 Resumo

 Artigo científico que trabalha o Direito Penal Militar através de uma análise constitucional, no qual se busca verificar a possibilidade de aplicação da Lei 11.343/06 em substituição ao artigo 290 do CPM que tipifica o crime de porte, uso e tráfico de substância entorpecente, em lugar sujeito à administração militar. A pesquisa foi conduzida pelo método dogmático-instrumental, no qual se buscou a solução do conflito pela análise crítica da doutrina, jurisprudência e legislação correlata. Concluiu-se que, apesar da especialidade do direito militar, o crime tipificado na norma castrense não se coaduna com o Direito Constitucional moderno, por sua falta de proporcionalidade na pena, ao colocar em um mesmo tipo penal traficante e usuário e fere princípios como o da dignidade da pessoa humana e da individualização da pena.

 Abstract

 Scientific article working the Military Penal Law through a constitutional analysis, which aims to verify the possibility of application of Law 11.343 / 06 to replace Article 290 of the CPM that typifies the size of crime , use and narcotic substance trafficking in place subject to military administration . The research was conducted by dogmatic -instrumental method , in which it sought to resolve the conflict by critical analysis of the doctrine , jurisprudence and related legislation . It was concluded that although the specialty of military law , the crime typified in castrense standard does not sit well with the modern constitutional law , for their lack of proportionality in punishment by placing in the same type criminal drug dealer and user and hurts principles such as the dignity of the human person and the individualization of punishment .

 Keywords: fairness, judge inquisitor, systems of criminal procedure.

 Sumário

 Introdução; 1. Especialidade do Direito Penal Militar e a antinomia entre o artigo 290 do CPM e a Lei 11.343/06; 2. Princípio da proporcionalidade e revogação tácita do artigo 290 do CPM; 3. Consequências da aplicação da lei 11.343/06 aos casos militares e a possibilidade da sanção administrativa ao usuário; Conclusão; Referências bibliográficas.

 Introdução

 O presente artigo foca a necessidade de se reconhecer a revogação tácita do artigo 290 do Código Penal Militar, que tipifica o crime de tráfico, posse ou uso de entorpecentes em lugar sujeito à administração militar, pela Lei 11.343/06.

O citado tipo penal do CPM possui “aberrações” oriundas de uma época em que reinava o autoritarismo militar, não sendo admitido na atualidade, na qual o ordenamento jurídico como um todo deve se subordinar às normas constitucionais, principalmente as referentes aos direitos fundamentais.

Objetiva-se responder os seguintes questionamentos: o artigo 290 do CPM é realmente norma especial em relação à Lei 11.343/06? A Constituição da República Federativa do Brasil, CRFB/88, admite a inclusão, em um mesmo tipo penal, de traficante e usuário, com tratamento pouco diferenciador, em contraponto aos princípios da proporcionalidade, individualização da pena e da dignidade da pessoa humana?

Para se esclarecer o posicionamento defendido, será feita uma abordagem sobre o conflito de normas, a ponderação de princípios constitucionais, a nova ótica mundial do tratamento do dependente químico e a falta de proporcionalidade do tipo penal em estudo.

Será elencado o posicionamento dos Tribunais Superiores acerca do tema, a evolução das decisões destes e o entendimento de alguns doutrinadores sobre o assunto.

Há de se ressaltar que o posicionamento defendido no presente artigo não se coaduna com as últimas decisões judiciais sobre a matéria, que é firme no sentido da não incidência da Lei nº 11.343/06 no âmbito da Justiça Militar, em face da especialidade da lei penal militar, apesar de ser comum a Juristas e Doutrinadores de renome, como o Ministro aposentado Eros Grau e Luiz Flávio Gomes.

De forma breve, por não ser o foco principal do presente artigo, será feito apontamentos em relação à aplicabilidade do princípio da insignificância ao sujeito do tipo penal do art. 290 do CPM, focando-se a recente mudança de posicionamento do Supremo Tribunal Federal.

Avaliam-se as consequências da admissibilidade do posicionamento defendido tanto na esfera penal como administrativa, considerando a possibilidade de aplicação de sanção de demissão, por falta ao decoro da classe daquele considerado usuário e repressão mais rigorosa ao traficante, que ficaria sujeito a uma pena que poderia ser três vezes maior.

Não se pretende neste artigo desconsiderar a hierarquia e a disciplina, pilares das instituições militares, e sim aplicar uma visão constitucionalista ao Direito Militar, de forma a tratar com o rigor necessário o traficante e proporcionar ao usuário um tratamento humanitário em busca da sua cura.

 1.      Especialidade do Direito Penal Militar e a antinomia entre o artigo 290 do CPM e a Lei 11.343/06

 O Direito Penal Militar é um ramo especial do direito penal que tutela os bens e interesses das instituições militares, tendo como pilares a hierarquia, a disciplina, o respeito ao dever e ao serviço militar.

Possui tipos penais exclusivos, denominados crimes militares próprios que, para a maioria da doutrina, são aqueles que só podem ser cometidos por militares, estes, infringem de maneira primaria a hierarquia e a disciplina, enquanto aqueles denominados crimes militares impróprios, com previsão também no CP comum, tutelam, de forma específica, bens jurídicos comuns à legislação não castrense.

Norberto Bobbio define a lei especial da seguinte forma:

 “[...] lei especial é aquela que anula uma lei mais geral, ou que subtrai de uma norma uma parte da sua matéria para submetê-la a uma regulamentação diferente (contrária ou contraditória). A passagem de uma regra mais extensa (que abrange um certo genus) para uma regra derrogatória menos extensa (que abrange uma species do genus) corresponde a uma exigência fundamental de justiça, compreendida como tratamento igual das pessoas que pertencem à mesma categoria.” (1995, pág. 96)

Para Célio Lobão “o Direito Penal Militar é especial não só porque se aplica a uma classe de indivíduos, como também, pela natureza do bem jurídico tutelado” (2006, pág. 73).

Os tipos penais previstos na legislação castrense, como regra, são apenados de forma mais gravosa, uma vez que buscam preservar a regularidade das instituições militares, fundamentais na preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas.

Analisando o art. 290 do CPM observa-se que este se inclui entre os que ofendem a incolumidade pública, em especial a saúde pública, tratando-se de crime de perigo abstrato (não exigem a lesão de um bem jurídico ou a colocação deste bem em risco real e concreto). O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, sendo, por isso, crime militar impróprio, somente adquirindo a condição de delito militar quando praticado em lugar sujeito à Administração Militar, ressalvados os casos do § 1º.

Desta forma, chega-se a conclusão que a diferença básica entre o supracitado tipo penal castrense para os delitos previstos na lei 11.343/06 reside no fato de o primeiro ser cometido em lugar sujeito à Administração Militar, fundamento este que por si só, não é capaz de determinar a especialidade do tipo penal militar em relação ao previsto na legislação extravagante, sem considerar outras variantes.

Para reforçar o entendimento aqui defendido, lembramos que ambos os tipos incriminadores são normas penais em branco que dependem da mesma complementação normativa, qual seja, Portaria nº 344, de 12 de maio de 1998 que aprova o Regulamento Técnico sobre Substâncias e Medicamentos Sujeitos a Controle Especial. Rogério Greco assim define norma penal em branco:

 “Normas penais em branco ou primariamente remetidas são aquelas em que há necessidade de complementação para que se possa compreender o âmbito de aplicação de seu preceito primário. Isso significa que, embora haja uma descrição da conduta proibida, essa descrição requer, obrigatoriamente, um complemento extraído de um outro diploma – leis, decretos, regulamentos etc. – para que possam, efetivamente, ser entendidos os limites da proibição ou imposição feitos pela lei penal, uma vez que, sem esse complemento, torna-se impossível sua aplicação.”(2012, pág.20)

 Mesmo que se considere o crime previsto no art. 290 do CPM como norma especial, este não é o único critério definidor de aplicação de uma norma em caso de antinomia. O CPM é datado de 21 de outubro de 1969, época em que o Brasil era administrado pela ditadura militar. Com a entrada em vigor da CRFB/88, fa-se necessário uma leitura constitucional dos tipos penais já previstos, principalmente com foco nos princípios e direitos fundamentais por ela elencados.

Para ilustrar o posicionamento acima, destaca-se fragmento do voto (vencido) do eminente Ministro Flávio Bierrenbach, proferido no julgamento dos embargos infringentes na Apelação nº 2007.01.05037-7/RS, que discutia a aplicação do princípio da insignificância no caso de militar preso com reduzida quantidade de droga:

 “Refiro-me à tese, sustentada na presente impetração, que se fundamenta na aplicabilidade, ao crime militar de porte e guarda de substância entorpecente (CPM, art. 290), da disciplina penal mais benéfica consubstanciada na Lei 11.343/2006, que se qualifica, sob tal perspectiva, considerado o disposto no art. 28 desse novo diploma legislativo, como verdadeira lex mitior.

[...] Impende reconhecer, por necessário, que a eficácia retroativa da lei penal benéfica possui extração constitucional, traduzindo, sob tal aspecto, inquestionável direito público subjetivo que assiste a qualquer suposto autor de infrações penais.

[...] Ve-se, pois, que a circunstância de ordem temporal decorrente da sucessão de leis penal no tempo rever-se-ia apta a conferir aplicabilidade, no caso, às disposições contidas no art. 28 da Lei1134333/2006 (lex mitior).

Assentadas tais premissas, torna-se imperioso salientar que assume expressivo relevo a alegação de que a cláusula da aplicabilidade dos estatutos penais benéficos, impregnada de caráter mandatório, por ostentar natureza eminentemente constitucional (CF, art. 5º, XL), tem precedência sobre quaisquer diplomas legislativos, independentemente de estes se subsumirem à noção mesmo de lex specialis.”

 Data vênia, é imperioso ressaltar que a lei 11.343/06 é lex mitior apenas em relação ao usuário, já ao traficante é dado o devido rigor que a CRFB/88 exige, com pena de até quinze anos e gravames estabelecidos tratando-se de crime equiparado a hediondo.

Apesar de estar sustentado em fundamentos sólidos, o entendimento aqui defendido é contrário ao do STF que, em vários julgados, vem reconhecendo a especialidade do Direito Penal Militar em face da lei de drogas, não admitindo, se quer a aplicação do princípio da insignificância aos casos de porte de reduzida quantidade de entorpecentes, considerando que a hierarquia e a disciplina militares devem sobressair.

 2.      Princípio da proporcionalidade e revogação tácita do artigo 290 do CPM

O princípio da proporcionalidade, que se configura na adequação e a necessidade de determinado ato legislativo, se aplica no âmbito do Direito Penal tendo como base a proporcionalidade entre gravidade do crime praticado e a sanção a ser aplicada. O referido mandamento já era previsto na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, in verbis: “art. 8. A Lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias, e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada”.

Alberto Silva Franco, citado por Greco, dissertando sobre o princípio em tela, aduz:

 “O princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode alguém ser privado (gravidade da pena). Toda vez que, nessa relação, houver um desequilíbrio acentuado, estabelece-se, em consequência, inaceitável desproporção. O princípio da proporcionalidade rechaça, portanto, o estabelecimento de cominações legais (proporcionalidade em abstrato) e a imposição de penas (proporcionalidade em concreto) que careçam de relação valorativa com o fato cometido considerado em seu significado global. Tem, em consequência, um duplo destinatário: o poder legislativo (que tem de estabelecer penas proporcionais, em abstrato, à gravidade do delito) e o juiz (as penas que os juízes impõem ao autor do delito têm de ser proporcionais à sua concreta gravidade).” (2012, pág 75)

 A proporcionalidade é um princípio do constitucionalismo moderno que na CRFB/88 se apresenta em vários dispositivos, tais como: exigência da individualização da pena (art. 5º, XLVI), proibição de determinadas modalidades de sanções penais (art. 5º, XLVII), admissão de maior rigor para infrações mais graves (art. 5º, XLII, XLIII e XLIV).

Analisando o tipo penal do art. 290 do CPM, percebe-se facilmente a total falta de proporcionalidade como o assunto foi tratado pelo legislador à época. Cícero Robson Coimbra Neves e Marcello Streinfiger (2012, pág. 1134) ressaltam o entendimento de que para os casos de consumo próprio, mesmo se enquadrando no tipo penal do art. 290 do CPM, dever-se-ia subsumir a conduta no art. 28 da Lei 11.343/2006, utilizando-se nessa construção variadas motivações jurídicas, como a razoabilidade, a isonomia e a proporcionalidade, o que levaria a possível aplicação do princípio da insignificância.

O art. 290 do CPM, em seu preceito primário, trata da mesma forma traficante e usuário, situação que não se coaduna com o constitucionalismo moderno, como bem mostra Luiz Flávio Gomes e Silvio Maciel:

 “É que o Brasil adotou, por meio de seus legítimos representantes, uma nova postura diante dos usuários e/ou dependentes de drogas (sejam eles civis ou militares porque a dependência, sendo um problema de saúde pública, nada tem a ver com a função ou profissão da pessoa). O novo panorama legislativo, seguindo a tendência mundial, pretendeu afastar-se da idéia de tratar o usuário como criminoso, sinalizando para a necessidade de tratá-lo e ajudá-lo a livrar-se da dependência química.” (Disponível em http://www.lfg.com.br - 22 de novembro de 2010)

 Quanto ao preceito secundário, a pena é relativamente baixa para o traficante, que poderia ser apenado a no máximo 5 (cinco) anos de reclusão, enquanto na legislação extravagante essa é a pena mínima, sendo que poderá chegar a 15 (quinze) anos. Já em relação ao usuário, em vez de sofrer sanções que buscam a ressocialização e tratamento do seu vício, estabelecidas pelo art. 28 da lei de drogas, ficaria submetido a mesma pena de até 5 anos estabelecida ao traficante, o que possivelmente só irá comprometer permanentemente a vida do infrator.

Observa-se que o tipo penal castrense, também fere de forma indireta outros princípios constitucionais, tais como a dignidade da pessoa humana e a individualização da pena, este último em suas três fases: cominação, aplicação e execução.

Diante do exposto, defende-se a tese de que a determinada infração penal não foi recepcionada pela CRFB/88 por ferir frontalmente princípios basilares estipulados nas normas de direito fundamental e por não se coadunar com a atual política de combate ao tráfico de drogas estabelecido por esta Constituição. Pensamento também defendido por Gomes e Maciel:

 “Por tal razão é que pensamos também (embora não seja este o objetivo do presente artigo) que o delito de porte de drogas capitulado no art. 290 do CPM foi tacitamente revogado pelo art. 28, caput, da Lei 11.343/06. O delito do artigo 290 do CPM está em total dissonância com a política legislativa atual, referente ao usuário de drogas. Aquele que coloca em perigo o bem jurídico, saúde pública, mas na condição de usuário e/ou dependente (não de traficante), é sancionado com medidas preventivas e educativas (art. 28, I a III da Lei de Drogas), não com pena de prisão.” (Disponível em http://www.lfg.com.br - 22 de novembro de 2010)

  1. 3.      Consequências da aplicação da lei 11.343/06 aos casos militares e a possibilidade da sanção administrativa ao usuário

 A aplicação do art. 290 do CPM ocasiona uma situação totalmente contraditória. O militar ou civil que traficar em lugar sujeito à Administração Militar está submetido a uma pena de até 5 (cinco) anos, enquanto a mesma conduta em outros locais, acarretariam em uma sanção que poderá chegar à 15 (anos).

Lembra-se que pelos bens jurídicos tutelados pela norma castrense, tendo como pilares a hierarquia e a disciplina, ocasionam uma reprimenda que em relação à legislação comum, costuma ser mais gravosa.

A lei de drogas não é lex mitior em relação ao tipo do art. 290 do CPM, aquela só separa usuário de traficante, dando a este um tratamento mais rigoroso, sendo benéfica apenas quanto ao usuário.

A aplicação da lei 11.343/06 é coerente com atual política de combate a drogas e seria mais eficiente que o tipo penal castrense. Sanciona de forma rigorosa o traficante, inclusive submetendo-o aos rigores da lei 8.072/90 como, por exemplo, o cumprimento da pena inicialmente em regime fechado, progressão de regime com prazos maiores (2/5 para condenado primário e 3/5 para reincidente), inadmissibilidade de graça, anistia, indulto e fiança, entre outros.

Em relação ao usuário que seja militar, com a admissibilidade de aplicação do art. 28 da lei de drogas, apesar de não ficar sujeito a pena privativa de liberdade, a hierarquia e a disciplina militares estariam devidamente resguardadas em processo administrativo, que constataria a falta com a honra e o decoro da classe, submetendo-o a processo demissionário.

Luiz Flávio Gomes e Sílvio Maciel criticam o posicionamento do STF que, considerando o tipo penal militar como norma especial, afasta a submissão à lei 11.343/06 e inadmite a aplicação do princípio da insignificância:

 “A invocação da disciplina e da hierarquia militar só revela o autoritarismo da interpretação ora questionada. A recente decisão do STF tem caráter ideológico punitivista e exterioriza o quanto o Judiciário brasileiro, em alguns momentos, parece mancomunado com o autoritarismo militar, convertendo-se, ele mesmo, num poder também autoritário”. (Disponível em http://www.lfg.com.br - 22 de novembro de 2010.)

 Abre-se parênteses para o total descaso e despreparo do legislativo em relação a assuntos militares, deixando a atual legislação desatualizada e em desconformidade com a CRFB/88, o que ocasiona atrocidades oriundas de uma época em que imperava o autoritarismo da ditadura militar.

 Conclusão

 Diante do estudo realizado, conclui-se que o tipo penal do art. 290 do CPM não foi recepcionado pela atual CRFB/88 por ferir princípios expressos de direito fundamental, em especial o princípio da proporcionalidade, sendo que referida “Lei Maior” em várias passagens reflete a intenção do legislador constituinte em reprimir com o devido rigor o crime de tráfico de droga, dispensando ao traficante penalidades mais gravosas que ao usuário.

Verificou-se que o art. 290 do Código Penal Militar não faz a devida distinção entre a figura do usuário frente à do traficante, tratando condutas de gravidades diferentes com penas iguais, configurando uma visão ultrapassada de Política Criminal, que não se coaduna com a nova política mundial de combate ao tráfico e uso de drogas.

O entendimento do STF, para considerar o tipo penal do CPM como norma especial em relação aos crimes previstos na Lei 11.343/06, pautou-se na questão dos bens jurídicos envolvidos. Na ótica da Corte, a hierarquia e a disciplina militares estabelecem a especialidade do Direito Militar, que estaria sofrendo relevante e significante perigo com a conduta do militar usuário. Porém, observou-se que este posicionamento da Suprema Corte só beneficia o traficante, submetendo-o a uma pena muito mais branda do que a prevista na Lei de drogas.

Por fim, chegou-se ao entendimento que a aplicação da Lei 11.343/06 também às práticas ocorridas em lugar sujeito à administração militar é mais eficiente e coerente com o constitucionalismo moderno, preservando de forma mais adequada os pilares das instituições militares, hierarquia e disciplina, punindo com o devido rigor o traficante e aplicando uma pena justa ao usuário, inclusive com sua demissão através de processo administrativo.

 Referências Bibliográficas

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