ACESSO Á JUSTIÇA: O PAPEL DA DEFENSORIA PÚBLICA

 

Dayanne Estrêla da Costa Leite[1]

 

Sumário: Introdução; 1 Evolução histórica do acesso à Justiça; 2 Ondas Renovatórias de acesso À Justiça; 3 Obstáculos ao acesso À Justiça; 4 Defensoria Pública;5 Inefetividade dos Serviços Prestados pela Defensoria Pública; 6 CNJ: Advocacia Voluntária; Conclusão; Referências.

 

RESUMO

O acesso à Justiça não se identifica somente com a mera inserção no processo. A falta de uma assistência jurídica gratuita concebida pelo Estado põe em cheque a institucionalização de um Estado-juiz democrático. A ineficiência da tutela jurídica prestada pelas Defensorias Públicas é uma das causas da exclusão de grande parte da polução da seara jurídica.

PALAVRAS-CHAVE

Acesso à Justiça. Defensoria Pública. Advocacia Voluntária

 

INTRODUÇÃO

As dificuldades de acesso à Justiça relacionam-se diretamente com a condição social de uma determinada população. No Brasil, segundo dados oficiais do IBGE, aproximadamente 77% da população brasileira obtém rendimentos inferiores a três salários mínimos mensais.

Em razão de sua condição econômica, essa enorme parcela populacional se mostra especialmente vulnerável no que se refere à afirmação e efetivação de seus direitos. Desprovidas de informação, muitas vezes não percebem que tiveram seus direitos violados, mas, mesmo quando notam a violação deles, encontram barreiras decorrentes da falta de assistência jurídica pública. São as pessoas que mais encontram dificuldades e entraves burocráticos para reclamar uma prestação jurisdicional reparadora.

Esses obstáculos refletem bem o problema do acesso à justiça brasileira, problema este que põe em xeque o próprio Estado Democrático de Direito. Afinal, todo o processo histórico de construção, afirmação e positivação dos direitos da pessoa humana perde o sentido se não for assegurado o acesso à justiça a todos os indivíduos de forma igualitária e universal.

Este artigo é de natureza bibliográfica e tem por objetivo explicar a evolução do acesso à justiça, abordando, como meio para a efetivação desse acesso, a Defensoria Pública. Por fim faz-se uma pequena explanação do programa “Advocacia Voluntaria” desenvolvido e implementado pelo Conselho Nacional de Justiça.

1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ACESSO À JUSTIÇA

 Nos Estados liberais burgueses dos séculos XVIII e XIX, os procedimentos dotados para a solução das lides eram reflexo de uma filosofia fundamentalmente individualista dos direitos. Direito à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. Esses direitos eram considerados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros.[2]

Na medida em que as sociedades forem se desenvolvendo, a idéia de acesso à justiça começou a sofrer transformações radicais. As sociedades modernas deixaram para trás a visão individualista do direito, as “declarações de direitos” foi reflexo dessa mudança. De fato, o direito ao acesso à justiça tem sido reconhecido como sendo de fundamental importância, uma vez que a titularidade de direitos é destituída na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação.

O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como requisito fundamental de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretende garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.[3]

2 ONDAS RENOVATÓRIAS DE ACESSO À JUSTIÇA

A partir de 1965 notam-se três grandes ondas no movimento universal de acesso à justiça: (a) constitui a primeira onda a representação postulatória individual em juízo, ou seja, a assistência jurídica gratuita; (b) a segunda onda caracteriza-se pela representação dos direitos difusos; (c) e a terceira onda é chamada “novo enfoque do acesso à justiça”, ou seja, os mecanismos e formas procedimentais diferenciadas, modificações estruturais nos tribunais e os meios alternativos de solução de conflitos.[4]

No Brasil, o movimento de acesso à justiça tem apresentado, a partir de meados do século passado, avanços e retrocessos. No que se refere à representação postulatória em juízo, o artigo 134 da Constituição da República Federativa do Brasil atribuiu como ente público essencial à justiça a Defensoria Pública, tema que se será discutido mais adiante, no decorrer do corpo do artigo.

Já no que tange à segunda onda de acesso à Justiça, registra-se consideráveis avanços na tutela dos interesses difusos a partir da Lei de Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor. Embora seja inegável que os instrumentos de representação coletiva constituíram, nos anos, um efetivo avanço no movimento de ampliação do acesso à Justiça e do fortalecimento da organização social, tais instrumentos reclamam aperfeiçoamento.

A terceira onda do movimento universal consolidou-se no sistema brasileiro a partir da criação dos Juizados de Pequenas Causas (atuais Juizados Especiais) e dos programas de resolução alternativa de conflitos.

3 OBSTÁCULOS AO ACESSO À JUSTIÇA

 

A ignorância ou a falta de conhecimento sobre os direitos é um fator preponderante no processo de exclusão do acesso à Justiça. Acresça-se, ainda, a dinâmica da produção legislativa no Brasil que faz uso de vernáculo extremamente técnico e arcaico, constituindo um verdadeiro obstáculo na compreensão dos direitos.

O sistema constitucional brasileiro impõe ao Estado o dever de provisão de assistência jurídica integral e gratuita à população carente, o que implica na tutela dos indivíduos em todas as áreas do direito, nas esferas judicial ou extrajudicial. No entanto, o grau de cobertura do serviço da Defensoria Pública não atinge sequer a metade das comarcas existentes.

A expressão acesso à justiça não se confunde apenas com a acessibilidade formal aos serviços judiciários, mas, constitui direito social da maior relevância: impõe ao ente governamental a adoção de providências concretas que tornem efetiva a concretização dos direitos dos cidadãos. Fundamenta-se sobretudo, no direito a uma solução justa, individual e socialmente, respeitando de modo efetivo as garantias basilares do devido processo legal e da ampla defesa.

4 DEFENSORIA PÚBLICA

 

Diante da falta de iniciativa por parte do Estado, é criado, em 1870, pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, um Conselho com a finalidade de prestar assistência judiciária aos necessitados em causas civis e criminais. Registra-se que Nabuco de Araújo, que na época era o presidente do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, foi o grande incentivador da assistência jurídica aos pobres e necessitados. Inconformado com a situação e diante da insuficiência de sua iniciativa e de seus companheiros.[5]

Apesar do esforço dos advogados, a atuação deles era insuficiente, tanto que apenas amenizavam o problema. A demanda, em relação ao número de pessoas que eram atendidas pelo Conselho de Advogados, era muito maior. A intervenção do Estado, através da criação de legislação específica que garantisse o direito a um defensor gratuito e também a isenção das custas processuais, já era uma necessidade urgente naquela época.

Em 1935, o Estado de São Paulo foi precursor ao adotar o primeiro serviço estatal de Assistência Judiciária do Brasil. A iniciativa foi seguida pelos Estados do Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Em contraste à iniciativa tomada pelo Estado em 1935, na atualidade, o Estado de São Paulo era, até o ano de 2006, quando entrou em vigor Lei Complementar 18/05, um dos Estados brasileiros onde a Defensoria Pública ainda não era instituída de acordo com a Constituição Federal e a Lei Complementar n. 80/94.

A assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos vem configurada como direito individual no artigo 5°, LXXIV. Sua eficácia e efetiva aplicação constituirão um meio de realizar o principio de igualização dos desiguais perante a Justiça.[6]

A Constituição de 88 deu um passo importante, prevendo em seu artigo 134, a Defensoria Pública como instituição essencial à função jurisdicional, incumbida da orientação jurídica e defesa, em todos os graus, dos necessitados.

“Aqui se consolida o desempenho maior da Defensoria Pública, cabendo-lhe, de imediato, uma dupla tarefa, qual seja, a de proporcionar a justa distribuição da justiça e a de prestar solidariedade às pessoas que buscam apoio na Instituição”.[7]

A Defensoria Pública é uma instituição de caráter assistencial às pessoas mais necessitadas economicamente, bem como, tem essencial papel para o desenvolvimento da função jurisdicional do Estado. Ou seja, este órgão foi instituído com escopo de prestar assistência aos carentes financeiramente, onde lhes são garantidos tanto o direito de ação consagrado como o direito de defesa.

O Estado deve assegurar de que todos tenham acesso à justiça de forma igualitária, destinou, então, o direito ao acusado de se ver defendido por um “advogado popular”. Os objetivos da Defensoria Pública são pautados na prestação de serviço de advocacia pública gratuita aos necessitados, mas em verdade repercute, na sociedade como um todo.

Apesar da unidade e indivisibilidade da instituição, ela se organiza em três ramos: Defensoria Pública da União, Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios e Defensoria Pública dos Estados. Apesar da precariedade da nossa Defensoria Pública, o Brasil se destaca no panorama mundial como um dos poucos países que coloca a Defensoria Pública, por mandamento constitucional, à condição de carreira de Estado.

5 INEFETIVIDADE DOS SERVIÇOS PRESTADOS PELA DEFENSORIA PÚBLICA

 

O Estado maior cada vez mais, se ausenta das responsabilidades, tornando-se omisso nos seus deveres. Pode-se afirmar categoricamente que os serviços prestados pela Defensoria Pública é um serviço não efetivo.

O Brasil possui cerca de 5 mil defensores públicos, dando uma média de 2  defensores  públicos para cada 100 mil habitantes. A média de juízes no país é de 7,7 juízes para cada 100 mil habitantes. A simples comparação com a quantidade de juízes deixa claro que o número de profissionais destinados a atender a população que depende da prestação jurisdicional gratuita é totalmente insuficiente.

Constata-se que o grau de cobertura das defensorias é de apenas 42,% das comarcas brasileiras. Os estados que menos investem nas defensorias são os que apresentam os piores indicadores sociais, e são os que mais necessitariam dos serviços da instituição. As melhores defensorias públicas estaduais, segundo ranking definido no estudo, são as do Mato Grosso do Sul, seguido de Rio de Janeiro e Amapá. As piores são as defensorias de Piauí e Maranhão.

As medidas necessárias para garantir o aperfeiçoamento das defensorias públicas: autonomia administrativa e financeira; a legitimação da instituição para o ajuizamento de ações coletivas; a utilização de meios alternativos de solução de conflitos e apoio multidisciplinar.

6 CNJ: ADVOCACIA VOLUNTÁRIA

 

O Conselho Nacional de Justiça criou uma resolução que delibera a criação de um cadastro nacional de advogados voluntários. Essa medida tem por objetivo incentivar a prática de advocacia gratuita, uma vez que há carência de defensores públicos no país.

Essa orientação foi instituída pela Resolução nº 62 do CNJ, pela qual os tribunais estaduais, diretamente ou mediante convênio de cooperação celebrado com a Defensoria Pública da União e dos Estados, devem implementar meios de cadastramento de advogados voluntários interessados na prestação de assistência jurídica. [8]

O Núcleo de Advocacia Voluntária, mecanismo que procura ampliar os canais de acesso ao Judiciário, é uma das prioridades do CNJ para expandir o acesso à Justiça às pessoas de baixa renda, principalmente em razão do pequeno número de defensores públicos existentes no País.

CONCLUSÃO

 

A efetivação e aperfeiçoamento de instrumentos garantidores do acesso à justiça constituem um desafio para a sociedade atual, cujas implicações tangenciam desde as políticas de justiça e segurança pública, até a própria questão da legitimidade do Estado Democrático de Direito.

Medidas importantes foram tomadas para melhorar os sistemas de acesso efetivo à Justiça. O fortalecimento da Defensoria Pública, com a concessão de sua autonomia funcional, administrativa e financeira, bem como com a destinação de parcela maior de recursos para prover as despesas de sua efetiva concretização é medida indispensável para se concretizar o acesso à justiça e o princípio da igualdade. É necessário se enfrentar a questão do modelo de prestação da assistência jurídica, chamando o Estado para cumprir o seu papel de implementar instrumentos que garantam, de forma adequada, a salvaguarda dos direitos individuais, principalmente dos mais necessitados economicamente.

A questão relativa ao custo de manutenção do corpo público de assistência jurídica sempre foi tomada como um óbice para a sua efetiva instalação no Brasil. No entanto, as soluções encontradas, como a terceirização dos serviços advocatícios públicos, além de não oferecerem condições de um controle adequado da qualidade dos serviços prestados se mostram, também custosas para o Estado. Cabe registrar que, do total de gastos dos Estados com o sistema de justiça, a Defensoria Pública, tem uma participação irrisória, o que reflete o descaso do Poder Público com a garantia da defesa técnica.

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

CAPELLETTI, Mauro. Acesso Justiça. Tradução Ellen Grace Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVES, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 19º. Ed., revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2003.

CNJ. Advocacia voluntaria. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=7864&Itemid=956>. Acesso em: 03 de maio.

MARTINS, Mauro.Acesso à Justiça.Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2005-ago 24/mapeamento_mostra_perfil_defensoria_publica_pais> . Acesso em: 3 maio de 2010.

GALLIEZ, Paulo. A Defensoria Pública: O Estado e a cidadania. Rio de Janeiro: Lumen Júris,1999.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª ed., São Paulo: Atlas, 2002.

MORAES, Humberto Peña; SILVA, José Fontenelle Teixeira. Assistência judiciária: sua gênese, sua história e a função protetiva do estado. Rio de Janeiro: Líber Júris, 1984.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.



[1] Aluna do 3º período vespertino do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB, turma 2009.1. E-mail: [email protected]

[2]CAPELLETTI, Mauro. Acesso Justiça. Tradução Ellen Grace Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. p.9

[3] Ibid., p. 12;

[4]Ibid., p. 39,

[5] MORAES, Humberto Peña; SILVA, José Fontenelle Teixeira. Assistência judiciária: sua gênese, sua história e a função protetiva do estado. Rio de Janeiro: Líber Júris, 1984.

[6] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.p. 607

[7] GALLIEZ, Paulo. A Defensoria Pública: O Estado e a cidadania. Rio de Janeiro: Lumen Júris,1999.p. 5

[8] CNJ. Advocacia voluntaria. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=7864&Itemid=956>. Acesso em: 03 de maio.