Abertura Democrática

No Brasil, o regime militar, que durou de 1964 até 1985, foi marcado pelo desaparecimento das garantias constitucionalmente até então estabelecidas, pela censura aos meios de comunicação, pela tortura e pela prisão, com a morte dos opositores ao regime de exceção.

Depois de mais de dez anos de regime militar, o general Ernesto Geisel (1974-1979), diante da situação em que o país se encontrava por causa da alta dívida externa, da inflação acelerada e da crise do petróleo, viu-se compelido a promover uma gradual e lenta abertura política, enfrentando ainda os mais conservadores que desejavam a continuação do regime. Em 1975 a censura à imprensa acabou. Em 1978 o Habeas Corpus foi restabelecido.

Geisel teve como sucessor o general João Baptista Figueiredo (1979-1985) que teve de enfrentar forte oposição com o crescimento do Movimento Democrático Brasileiro e com a insatisfação da classe média por causa do regime opressor. Os militares de linha dura, insatisfeitos com a abertura democrática, deram início a uma série de atentados, sequestros e ameaças contra os opositores ao regime. No ano de 1979, o governo restabeleceu o pluripartidarismo.

Em 1982 foi eleito deputado federal pelo PMDB Dante de Oliveira que conduziu um movimento em prol da apresentação de uma emenda constitucional que previa eleições diretas para presidente da República do Brasil. Na Câmara dos Deputados, a emenda Dante de Oliveira, como ficou conhecida, foi votada em 25 de abril de 1984, obteve maioria de votos, mas insuficientes para atingir o quórum de dois terços exigidos para alteração da Constituição vigente. Rejeitada pela Câmara tendo em vista a questão do quórum, sequer chegou a ser apreciada pelo Senado Federal.

Em virtude disso, ganhou as ruas a campanha "Diretas Já", um dos maiores movimentos políticos e sociais da história brasileira, que passou a ser liderado pela figura do então deputado federal Ulisses Guimarães. A campanha ganhou o apoio da sociedade civil organizada que exigia eleições diretas para Presidente da República.

Em 15 de janeiro de 1985, através de uma eleição no Colégio Eleitoral, o candidato de oposição ao governo militar Tancredo Neves foi eleito Presidente da República.

O governo Sarney (1985-1990)

José Sarney, político oriundo do estado do Maranhão, fora presidente do PDS e compartilhava das mesmas ideias política do candidato do então presidente militar Figueiredo, referido nome era o do ministro Andreazza que fora derrotado nas prévias da convenção partidária por Paulo Maluf.

Paulo Maluf, vencendo na convenção partidária, candidatou-se à Presidência da República e conseguiu a maioria dos cargos do PDS, segmentando o partido. Sarney, sem alternativa política, deixou os quadros do partido junto com seus aliados, fundando o Partido da Frente Liberal.

O Partido da Frente Liberal (PFL) uniu-se ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB) formando a Aliança Democrática lançando a candidatura alternativa de Tancredo Neves e José Sarney à Presidência da República.

Tancredo Neves era um hábil político mineiro que conseguiu conciliar seus interesses políticos ao momento que acreditava ser oportuno para seus fins, uma vez que os militares perdiam o poder.

Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo e Sarney venceram Maluf por 480 votos a 180. A oposição chegava ao poder com 300 votos de maioria no colégio eleitoral.

Tancredo Neves foi eleito presidente, mas não chegou a tomar posse em virtude de sua morte em 21 de abril de 1985. O Congresso Nacional temeroso na possibilidade de um novo golpe militar, empossa seu vice, José Sarney.

Paradoxalmente o homem que combatia anteriormente as eleições diretas viria a assumir a Presidência da República. O Governo Sarney já se inicia com um trauma enorme em virtude da morte de Tancredo, além do fardo deixado pelo governo militar de Figueiredo. A vida econômica do país era caótica. Segundo Florival Cáceres (1993, p. 361): "a dívida externa brasileira era a maior do planeta, cerca de 180 bilhões de dólares, em 1985."

O país estava desestabilizado economicamente, há anos não pagava o valor principal da dívida externa e mal pagava os juros devidos. O país estava entregue as mãos do Fundo Monetário Internacional. Esta foi a herança deixada pelos governos ditatoriais militares, além da inflação superior a 100% deixada pelo governo Figueiredo. (CÁCERES, 1993, p. 362)

A gestão de Sarney é marcada pelo Plano Cruzado e pela reforma constitucional (assembleia nacional constituinte) que culminaria com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Em 1986, Sarney anunciou o Plano Cruzado, que aperfeiçoou totalmente o sistema monetário nacional. O Cruzeiro foi substituído pelo Cruzado. Além da transformação da moeda, o aludido plano tinha por escopo estabilizar a economia através do congelamento de salários e preços. O plano falhou e outros vieram posteriormente na tentativa de salvar a economia nacional.

Sob a presidência do Deputado Ulysses Guimarães, em 1º de fevereiro de 1987, instalou-se a Assembleia Nacional Constituinte. Dentre as alterações ocorridas, a nova Constituição restabeleceu as eleições diretas para Presidente da República, Governador Estadual e Prefeito Municipal, além de inserir o Município no quadro de entes federativos e garantir a independência dos três poderes, lesada pela ditadura.

A Assembleia Nacional Constituinte e a Constituição de 1988

No ano de 1986, o PMDB obteve resultados vantajosos em quase todos os estados, atingindo maior número de cadeiras no Congresso Nacional. Esses deputados e senadores formam a Assembleia Nacional Constituinte e optaram pela Constituinte Congressual, que teve seus trabalhos iniciados em 1º de fevereiro de 1987. Grupos sociais como o empresariado, sindicatos, ambientalistas, a igreja, militares e a classe média tentavam garantir seus interesses perante o texto constitucional.

Quanto a forma de governo e o sistema, ficou mantido a república e o presidencialismo respectivamente, com plebiscito agendado para 7 de setembro de 1993, quando os cidadãos seriam convidados a escolher entre república e monarquia,presidencialismo e parlamentarismo. Apesar do caráter social e democrático da Constituição Federal de 1988,ela ainda acabou sendo muito criticada pelo empresariado.

A Carta Constitucional restabeleceu diversos direitos feridos pelo regime militar como a liberdade de imprensa, expressão e pensamento. Restituiu o Habeas Corpus no texto constitucional e o mandado de segurança, além de criar o mandado de injunção.A Constituição se diferenciou pela defesa dos direitos sociais, sindicais, direito de greve, dentre outros.

No âmbito trabalhista, assegurou a jornada máxima semanal de 44 horas, turno diário de seis horas ininterruptas, seguro-desemprego, ampliação da licença maternidade de 84 para 120 dias. Fora incluído dispositivo que impedia a intervenção do Estado nos sindicatos e garantiu-se o livre direito de greve.

Assegurou democraticamente eleições diretas para prefeito, governador e presidente da república, as quais seriam realizadas em dois turnos. Elevou o município a qualidade de ente federativo, prezando assim pelo desenvolvimento local e equilibrado.

No seu discurso, o Presidente da Constituinte, Ulisses Guimarães, na data da promulgação da Constituição Federal (5 de outubro de 1988) citado por Paulo Bonavides e Paes de Andrade (2004, p. 915) em sua obra História Constitucional do Brasil, assim se pronuncia:

Democracia é a vontade da lei, que é plural e igual para todos, e não a do príncipe, que é unipessoal e desigual para os favorecimentos e privilégios. Se a democracia é o governo da lei, não só ao elaborá-la, mas também para cumpri-la, são governo o executivo e o legislativo.

Assim é preciso estar consciente que, numa república democrática, o governo é das leis e não dos cidadãos. Sobre o assunto, com profundidade peculiar, conclui Norberto Bobbio (1997,p. 170-171):

Se então, na conclusão da análise, pedem-me para abandonar o hábito do estudioso e assumir o do homem engajado na vida política do seu tempo, não-tenho nenhuma hesitação.em dizer que a minha preferência vai para o governo das leis, não para o governo dos homens. O governo das leis celebra hoje o próprio triunfo na democracia. E o que é a democracia se não um conjunto de regras (as chamadas regras do jogo) para a solução dos conflitos sem derramamento de sangue? e em que consiste o bom governo democrático se não, acima de tudo, no rigoroso respeito a estas regras? Pessoalmente, não tenho dúvidas sobre a resposta a estas questões. E exatamente porque não tenho dúvidas, posso concluir tranqüilamente que a democracia é o governo das leis por excelência. No momento mesmo em que um regime democrático perde de vista este seu princípio inspirador, degenera rapidamente em seu contrário, numa das tantas formas de governo autocrático de que estão repletas as narrações dos historiadores e as reflexões dos escritores políticos.

A nova definição da vida jurídica do país continua nas palavras do então Presidente do Congresso Constituinte, Ulysses Guimarães, citadas por Cármen Lúcia Antunes Rocha (1999, p. 439):

O homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto sem cidadania [...] Diferentemente das sete Constituições anteriores, começa com o homem. Graficamente testemunha a primazia do homem, que foi escrita para o homem, que o homem é o seu fim e sua esperança. É a Constituição Cidadã [...] A Constituição durará com a democracia e só com a democracia sobrevivem para o povo a dignidade, a liberdade e a justiça.

A Democracia brasileira pós-Constituição de 1988 (governos Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva)

Com os inúmeros fracassos na área econômica, o Governo Sarney estava desmoralizado e impopular. No início de 1989, as candidaturas presidenciais já estavam nas ruas, os candidatos mais cotados eram Leonel Brizola, do PDT (Partido Democrático Trabalhista) e Luis Inácio Lula da Silva, do PT (Partido dos Trabalhadores). Ambas as candidaturas assustavam os setores mais conservadores da sociedade. Também era candidato Ulysses Guimarães, então presidente do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro). Concorreu ainda o senador Mário Covas, pelo PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira). Enfim, eram 22 candidatos dos quais passaram para o segundo turno Fernando Collor de Mello e Luis Inácio Lula da Silva. No dia 17 dezembro de 1989, foi eleito Collor de Mello.

Governo Collor (1990-1992)

O presidente Collorassumiu o poder com grande apoio popular e com bastante força política na base de governo. Após quase trinta anos, era o primeiro presidente eleito pelo voto direto da população, por isso todas as esperanças e expectativas da nação brasileira estavam depositadas nele.

Collor era chamado de "caçador de marajás", pois prometera a moralização no seu governo, o que não ocorrera no do seu antecessor, José Sarney, além da retenção de despesas governamentais.

Entretanto poucos meses foram suficientes para que escândalos na sua esfera de poder surgissem. Revelados esquemas de corrupção que eram liderados por Paulo César Farias, o presidente fora afastado pelo Congresso Nacional, com extremo apoio popular, em setembro de 1992, para responder ao processo de impeachment. Sem alternativa e sem o apoio das massas, Collor renuncia em dezembro de 1992, antes de ser condenado por crime de responsabilidade pelo Senado Federal, decisão que suspendeu seus direitos políticos por 8 anos. O Congresso Nacional efetivou em 28 de dezembro de 1992 o vice-presidente Itamar Franco.

Acerca dos fatos acima mencionados, asseveraBruno Wilhelm Speck (1998, p.42):

Os fatores que teriam contribuído para um aumento da corrupção nos sistemas políticos modernos são os seguintes: a primeira causa é a transformação radical do financiamento de partidos e eleições nas últimas décadas. Em função de campanhas eleitorais cada vez mais caras, os modelos clássicos de financiamento através de contribuições dos filiados dos partidos fracassaram. As saídas encontradas foram as contribuições pesadas de empresários para alimentar as máquinas partidárias em anos eleitorais. Como contribuições em grandes volumes geralmente não estavam previstas pela legislação partidária nos diversos países, elas de fato ocorreram à margem da lei. São freqüentes os escândalos de financiamento de partidos ou candidatos nas eleições nas últimas décadas. Na América Latina os casos que chamaram mais atenção foram às denúncias contra o coordenador da campanha eleitoral do ex-presidente Fernando Collor, Paulo César Farias, que explorou de maneira sistemática as relações entre a administração pública e as empresas fornecedoras do Estado. O escândalo terminou no impeachment do Presidente, em 1992.

Fernando Collor de Melo voltou ao cenário político nacional ocupando, atualmente, o cargo de Senador da República pelo estado de Alagoas e filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro.

Governo Itamar Franco (1992-1994)

O Governo Itamar Franco pautou-se basicamente pela estabilização da economia brasileira que já vinha tão dilacerada. Em 1993, a economia deu sinais de recuperação com o crescimento do PIB.Em 1994, com o Plano Real o governo conseguiu controlar a inflação. Essa nova tentativa de estabilização econômica era a décima mudança de moeda do país. As reservas cambiais cresceram. Como autores do plano chegaram à conclusão de que o problema estava no déficit público, assim iniciou-se um controle na emissão de moeda pelo Banco Central.Com isso Itamar conseguiu eleger seu sucessor: o senador e ministro Fernando Henrique Cardoso.

Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998/1999-2002)

Fernando Henrique Cardoso era a maior liderança do Partido da Social Democracia Brasileira. Fora professor titular de Sociologia da Universidade de São Paulo. Durante a ditadura militar teve que deixar o país, passando a lecionar em universidades da França, do Chile e de outros países, tornando-se internacionalmente conhecido pela sua contribuição à sociologia.

No final da década de 1970, Cardoso entrou para o Movimento Democrático Brasileiro, partido de oposição ao regime militar. Na década de 1980, com o pluripartidarismo, ingressou no Partido do Movimento Democrático Brasileiro, deixando o quadro de filiados apenas em 1988, quando fundou o Partido da Social Democracia Brasileira.

Como Ministro da Fazenda do Governo Itamar Franco, foi responsável pela implantação do Plano Real diminuindo a inflação em escalas geométricas para apenas 3% em 1994.Já em 1995, durante seu governo, Fernando Henrique restabeleceu a política de privatizações iniciadas no Governo Collor fazendo diversas privatizações, visando diminuir o déficit público. Foi ainda no seu governo que o Produto Interno Bruto passou a aumentar, por exemplo, em 1995 cresceu 4,2%.

Em 1996, começou-se a ampliar a política externa, inclusive no que tange ao Mercosul. No âmbito interno, houve diversas crises bancárias e para reter os efeitos destas implantou-se o Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema Financeiro Nacional). A internacionalização de nossa economia, apesar de ter começado na Era Collor, atingiu seu auge no governo Fernando Henrique Cardoso. Abriu-se as portas do mercado brasileiro ao capital estrangeiro, algo inevitável no mundo globalizado.

Em 2002, último ano do governo Fernando Henrique, a disputa presidencial estava polarizada entre o Partido dos Trabalhadores, de ideologia socialista tendo como candidato Luis Inácio Lula da Silva e o Partido da Social Democracia Brasileira, defensor do neoliberalismo, tendo como candidato José Serra.

O Partido dos Trabalhadores – PT e Lula tinham a confiança maciça da população brasileira e representavam a defesa dos interesses das classes menos abastardas, uma vez que foram opositores radicais do neoliberalismo do governo de Fernando Henrique.Eram defensores da decência, do povo pobre e trabalhador, de acordo seus discursos, panfletos e canções. Entretanto, logo depois a nação brasileira ficaria estarrecida com os escândalos de corrupção envolvendo o Partido dos Trabalhadores e o Congresso Nacional.

Governo Luis Inácio Lula da Silva (2003-2006/2007-2009)

O Partido dos Trabalhadores abandonou o socialismo pelo populismo. Seu governo foi marcado por graves denúncias de corrupção que, sob uma visão jurídica, invalidaria seu primeiro mandato, uma vez que o financiamento de sua campanha estaria comprometido por levantamentos de fundos irregulares.

O ano de 2005 ficou marcado por vários escândalos de corrupção vinculados ao Congresso Nacional e ao Partido dos Trabalhadores: o mensalão e o valerioduto. Segundo as denúncias, o mensalão foi o escândalo de compra de votos no Congresso Nacional brasileiro, enquanto o valerioduto, liderado pelo empresário Marcos Valério Fernandes de Sousa, era o levantamento de fundos através de fraude ao sistema financeiro nacional para o patrocínio da campanha presidencial de Lula no ano de 2002.Os casos ganharam repercussão internacional tendo em vista a gravidade das denúncias e culminaram com a perda de mandato de apenas dois deputados federais de forte expressão nacional: Roberto Jefferson (até então presidente do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB) e José Dirceu (na época do fato, Ministro chefe da Casa Civil).O Partido dos Trabalhadores demonstrou claramente que não estava cumprindo o que prometera ao povo brasileiro, muito pelo contrário passaram a ser motivo de vergonha nacional.

Além disso, o governo Lula foi marcado por mais sucessivas denúncias de irregularidades, como o uso abusivo e descontrolado dos cartões corporativos do governo federal e fraudes em licitações de um dos seus principais projetos, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). No entanto, não é objeto desta pesquisa fazer um levantamento mais aprofundado acerca dessas denúncias, importando apenas seus impactos nas instituições democráticas brasileiras.

Outro ponto crucial do governo petista de Luis Inácio Lula da Silva fora a exacerbada política de assistencialismo que se estendeu para as classes populares de forma a aliciar as pessoas quase que inconscientemente para serem "agregadoras" do governo. Seriam elas, pois massa de manipulação nas mãos do governo petista que os usou para se perpetuar no poder por mais um mandato presidencial.

Num regime democrático devidamente estabelecido é inadmissível que determinada parte da população brasileira se encontre em condições de miserabilidade; por outro lado, isso não justifica que se distribua renda de forma acumulativa, como os diversos pacotes e bolsas-auxílio que o governo petista oferta aos menos favorecidos. Trata-se da necessidade de uma distribuição de riqueza que tenha como força motora o trabalho humano, que é a forma natural de produção de renda.Por outro lado, os defensores desse sistema de distribuição de renda defendem a ideia de que se trata de uma alternativa para acabar com o trabalho escravo onde o trabalhador é privado de sua liberdade, e com o trabalho infantil, ainda praticado no Brasil. Sob esse ponto de vista, tratar-se-ia de uma ação humanitária visando dar as mínimas condições de vida a população deste país.

Medidas emergenciais que visam evitar o sofrimento humano são cabíveis e inerentes ao nosso regime, mas se a perpetuação das mesmas cria um vínculo clientelista entre governantes e governados, devem ser repudiadas. Fere gravemente a lisura das consecutivas eleições, uma vez que haverá um vínculo econômico entre aqueles que estão no poder e ali querem permanecer por diversos mandatos contra aqueles que fazem uma oposição séria e fiscalizadora. Trata-se, pois, de uma disputa desigual e não é isso que a democracia defende. Na verdade isso não é democracia, é oligarquia e clientelismo. Volta-se ao governo dos coronéis e quem sabe ao dos generais.

O interessante é que a política externa brasileira do atual presidente Luis Inácio Lula da Silva mascara a realidade, vende uma imagem do "Brasil tropical", do turismo vantajoso e do "país das maravilhas". Mera hipocrisia. Querem trazer investimentos externos, mas não medem esforços e nem avaliam as consequências desses atos para o povo brasileiro.Assim, desconsideram os problemas internos e abrem o país para o capital externo, solucionando problemas através de meios paliativos, sem o devido comprometimento com o futuro.

A democracia, por definição, faz um apelo ao autogoverno, isto é, a tomada de rédeas por parte do povo das decisões políticas de relevo. Entretanto, tal definição só se projeta com inteireza se não houver falsos intermediários, pretensos políticos, através dos quais o povo se ache representado. Nesse contexto, adentramos numa séria reflexão: será que o fato de hoje elegermos nossos representantes num processo razoavelmente decente significa que o povo encontra-se de fato na dianteira da tomada das decisões? E,sendo assim, por que não temos obtido bons resultados com essa prática?

No Brasil temos uma democracia de bases insólitas, haja vista que esta remonta de 1988, e ainda caminha com dificuldade, pois embora tenhamos avançado exponencialmente com a constituinte deste ano, não adequamos nossa cultura, nem tampouco nossa educação para encetar o povo num verdadeiro processo de democratização.

Segundo Darcy Ribeiro, citado por Cármen Lúcia Antunes Rocha(1999, p. 436):

O Brasil tem sido, ao longo dos séculos, um terrível moinho de gastar gentes, ainda que, também, um prodigioso criatório. Nele se gastaram milhões de índios, milhões de africanos e milhões de europeus. Nascemos de seu desfazimento, refazimento e multiplicação pela mestiçagem. Foi desindianizando o índio, desafricanizando o negro, deseuropeizando o europeu e fundindo suas heranças culturais que nos fizemos. Somos, em conseqüência, um povo síntese [...]

Parece que não atentamos para a condição de herdeiros de um processo colonialista longo e explorador, que nos relegou a uma desigualdade social presumida, deixando consequências para todas as nossas gerações. Mas embora esse problema não tenha sido complentamente ultrapassado, não entraremos nessa questão de forma tão invasiva. Não bastasse isso, temos ainda os "predadores da coisa pública", os pretensos políticos, que vivem por se locupletar da ignorância das massas brasileiras e fatalmente manobram a democracia em favor de seus próprios interesses, por isso as dimensões de nossa democracia são ainda tão limitadas.Vejamos o que assevera Fernando Antônio Campos Viana (2007, p.102):

Ainda se esperava à época da promulgação da Constituição Federal de 1988 a consolidação de um regime democrático, luta que permanece até os dias atuais. O processo de redemocratização brasileiro perdura. Nossas instituições democráticas ainda caminham rumo à consolidação. Quase vinte anos após sua promulgação muitos dos dispositivos constitucionais permanecem sem regulamentação. Assim mesmo, podemos comemorar a eleição para Presidente da República de um sociólogo cassado pelo regime e, posteriormente, de um líder sindical.

Assim, podemos inferir em que pesem as denúncias de corrupção nos diversos campos do poder e, dos níveis sociais ainda se manterem em nível longe do desejado, algo de importante se desenvolve dentro da sociedade brasileira, o desejo de se estabelecer de fato um Estado Democrático de Direito em nosso país.

É fato que o Brasil é, por força de expresso mandamento constitucional, um Estado Democrático de Direito. Isso demonstra, por um lado, uma crescente vontade de aperfeiçoar as relações de governabilidade, do ponto de vista interno. Todavia cria um problema quanto aos meios para o exercício da democracia por parte do povo, pois que, não há como concebermos este exercício nos moldes atenienses num estado de 180 milhões de habitantes. Isso seria, no mínimo tecnicamente inviável.

Compartilhamos da mesma opinião de Boaventura de Sousa Santos (2006, on line) que constata: "[...] começam a proliferar os sinais de que os regimes democráticos instaurados nos últimos trinta ou vinte anos traíram as expectativas dos grupos sociais excluídos, dos trabalhadores cada vez mais ameaçados nos seus direitos e das classes médias empobrecidas."

Apesar dos festejos e comemorações dos 20 anos da Constituição brasileira, e passados os governos civis de Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique e Lula pode-se até acolher que os direitos políticos sejam efetivos, entretanto, nossa frágil democracia ainda deixa muito a desejar, uma vez que os direitos civis são frequentemente violados, ferindo o elemento liberal da democracia.De fato a maioria dos cidadãos são meros espectadores do processo político de nosso país e são conduzidos apenas pelo voto obrigatório. Muitos já perderam a esperança na classe política, uma vez que nosso país vive uma insegurança social, econômica e política, tendo em vista os incontáveis e incomensuráveis escândalos de corrupção. No Brasil há os sem-terra, os sem-teto, os sem-salário e os sem-emprego, são os excluídos das benesses das elites e da classe política.

Referências

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1997.

BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

______. Ciência política. 10. ed. São Paulo: Malheiros , 2001.

______. Teoria constitucional da democracia participativa: por um direito constitucional de luta e resistência por uma nova hermenêutica por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2001.

BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 6. ed. Brasília: OAB, 2004.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado 1988.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Os Direitos da Cidadania no Brasil, no Mercosul e na Comunidade de Língua Portuguesa. In: Boletim da Faculdade de Direito-Coimbra.Portugal-Brasil ano 2000. Coimbra: Coimbra Editora, 1999.

SPECK, Bruno Wilhelm.Fraude e corrupção como desafios para as democracias contemporâneas. Cadernos Fundação Konrad Adenauer, São Paulo, n. 17, p. 39-58, 1998.

VIANA, Fernando Antônio Campos.Democracia e Constituição: O Processo de Abertura Democrática e a Constituição Brasileira. Fortaleza, UNIFOR, 2007, p. 102. Dissertação (Mestrado em Direito). Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional. Universidade de Fortaleza, 2007.