“AS METAMORFOSES DA QUESTÃO SOCIAL” de Robert Castel

 

por Luciane Miranda de Paula

 

 

No livro “As metamorfoses da questão social”, o autor faz uma análise histórica dos processos mais importantes de construção da sociedade assalariada desde a idade média, e coloca a condição proletária, condição operária e condição salarial, como as três modalidades das relações que o mundo do trabalho mantém com a sociedade global.

 

Para construir uma relação com o que o autor tratará no capítulo “A questão Social”, alguns pontos me pareceram mais se destacar:

 

No final do século XIX e início do XX, há um sentimento de moralização do povo, onde era exigido dele simplesmente o bom comportamento, como operário e socialmente, para não serem mais excluídos da sociedade industrial.

 

Foi  o advento da industrialização que deu origem à condição de “assalariado” e a grande empresa  torna-se o lugar, por excelência, da relação salarial moderna.

 

Desenvolve-se aí um novo perfil de operário, que antecipa  a relação salarial moderna sem ainda manifestá-la em sua coerência.  Trata-se da escola da regulação para definir a relação “fordista”.  Chama-se “fordismo” a articulação, que Henry Ford foi sem dúvida o primeiro a por em prática conscientemente, da produção de massa e do consumo de massa. 

 

Surge uma nova relação entre o aumento do salário, o aumento da produção e o aumento do consumo.  Começa uma política de salários ligada aos progressos da produtividade através da qual o operário tem acesso a um novo registro social: o consumo e não mais exclusivamente o da produção, deixando assim, a zona de vulnerabilidade que o condenava quase que a viver “cada dia com o que nele ganhou”.

 

Em junho de 1936 é conquistada a semana de 40 horas, que simbolicamente é mais libertadora que o acesso ao consumo permitido pelo aumento dos salários. A remuneração de um tempo livre equivale a um reconhecimento oficial da humanidade do trabalhador e da dignidade humana do trabalho.

 

A instauração da Seguridade Social em 1945 constitui uma garantia aos trabalhadores e suas famílias contra os riscos de toda natureza, suscetíveis de reduzir ou de suprimir suas capacidades de ganhos, bem como a cobrir os encargos de maternidade de família que suportam.

 

Em 1975, data em que pode ser tomada para marcar a apoteose da sociedade salarial, também é caracterizada pelo início de uma queda da população operária e o aumento do desemprego.  Começa a se desenvolver salariado burguês.   A sociedade salarial não se reduz a um nexo de posições assalariadas.  Ela é também um modo de gestão política que associou a sociedade privada e a propriedade social, o desenvolvimento econômico e a conquista dos direitos sociais, o mercado e o Estado.

 

No capítulo “A nova questão social”, o autor fará um trabalho analítico e não de proposição.  Ele começa pelas tentativas de avaliar a amplitude das mudanças ocorridas em 20 anos, e efetivamente as medidas que serão tomadas para alcançá-las.

 

Em uma perspectiva histórica, vamos ver porque esta longa travessia evidenciou alguns ensinamentos como: 1. O todo econômico nunca fundou uma ordem social; 2. Numa sociedade complexa a solidariedade não é mais um dado, mas um construído; 3. A propriedade social é, simultaneamente, compatível como patrimônio privado, e necessária para inseri-lo em estratégias coletivas; 4. O salário, para escapar de sua indignidade secular, não pode se reduzir a simples remuneração de uma tarefa; 5. A necessidade de preparar cada indivíduo para um lugar numa sociedade democrática, não pode ser realizada por meio da completa transformação da sociedade em mercadoria, cavando qualquer “jazida de emprego” .

 

Essa representação da história é indissociável da valorização do papel do Estado.  É preciso um ator central para conduzir tais estratégias, obrigar os parceiros a aceitarem objetivos sensatos e zelar pelo respeito dos compromissos.  O Estado social é este ator.

 

Além do caráter inacabado e ainda frágil do que se convencionou chamar “as conquistas sociais”, a ampliação da proteção também teve efeitos perversos.  Os eventos como o de maio de 1968, por exemplo, foi muito marcante onde a juventude se recusa em trocar as aspirações a um desenvolvimento pessoal pela segurança e conforto.  A palavras de ordem é mudar a vida.

 

A crise do papel do Estado Social é discutida pelo autor, que o define como cerne de uma sociedade de indivíduos, mas a relação que ele mantém com o individualismo é dupla.  O Estado se torna o principal suporte do indivíduo e sua principal proteção, e essa relação é o que une um indivíduo a um coletivo abstrato.  E ele deve manter suas proteções por meio e uma ação contínua.

 

A problemática do emprego será um abalo que afetará a sociedade no início dos anos 70.

O papel da empresa nos anos de crescimento será o de uma matriz organizacional, estruturando grupos humanos relativamente estáveis e colocando-os numa ordem hierárquica de posições interdependentes.

 

O início da internacionalização do mercado de trabalho acentua a degradação do mercado nacional.  O que ocorre é que as empresas contratam trabalhadores em países que a mão de obra é mais barata.  É a chamada terceirização das atividades, e este fenômeno tem uma incidência direta sobre a produtividade do trabalho.

 

Assim como o pauperismo do século XIX estava inserido no coração da dinâmica da primeira industrialização, também a precarização do trabalho é um processo central, comandado pelas novas exigências tecnológico-econômicas da evolução do capitalismo moderno. 

 

Realmente há aí uma razão para levantar uma “nova questão social” que para espanto dos contemporâneos, tem a mesma amplitude e a mesma centralidade da questão suscitada pelo pauperismo na primeira metade do século XIX.

 

Portanto, a precarização do emprego e o desemprego são, sem dúvida, a manifestação de uma falta de lugares ocupáveis na estrutura social, além de também desqualificar o indivíduo no plano civil e político.

 

Num período caracterizado pelo fortalecimento do liberalismo e pela celebração da empresa, as intervenções do Estado, particularmente no domínio do emprego, são numerosas.  Esta mudança marca a passagem de políticas desenvolvidas em nome da integração para políticas conduzidas em nome da inserção.

 

As políticas de inserção podem ser compreendidas como os empreendimentos de re-equilíbrio para recuperar a distância em relação a uma completa integração, que é a inserção profissional com um quadro de vida descente, uma escolaridade normal e um emprego estável.

 

É no início dos anos 80 que, de fato, aparecem algumas políticas de inserção como o DSQ – “Développement Social des Quartiers”, a “Política da Cidade”, a “Renda Mínima de Inserção”.  Há o nascimento de uma nova cidadania com estas políticas, pois mesmo que elas não resolvam por completo o problema do desemprego, seu exercício e esforço  de evitar a exclusão da população incitam a isso. 

 

Esta ajuda social resultou na tomada de consciência da existência desse novo perfil de pessoas carentes.  É preciso ajudá-los a encontrar um lugar normal na sociedade.

 

O autor destaca a importância, neste longo percurso de estudos, de conexões fortes entre a situação econômica, o nível de proteção das populações e os modos de ação do Estado social.  Para ele a inter-relação entre estes fatores deverá ser fundamental para agir em desafios que ele considera como: 1. a degradação salarial observável desde os anos 70; 2. a manutenção  da situação atual mais ou menos como está, multiplicando os esforços para estabilizá-la; 3, encontrar alternativas para a degradação da condição assalariada ; 4.  preparar uma redistribuição dos raros recursos que provêm do trabalho socialmente útil.

 

O contexto acima descrito de precarização do emprego, desemprego, e desqualificação do indivíduo para sua integração no plano civil e político, muito se parece com a realidade atual no Brasil e alguns países da América Latina, onde observamos uma ascensão da informalidade do trabalho, e uma necessidade de políticas de inserção consistentes e sustentáveis.

 

Porém, considerando o alto grau de exclusão, principalmente dos jovens no Brasil, do mercado de trabalho, por desqualificação não apenas técnica, mas social, cultural, penso que as políticas de inserção devem ser aqui mais abrangentes e profundas.  Principalmente com foco na função integradora dos jovens.