INTRODUÇÃO

A rápida urbanização, juntamente com o descontrole na distribuição de renda, fez emergir no Brasil grandes desigualdades econômicas e sociais entre a população. A importância do assunto a ser apresentado, é analisar as colisões existentes entre direitos de gerações diferentes: o Direito à moradia, que está enquadrado na 2° geração, referentes à garantia de direitos políticos e sociais, mais conhecidos como os direitos coletivos; e o Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, presente na 3° geração, que se referem aos direitos difusos, ou seja, difundidos pela sociedade, e, portanto, chamados de direitos de solidariedade.

Pode-se perceber claramente que há uma enorme deficiência da atuação pública frente à garantia desses direitos, o que leva a população à procura de outros meios para garantir a eficácia dos mesmos, e uma destas soluções, seria a ocupação irregular de áreas,

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¹Paper apresentado à disciplina Direito Ambiental, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

²Aluna do 4° Período do Curso de Direito, da UNDB.

³Aluna do 4° Período do Curso de Direito, da UNDB.

comprometendo assim, o direito constitucional, previsto no art. 225, ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.

Uma dessas áreas afetadas diz respeito aos mananciais, que constantemente são invadidos de forma irregular causando graves impactos ao meio ambiente e a população. Dessa forma, busca-se no presente trabalho abordar os aspectos fundamentais intrínsecos na importância da preservação dos mananciais, analisando ainda, o histórico da ocupação nessas áreas juntamente com a Lei Estadual n° 9.866/97 de São Paulo, que trata do escopo de recuperar a essência ambiental dos Mananciais.

Por outro lado, urge analisar os pressupostos que validam o direito à moradia como direito fundamental, tendo em vista a não transgressão do mesmo. Assim, espécies normativas devem ser elaboradas a fim de regulamentar e equilibrar o direito à moradia e a preservação ambiental, possibilitando dessa forma, o desenvolvimento sustentável, que se torna cada vez mais urgente diante da sociedade capitalista e transformadora que nos cerca. Uma dessas espécies normativas é o Estatuto da Cidade, que expõe normas que visam regular o uso da propriedade urbana, contribuindo assim, para o balanceamento do uso do direito à moradia e a proteção ambiental.

Por fim, será discorrido sobre a expulsão da população nas áreas dos Mananciais, complementando a afetação do direito à moradia nessas áreas ambientalmente protegidas. Observar-se-á as contraposições entre o direito à moradia e o direito a preservação ambiental, e a devida importância de cada um, almejando um meio de equilíbrio de aplicação dos mesmos.

O objetivo do presente trabalho então consiste em evidenciar a importância dos mananciais não apenas para o meio ambiente enquanto lócus da habitação do homem, mas para a própria espécie humana. Parte-se da premissa que os direitos à moradia e ao meio ambiente podem ser equilibrados para que se garanta a sustentabilidade dos recursos hídricos no nosso País e no mundo, a partir da conscientização da importância de conservar áreas ambientalmente protegidas.

Dessa forma, o estudo detalhado da relação entre mananciais, meio ambiente e proteção de direitos de dimensões distintas faz-se necessário ao longo deste trabalho.   

 

1. A ESSENCIALIDADE DOS MANANCIAIS PARA O ECOSSISTEMA

Na conceituação do sociólogo Ricardo Araújo, da Companhia de Estado de Saúde de São Paulo - SABESP(4), os mananciais podem ser caracterizados como reservas hídricas, superficiais ou subterrâneas, utilizadas para o abastecimento público de água. Assim sendo, os mananciais garantem o direito da população ao acesso às águas, sendo as preocupações,acerca deste bem ambiental, ampliadas uma vez que o aumento populacional mostra-se constante, acarretando, por assim dizer, uma maior exploração deste recurso hídrico.

Segundo recente pesquisa do Ministério do Meio Ambiente (5), as maiores causas de degradação das áreas de mananciais são: práticas inadequadas de uso do solo e da água, falta de saneamento e infra-estrutura, superexploração dos recursos hídricos, atividade industriais que se desenvolvem descumprindo a legislação e as ocupações desordenadas do solo. Esta degradação dos mananciais obsta a vida sadia da população que necessita da águas mais do que qualquer outro recurso natural, além de provocar um impacto ambiental imensurável à medida que a água caracteriza-se como um bem indispensável, de valor inestimável para todos os tipos de vida.

A proteção aos mananciais possui previsão legal expressa no art. 4º da lei 12.651∕12:

“Art. 4o  Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:                                                                                                I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:  (...)                                                                                                                                           II - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de (...)                                                                                                                                             III - as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento;                                                                                                   IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;        (...)”.

Porém, o que se observa na atual sociedade capitalista e em constante expansão é a invasão das áreas de mananciais, consideradas estas, como áreas de preservação permanente, para moradia daqueles que sofrem com as desigualdades sociais implantadas principalmente nos grandes centros urbanos. Formam-se desta forma, favelas em locais inapropriados, tornando a vegetação escassa e comprometendo de forma significativa os mananciais que são poluídos por falta de saneamento adequado, uma vez que quantidades enormes de dejetos

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(4) ARAÚJO, Ricardo. Mananciais. Disponível em:http://site.sabesp.com.br/site/interna/Default.aspx?secaoId=31                                                                        (5) MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Mananciais. Disponível em: http://www.mma.gov.br/cidades-sustentaveis/aguas-urbanas/mananciais)

domésticos são lançadas nestes recursos hídricos próximos a ocupação irregular.

Assim sendo, obtém-se um cenário de degradação social e ambiental, onde todos os personagens sofrem com os impactos nos recursos hídricos, em decorrência da má distribuição da renda brasileira que obriga os marginalizados a viverem em condições subumanas. Como consequência, temos a degradação da dignidade humana e a afetação direta ao meio ambiente, valendo a ressalta de que muita das vezes, esta população que habita áreas consideradas de preservação permanente as fazem sem a consciência de que aquela área não pode ser habitada, no desespero de almejar o seu direito fundamental à moradia.

Quanto à responsabilidade pelas ocupações irregulares nas áreas de mananciais, Guilherme Figueiredo (2003, p.568) imputa esta ao sujeito do loteador, ao Município e ao ocupante, respondendo cada um na medida da sua culpabilidade:

“Aos beneficiários imediatos pela prática do ato ilícito, isto é, os loteadores. Mas não somente a eles, tornando-se responsável também o Município, nos termos do art. 30, inciso VIII, da Constituição Federal, já que a ele compete promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano – especialmente nos casos de anistia. Finalmente, nos rígidos termos da lei e sem desconsiderar as condições sócio culturais das camadas menos favorecidas da sociedade, é preciso admitir a responsabilidade do ocupante da área, vez que a ninguém é dado ignorar os termos da lei” (FIGUEIREDO, Guilherme. Ocupação Humana em áreas de Mananciais e Saneamento Ambiental. São Paulo: Imprensa Oficial, 2003).

                Diante do exposto, é inegável a essencialidade das águas para a conservação da vida em todo planeta, e sendo os mananciais a fonte direta deste recurso hídrico sua preservação torna-se mais que importante, torna-se fundamental.

 2.HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO EM MANANCIAIS E A LEI ESTADUAL N° 9.866/97 DE SÃO PAULO.

São Paulo, uma das maiores cidades do mundo, a maior cidade brasileira,e uma das metrópoles mais afetadas com as ocupações irregulares em mananciais, o que proporciona impactos direitos na qualidade da água e torna-se uma das principais causas da poluição dos recursos hídricos desta cidade. Preocupados com esta situação, em 1970 foram criadas as primeiras leis estaduais em São Paulo de proteção aos mananciais, regulamentando a ocupação com restrição a grandes grupos populacionais e proibindo o funcionamento de alguns tipos de indústria.Estas leis regulamentavam o uso das áreas consideradas relevantes para a região metropolitana de São Paulo e ficou conhecida como Legislação de Proteção aos Mananciais (LPM) que contava com três principais espécies normativas regulamentadoras: Lei Estadual 898∕75 que delimitava as áreas protegidas; a Lei Estadual 1.172∕76 que definia os parâmetros de ocupação e o Decreto Estadual 9.714∕77 que discutia competências, sanções e procedimentos para projetos dentro destas áreas de mananciais.(Paula Freire Santoro, Luciana Nicolau Ferrara, MarussiaWhately, 2009, p. 41).

Porém, a lei de proteção aos mananciais não atingia seu objetivo ao não conseguir equilibrar as constantes ocupações nestas áreas ambientalmente protegida, que segundo a doutrina nem poderia fazê-lo, pois a referenciada lei “apresentava um descompasso com a forma e velocidade da expansão urbana, tratando-se de uma concepção de legislação que é inócua pela perda de relação com a realidade, seja territorial, administrativa ou jurídica”. (MARTINS, 2003).

            Assim, em 1997 houve a necessidade de criar novas leis que regulamentassem este tipo de área, devido ao novo cenário produzido pela Constituição Federal de 1988 que trazia planos nacionais e estaduais de recursos hídricos, produzindo-se então a Lei Estadual 9.866∕97, que detinha como objetivo recuperar a qualidade ambiental dos mananciais para o abastecimento público, com o dever de conter a expansão urbana.

Art. 2º - São objetivos da presente Lei:

I - preservar e recuperar os mananciais de interesse regional no Estado de São Paulo;

II - compatibilizar as ações de preservação dos mananciais de abastecimento de proteção ao meio

ambiente com o uso e ocupação do solo e o desenvolvimento socioeconômico;

III - promover uma gestão participativa, integrando setores e instâncias governamentais, bem como a

sociedade civil;

IV - descentralizar o planejamento e a gestão das bacias hidrográficas desses mananciais, com vistas a sua

proteção e a sua recuperação;

V - integrar os programas e políticas habitacionais a preservação do meio ambiente.

Parágrafo único. As águas dos mananciais protegidos por esta Lei são prioritárias para o abastecimento

público em detrimento de qualquer outro interesse.

(São Paulo, 1997).

Nesse contexto, houve uma descentralização de tomadas de decisões administrativas dos mananciais com o objetivo de tornar a participação da população efetiva, sendo os comitês formados por representantes do Estado, Município e população (NOBRE, Tatiana Morita. 2004, p.17). Para que fosse atingido este objetivo foram criadas então as Áreas de Proteção e Recuperação dos Mananciais (APRM) formadas por uma ou mais sub-bacias hidrográficas dos mananciais de interesse regional para abastecimento público, segundo o artigo 3°. E cada APRM possuiria uma gestão, que seria vinculada ao Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos, juntamente com os Sistemas de Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional (art. 5°). Tal gestão contaria com um órgão colegiado – caráter deliberativo e consultivo -, órgão técnico e os órgãos da administração pública (art. 6°).

“O processo de revisão da legislação de mananciais reconhece a existência e necessidade de adequação da ocupação urbana irregular nesses territórios. Como a lei revista (Lei Estadual no 9.866/97) atribuía a missão das leis específicas de cada bacia definirem as áreas de intervenção, postergava para a lei específica a atribuição de estabelecer as áreas de intervenção (onde seria recuperado ambientalmente, onde se poderia ocupar mais densamente, onde haveria restrição total à ocupação).”(Paula Freire Santoro, Luciana, Nicolau Ferrara, Marussia Whately ,2009 ,p.54).

Assim, nestas APRMs foram criadas Áreas de Intervenção, para que fossem aplicadas dispositivos de proteção, recuperação e preservação dos mananciais e para a implementação de políticas públicas.

2.1. A PROTEÇÃO AMBIENTAL E O DIREITO À MORADIA À LUZ DO ESTATUTO DA CIDADE.

O Estatuto da Cidade foi instituído através da Lei n. 10.257, que foi sancionada em 10 de julho, entrando em vigor no dia 10 de outubro do ano de 2001. Nessa Lei estão estabelecidas normas que visam regular o uso da propriedade urbana, segundo normas de interesse social e também de ordem pública. Como trata em seu Artigo 1°:

Art. 1o Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.

Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Trata de assegurar a gestão urbana, pois a mesma introduz meios de planejamento para que se tenha uma política urbana eficaz e que reforce a sustentabilidade, que é um dos princípios mais importantes do Direito Ambiental. Esses meios de planejamento possibilitam que o Estado, através de métodos efetivos, possa tornar o meio ambiente, incluindo o urbano, um local onde todos os indivíduos possam gozar dos seus direitos, e agir de modo sustentável diante do meio ao qual pertencem. (PIOLI; ROSSIN, 2006, p.41).

Segundo o Artigo 182 da Constituição Federal,

A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

§ 1°: O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

O artigo trata da política de desenvolvimento urbano, que tem por objetivo fazer com que se tenha o desenvolvimento efetivo das funções sociais, sendo possível assim, a garantia do bem-estar social de todos os habitantes do local. Toda essa política de desenvolvimento é realizada pelo Poder Público Municipal. Para que os objetivos citados no artigo 182 sejam atingidos é necessário que seja criado um Plano Diretor, presente no Artigo 40 e 41 do Estatuto da Cidade.

A política urbana tem como um dos seus objetivos a garantia do direito a cidades sustentáveis, como expõe Celso Antonio Pacheco Fiorillo:

“A garantia do direito a cidades sustentáveis, a saber, o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, significa, em consequência, importante diretriz destinada a orientar a política de desenvolvimento urbano em proveito da dignidade da pessoa humana e seus destinatários – os brasileiros e os estrangeiros residentes no País -, a ser executada pelo Poder Público municipal, dentro da denominada tutela dos direitos materiais metaindividuais.” (2007, p.289)

O Plano Diretor, segundo o artigo 40, “deve ser aprovado por lei municipal, sendo o instrumento da política de desenvolvimento e expansão urbana”, pois nele deverá conter todos os requisitos presentes no artigo 42 e 42-A, como: “a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios”; sistema de acompanhamento e controle; “parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, de modo a promover a diversidade de usos e a contribuir para a geração de emprego e renda”, entre outros.

Todo Município que conter mais de vinte mil habitantes, devem obrigatoriamente, segundo o artigo 41, elaborar o seu Plano Diretor. E diante do artigo 39 do mesmo Estatuto:

“a função social da cidade somente será alcançada quando atendida as exigências fundamentais de ordenação da cidade presentes no plano diretos, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas”.

Essa função social é cumprida, diante da visão do doutrinador Celso Antônio Pacheco Fiorillo, quando:

“proporciona a seus habitantes o direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade e à liberdade (CF, art. 5º, caput), bem como quando garante a todos um piso vital mínimo, compreendido pelos direitos sociais à educação, à saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à maternidade, à infância, à assistência aos desamparados, entre outros encartados no art. 6º. (...) a função social da cidade é cumprida quando proporciona a seus habitantes uma vida com qualidade, satisfazendo os direitos fundamentais, em consonância com o que o artigo 225 preceitua”. (FIORILLO, 2007, p.276).

Segundo Mariana Fittipaldi,

“Apesar de ser obrigatório apenas para as cidades que contarem com mais de vinte mil habitantes, nada impede que municípios menores elaborem os seus planos diretores, tendo em vista a operacionalidade de tal instrumento, que dá espaço ao poder público para dispor acerca do lazer, da cultura, do esporte, do meio ambiente, da habitação, entre outros elementos.” (2006, p.62)

Diante destes comentários acerca do Estatuto da Cidade e da função social, é visto que se têm em debate dois direitos fundamentais: o Direito à moradia e o Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A função social é cumprida, como referenciada acima, quando os cidadãos podem usufruir e ter os seus direitos garantidos, como o direito à propriedade. Assim, temos uma colisão de direitos, de um lado o direito à moradia, do outro, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o que gera a ocupação irregular de indivíduos que não conseguem efetivar o seu direito à habitação, afetando o outro direito, ao meio ambiente, como ocorre nos casos dos mananciais na Grande São Paulo, objeto do próximo item deste presente paper.

3. EXPULSÃO DA POPULAÇÃO NAS ÁREAS DE MANANCIAIS.

 

A habitação irregular em áreas de mananciais geralmente envolve construções dos próprios moradores em áreas de favelas, estas decorrentes da grande demanda populacional daqueles que migram para as grandes metrópoles em busca de emprego e consequentemente melhoras na qualidade de vida.

Porém, em 1960, a primeira tentativa de evitar estas construções irregulares na área metropolitana, deu-se no sentido de eliminar as favelas tidas nesta época como lócus de crime e doenças, removendo as famílias que eram por volta de 100 mil a outras áreas. (Paula Freire Santoro, Luciana Nicolau Ferrara, Marussia Whately, 2009, p. 97). Esta medida, ainda que possível na época devido ao número pequeno de habitantes em favelas, não agradava por vezes os moradores, que sofriam com a dificuldade de locomoção e aumento dos gastos habitacionais devido ao local distante a que eram realocados.

Em 1970, porém, com o excessivo aumento das ocupações em favelas, o deslocamento dos moradores tornava-se viável apenas em casos de urgência ou de risco, deslocando o favelado não a um local isolado, mas a vilas de habitação provisória (VHP) que fornecia um serviço social que qualificava o favelado com o objetivo deste conseguir ascender socialmente e desocupar as favelas. (BALTRUSIS, N. e PASTERNAK, 2003.)

Mesmo com essas e outras medidas que surgiram ao longo dos anos, de maior ou menos duração, não foram suficientes para controlar o surgimento de favelas, visto que estas se davam à medida que a pobreza manifestava-se em nosso País e principalmente na região metropolitana de São Paulo. Nos anos 80, sob os efeitos da Lei de Proteção aos Mananciais de 1976, as ocupações irregulares permaneceram sem ocupações, sendo alvo de intervenção apenas nos anos 90 com o programa Guarapiranga pela forte poluição a qual estava sofrendo o manancial.(Paula Freire Santoro, Luciana Nicolau Ferrara, Marussia Whately, 2009, p. 48).

O programa Guarapiranga, iniciado em 1996 tinha como objetivo recuperar sócio e ambientalmente as favelas e loteamentos localizados na região da represa Guarapiranga. Em 2005, o programa foi ampliado, sendo denominado de Programa Mananciais, atuando também na represa de Billings. Assim sendo, os objetivos deste novo programa segundo a Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo foram:

“Recuperar e conservar a qualidade das águas dos reservatórios Guarapiranga e Billings; melhorar as condições de vida dos moradores; garantir a inclusão social da população e a sustentabilidade das intervenções urbanísticas realizadas pelo Programa, que transforma áreas degradadas em bairros.” (Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3377).

Atualmente, o que se observa é que nas demandas jurisdicionais brasileiras, o meio ambiente, mais precisamente estas áreas de mananciais, estão sendo cada vez mais protegidas embasadas na própria legislação brasileira, com o objetivo preservar os recursos hídricos do País, como o seguinte acórdão:

Ação demolitória e de reparação de danos ao meio ambiente - Julgamento de procedência - Construção em área de mananciais, contra as regras das leis em causa - Recursos das partes não acolhidos .

(5291685100 SP , Relator: J. G. Jacobina Rabello, Data de Julgamento: 25/09/2008, Câmara Especial de Meio-Ambiente, Data de Publicação: 03/10/2008, undefined)

Assim, no escopo de preservar o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado o direito à moradia por vezes é afetado, atingindo consequentemente o principio da dignidade da pessoa humana.

4. AFETAÇÃO DO DIREITO À MORADIA NAS ÁREAS AMBIENTALMENTE PROTEGIDAS

 

O artigo 5° da Carta Magna traz os direitos fundamentais de todo indivíduo, mas, sabe-se que esse rol não é exaustivo. Diante disso, a Emenda Constitucional de 2000, n°26, inclui no artigo 6° da CF, alguns direitos sociais e humanos, e entre eles, está o direito à moradia, deixando claro que o direito a moradia é um Direito Fundamental, e por isso, deve ser guardado e efetivado.

Vários problemas atingem tal direito, pois o nível de habitação no Brasil, como é visto todos os dias, é déficit, e milhares de pessoas não possuem local para viver ou vivem em condições precárias. Logo, para que o esse direito seja protegido nacionalmente e internacionalmente, os Tratados Internacionais de Direitos Humanos estão debatendo sobre o assunto. (FITTIPALDI, 2006, p.41- 42)

Completando, Mariana Fittipaldi expõe que:

“É certo, assim, que os tratados de direitos humanos vinculam os Estados que os adotam, obrigando o seu cumprimento a nível nacional, representando, hoje, um dos principais instrumentos de que se vale o Direito Internacional Humanitário para estar presente em grande parte dos países do mundo e formar uma teia internacional de proteção dos direitos humanos. Está clara, portanto, a importância dos tratados internacionais na proteção dos direitos humanos, não se podendo negar também que é essencial o trabalho dos Estados a nível nacional para garantir o cumprimento desses preceitos internacionalmente adotados, seja por meio de políticas públicas de promoção dos direitos humanos, seja através da adaptação de seu ordenamento jurídico interno às diretrizes internacionais, por meio da atuação tanto do Legislativo quanto do Judiciário.” (2006, p.43)

A afetação do direito à moradia frente às áreas ambientalmente protegidas, explica-se pelo fato de que, o direito à moradia é visto individualmente, enquanto que o direito ao meio ambiente é um direito coletivo, em que sendo protegido, todas as pessoas poderão usufruir do mesmo, na mesma quantidade e medida. E nesse caso, depende do próprio Estado definir políticas para sustentar os dois direitos, tentando atingir menos um ou outro. Como expõe Gabriela Neves Gallo:

“É a subordinação do direito individual ao interesse coletivo, numa aplicação clara do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse particular. O Poder Público estabelecerá qual a função social da propriedade visando o bem estar de todos.” (p.1550)

Mas, é preciso fazer a ponderação desses dois direitos, em cada caso concreto, e decidir qual prevalece em cada um. Não se pode deixar de falar que esses dois direitos fundamentais não podem ser violados, e devem ser concretizados, porém, podem ser restritos em determinados casos, e aplicados em menor medida.

Como diz Mariana Fittipaldi:

“Os direitos sociais são uma das dimensões dos direitos fundamentais do homem, constituindo imposição obrigatória para o Estado que visa garantir a qualidade de vida aos seus cidadãos, especialmente àqueles que se encontram em condições vulneráveis. E sendo direitos fundamentais, reafirma-se que os direitos sociais também são dotados de imperatividade, auto-aplicabilidade e inviolabilidade.” (2006, p.53).

            Dessa forma, urge a necessidade de conciliar os direitos postos em colisão, analisando cada caso concreto, uma vez que ambos caracterizam-se como sendo fundamentais, abarcando em cada um deles sua importância.

 

CONCLUSÃO

É fato que as constantes transformações no cenário capitalista mundial são necessárias para que se atinja o que hoje se denomina de progresso. Porém, esta transformação política/social/econômica não deve romper os limites do núcleo de proteção da própria vida humana, o meio ambiente. O ecossistema depende diretamente dos recursos naturais para que ocorra a preservação da vida, desta forma, o meio ambiente não se mostra contrário ao progresso, introduzindo no seio do direito ambiental brasileiro o princípio fundante conciliador da espécie humana e o ecossistema: o princípio do desenvolvimento sustentável.

Os mananciais como área de preservação permanente e fonte hídrica para todo ecossistema, necessita de políticas públicas capazes de conservar este tipo de recurso, evitando como exposto ao longo do trabalho as principais causas de degradação, como a poluição, a falta de saneamento e as ocupações irregulares. O direito ao meio ambiente sadio, garantido constitucionalmente, não pode ser atingido em face do progresso desordenado, livre de intervenções estatais que protegem o bem coletivo. Assim, ao explanar sobre o direito à moradia, de populações carentes, que por falta de opção decorrente da expansão das grandes metrópoles e desigualdade sociais, ocupam os mananciais, explicou-se que se trata de uma colisão de direitos fundamentais, na qual o direito à moradia é visto como um direito “individual” e o direito ao meio ambiente como um direito “coletivo”. Não sendo aquele desmerecido de providência urgente do poder executivo estatal, nota-se, contudo, este como sendo privilegiado pela doutrina brasileira pelo princípio no qual o direito coletivo prevalece sobre o individual.

Dados os argumentos expostos ao longo deste trabalho, urge a necessidade da administração pública adotar medidas que satisfaçam ambos os direitos postos em discussão. Necessita-se ainda da colaboração da sociedade brasileira para a preservação dos mananciais, que garantem água, fonte de vida a todas as espécies de vida no planeta. Assim, o princípio do desenvolvimento sustentável só terá caráter efetivo quando, aplicado dentro dos moldes constitucionais de proteção ao meio ambiente, respeitando limites mínimos e máximos para a sua aplicabilidade, não se admitindo no Ordenamento Jurídico brasileiro qualquer forma de exploração descontida que afete diretamente a preservação do nosso planeta, o planeta água.

 

 

 

REFERÊNCIAS

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BRASIL, Lei nº 12.651∕12, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nos 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial, Brasília, DF.

BRASIL, Lei nº 9.866∕97, de 28 de novembro de 1997. Dispõe sobre diretrizes e normas para a proteção e recuperação das bacias hidrográficas dos mananciais de interesse regional do Estado de São Paulo e dá outras providências. São Paulo, SP.

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FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007

FITTIPALDI, Mariana. Direito à cidade : diálogo de eqüidade entre o direito à moradia e o direito ao meio ambiente. Orientadora: Rosângela LunardelliCavallazzi. – Rio de Janeiro: PUC, Departamento de Direito, 2006. Disponível em: <http://www.livrosgratis.com.br/arquivos_livros/cp077268.pdf>. Consulta em 27 de outubro de 2012.

GALLO, Gabriela Neve. Direito à moradia – Direito humano fundamental.Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/gabriela_neves_gallo.pdf>. Consulta em 27 de outubro de 2012.

 

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