A PENHORA E A PATRIMONIALIDADE NA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE - A flexibilização da impenhorabilidade dos bens de família[1].

André Pinheiro Lopes[2]

Isabela Tereza Barros Silva²

Christian Barros Pinto3

RESUMO

As dívidas e as obrigações, assim como a figura do credor e do devedor não são figuras recentes em nossa história, fazendo-se presente em nossa sociedade desde os tempos mais antigos. Quando assumimos uma obrigação, seja ela de qual natureza for, devemos cumpri-la conforme o acordado. Contudo, nem sempre é o que ocorre na prática. A
partir da análise de tal contradição, surgem conflitos advindos da insatisfação do credor e da inadimplência do devedor. O presente trabalho busca então, demonstrar porque ocorre a responsabilidade patrimonial do devedor, tratando também dos princípios mais importantes para a proposta da pesquisa, sem deixar de mencionar os aspectos mais relevantes sobre a penhora. E ainda, por derradeiro, mas não menos importante, demonstrar os casos de impenhorabilidade e as situações em que esse instituto poderá ser afastado em prol do credor. 

Palavras-Chave: Penhora; Impenhorabilidade; Flexibilização; Execução; CPC.

Introdução 

A impenhorabilidade patrimonial dos bens do devedor presente na atual legislação é bastante sólida, o que dificulta a efetiva e célere prestação jurisdicional executiva em favor dos direitos do credor. Nesse sentido, um dos principais objetivos propostos para o presente artigo científico consiste em investigar o que a doutrina apresenta como flexibilização da impenhorabilidade do patrimônio do devedor, estendida aqui ao procedimento de execução por quantia certa e quanto às disposições constantes na Lei Federal n.° 8.009/90, referentes ao Bem de Família.

Assim, num primeiro momento, serão apresentados os principais princípios norteadores da execução, generalidades e requisitos para instauração e dar-se-á início a discussão da responsabilidade patrimonial do executado frente à obrigação estabelecida com o exequente.

Dando continuidade ao presente estudo, serão apresentadas as definições e os principais pontos sobre a penhora, assim também como sobre a impenhorabilidade relativa e absoluta presentes no Código de Processo Civil, referente ao Bem de Família, a fim de esmiuçar como o entendimento sobre o tema.

A presente pesquisa será desenvolvida com base nas principais doutrinas que discutem o tema, as quais tal assunto é de considerável relevância, seja pelo simples aprofundamento no tema ou pelo fato de oferecer ao leitor elementos até então despercebidos. Ademais, é razão intelectual, através do desejo subjetivo de conhecer e principalmente compreender o assunto que após a análise pretendida, poderão ser apresentadas conclusões acerca da flexibilização da impenhorabilidade dos bens de família do devedor.

1 Conceito e Aspectos Gerais sobre a Penhora

 

A penhora pode ser definida como o ato inicial de expropriação do processo de execução, para individualizar a responsabilidade executória, através da apreensão material, direta ou indireta, de bens do patrimônio do devedor. Ou também como ato pelo qual são apreendidos e depositados tantos bens quanto bastem do executado para garantir a obrigação[3].

Conforme o art. 475-J do CPC, requerida a execução da sentença condenatória, cumpre o juiz, imediatamente, determinar a expedição de mandado de penhora e avaliação dos bens sujeitos à execução. Adiante, realizada a penhora, os bens constritos tornam-se indisponíveis para o devedor. A penhora não retira do titular a propriedade do bem, porém torna inoperante o poder de disposição sobre ele. Cabe ainda salientar, que qualquer ato que retire o valor comercial de bens penhorados é ineficaz em relação à execução em que a penhora se deu[4].

Portanto, a penhora deve ser entendida como o primeiro ato executório da execução por quantia certa contra devedor solvente, e em síntese o seu objeto envolverá os bens abrangidos no patrimônio do devedor, sendo, pois, penhoráveis os bens que se encontrem no patrimônio do executado, mesmo que se achem em poder de terceiros[5].

Superada a definição e o objeto da penhora, passaremos agora para a análise de seus efeitos.

A penhora produz efeitos de duas ordens. São eles de ordem material e processual. Diga-se desde logo, que são efeitos de ordem processual da penhora a individualização dos bens que suportarão a atividade executiva, a garantia ao juízo e o direito de preferência do exequente. De outro lado, compõem os efeitos materiais da penhora a retirada da posse direta do bem executado do devedor e a ineficácia dos atos de alienação ou oneração do bem judicialmente apreendido[6].

Dentre os efeitos de ordem processual, em um primeiro momento, tem-se a responsabilidade executória do bem penhorado, devidamente individualizado dentre os demais bens que compõem o patrimônio do devedor, com a finalidade de garantir o crédito que se busca por meio da ação de execução, para, assim, se alcançar a satisfação[7].

Inicialmente, devem-se buscar bens penhoráveis do devedor ou responsável. Para tanto, conta-se com a colaboração do credor, do devedor e do próprio oficial do juízo. Uma vez individualizados e apreendidos, os bens responderão pela execução. [...] É função da penhora fixar a responsabilidade patrimonial sobre os bens por ela abrangidos. A penhora segrega bens do patrimônio do devedor, destinando-os á expropriação[8].

           

Quer dizer, como veremos no próximo tópico, a responsabilidade patrimonial se resolve na possibilidade de sujeição de bens para a realização de um direito. Através do efeito de individualização dos bens gerado pela penhora, torna-se concreto aquela sujeição que se apresentava como possibilidade[9].

Adiante, quando falamos da garantia ao juízo, nos referimos a segurança que é dada ao processo de que, no patrimônio do executado, tenha bens suficientes para assegurar a realização do direito exeqüendo[10].

Em relação a preferência do exeqüente, cabe ressaltar que a penhora gera certa preferência legal sobre o produto da venda do bem. Isto se dá porque é possível a incidência de várias penhoras sobre um mesmo bem, poderá surgir, então, a questão de se saber como se dará o pagamento dos créditos após sua alienação. Na falta de motivo que estabeleça preferência especial, é a penhora que determinará, no concurso de credores sobre o produto da venda do bem, a ordem de satisfação dos créditos, conforme determinação legal prevista no art. 612 CPC[11].

Já, dentre os efeitos materiais, a retirada da posse direta do devedor se fundamenta no fato de que os bens devem ser conservados no estado em que se encontram por ocasião de sua apreensão, a fim de que não percam as qualidades e o valor que lhes atribuíam por ocasião desta. Esta também é a razão pelo qual os bens são entregues a um depositário, que se responsabiliza pela guarda, conservação e administração do bem, tudo nos moldes do art. 666 CPC[12].

Por fim, e não menos relevante, sobre ineficácia dos atos de alienação ou oneração do bem percebemos que

isso ocorre porque com a penhora, o devedor perde a posse direta do bem, nascendo uma indisponibilidade por meio da medida coercitiva imposta contra seu patrimônio, restando-lhe a posse indireta e o domínio sobre ele, o que não o torna totalmente indisponível. Se penhorado determinado bem, a ineficácia dos atos de disposição do devedor sobre ele limita-se às partes daquele processo pendente, a partir do momento em que fora realizada a penhora. Se realizadas penhoras sucessivas sobre o mesmo bem, em outros processos, só serão ineficazes os atos de disposição posteriores a cada uma delas, não se beneficiando o segundo credor penhorante do termo inicial da penhora, sendo a ineficácia efeito individual de cada penhora[13].

Isto é, o bem embora retirado do patrimônio do executado permanece penhorado e, por conseguinte, sujeito aos atos executivos que serão realizados[14].

2 Princípios da Execução e a Responsabilidade Patrimonial do Devedor

 

Tendo em vista que a execução por quantia certa tem por objeto expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor conforme art. 646 do CPC, esta deve obedecer ao princípio do menor sacrifício possível ou da menor onerosidade.

De acordo com o principio do menor sacrifício possível, disposto no art. 620 do CPC, quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor. “À medida que o direito evolui, passa a buscar uma proteção cada vez maior para o executado, assim é que vão se estabelecer alguns limites políticos à invasão patrimonial que a execução permite como é o caso das impenhorabilidades”[15].

Conforme Marcelo Abelha:

Este princípio - sim, é um princípio – previsto no art. 620 do CPC é voltado francamente à proteção do executado, e, não obstante o seu campo de incidência exigir a sua análise de oficio pelo magistrado ao longo de toda a execução civil, é claro que o devedor poderá invocá-lo sempre que a execução civil estiver sendo realizada por meio mais gravoso ao executado, isto é, por meio dispensável ou que ultrapasse os limites do indispensável[16].

Sendo assim, esse princípio deve servir como direcionamento para a tutela executiva, tendo em vista que, para a satisfação do direito do exequente não é justo e nem legítimo onerar exageradamente o patrimônio do executado ultrapassando o que seria indispensável. Entretanto, por outro lado, da mesma forma que esse princípio protege o executado ele não autoriza que este possa dele se valer para fugir de suas responsabilidades com alegações metajurídicas[17]. Nessa oportunidade, “é bom lembrar que nem todo devedor é desidioso, nem deve ser tratado como vilão. É certo que há devedores assim, mas estes maus elementos não podem ser considerados como parâmetro para definir todos os devedores”[18].

Em relação ao princípio da efetividade do processo ou do exato adimplemento “o processo deve dar, quando for possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir”[19].

A execução forçada, destinada que é a satisfazer o direito de crédito do exequente, só será efetiva à medida que se revelar capaz de assegurar ao titular daquele direito exatamente aquilo que ele tem direito de conseguir. Assim na execução por quantia certa, o processo de execução só será efetivo se for capaz de assegurar ao exequente a soma em dinheiro a que faz jus. [20]

Portanto, “a opção do sistema processual brasileiro é pela execução específica, em que se busca assegurar ao titular do direito precisamente aquilo a que ele tem direito”[21].

Segundo o princípio da responsabilidade patrimonial, não se admite que a pessoa física do devedor possa ser objeto da ação do Estado, devendo, portanto, tal carga recair somente sobre o patrimônio do devedor.  Os dispositivos presentes nos arts. 591 e 646 do CPC ilustram essa afirmativa. Quando falamos que toda execução é real, queremos dizer que no direito processual civil moderno, a atividade jurisdicional executiva incide de forma direta e exclusiva sobre o patrimônio, e não sobre a figura da pessoa do devedor[22].

Complementa famoso jurista ao dizer:

É da responsabilidade que cuida a execução forçada, ao fazer atuar contra o inadimplente a sanção legal. Sendo, dessa maneira, patrimonial a responsabilidade, não há execução sobre a pessoa do devedor, mas apenas sobre seus bens. Só excepcionalmente, nos casos de dívidas de alimentos e de infidelidade de depositário, é que a lei transige com o princípio da responsabilidade exclusivamente patrimonial, para permitir atos de coação física sobre a pessoa do devedor, sujeitando-o à prisão civil[23].

Com base no referido princípio acima, podemos conceituar a responsabilidade patrimonial como sendo aquela situação simplesmente potencial de sujeição do patrimônio de alguém às medidas executivas voltadas à atuação da vontade concreta do direito material[24].

Para fortalecer a compreensão acerca do tema é fundamental a distinção entre responsabilidade e dívida.

Dentro de uma relação obrigacional temos o crédito e a dívida. O primeiro é representado pelo direito subjetivo a uma prestação, já o segundo, pelo dever jurídico de realizar a prestação. Assim é que, caso não seja cumprido o dever jurídico de realizar a prestação pelo devedor, existe ao lado daquele dever de direito material, uma possibilidade de sujeição do patrimônio do mesmo, com a finalidade de garantir a satisfação do direito do credor. Trata-se da responsabilidade, que se revela como uma relação de direito processual[25].

Feita a distinção entre responsabilidade e dívida, podemos concluir que pode existir a dívida sem a responsabilidade. Basta pensar na situação de obrigação de pagar dívida de jogo. Do mesmo modo, pode também existir a responsabilidade sem a dívida. Como no exemplo do fiador, que é responsável, já que seu patrimônio pode ser alcançado pela atividade executiva, mesmo não sendo ele o devedor da obrigação[26].

Por isso é que

embora exista discussão sobre a natureza das regras que dizem respeito à responsabilidade patrimonial, afigura-se acertada a posição que lhes atribui índole processual. Conquanto a determinação da obrigação, da prestação e de seus elementos pertença ao campo de direito material, cabe ao direito processual regular a exigibilidade judicial do cumprimento das prestações, decorrendo daí a natureza processual das regras incidentes em razão da violação de relação jurídica prestacional[27].

Ou seja, percebemos que a responsabilidade patrimonial atua no campo processual, e não no campo substancial. Ela corresponde a uma relação entre Estado e devedor e não entre credor e devedor, já que é o Estado aquele responsável por invadir o patrimônio do executado, para o fim de sujeitar bens que o integram, para permitir a atuação da vontade concreta do direito objetivo[28].

3 Impenhorabilidade de Bens e a Lei 8.009/90

 

Embora possa a penhora, via de regra, incidir em quaisquer bens do devedor, alguns deles não podem ser penhorados e como consequência não estão sujeitos à execução. Conforme art. 648 do CPC “não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis”. De acordo com Santos:

como a penhora é ato preparatório de desapropriação, que é alienação, os bens que a lei declara inalienáveis ou impenhoráveis não podem ser submetidos à penhora. Igualmente, os bens que, por via de cláusula inserida por vontade unilateral ou plurilateral das partes no ato de constituição do negocio jurídico, se revistam do caráter de inalienáveis ou impenhoráveis[29].

A lei processual prevê duas formas de impenhorabilidades. A absoluta e a relativa. A absoluta está prevista no art. 649 do CPC, enquanto que a impenhorabilidade relativa está prevista no art. 650 do CPC. Apesar disso, não se trata de rol exaustivo, de modo que há outros casos de impenhorabilidade. E ainda assim, há dificuldade enfrentada pelos credores para a satisfação de seus créditos[30]. Segue rol dos bens absolutamente impenhoráveis e os bens relativamente impenhoráveis:

Art. 649, CPC: São absolutamente impenhoráveis:

I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;

II - os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;

III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;

IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo;

V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão; VI - o seguro de vida;

VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;

VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;

IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;

X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança.

XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político.

Art. 650, CPC - Podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se destinados à satisfação de prestação alimentícia.

Em verdade, conforme Abelha:

apenas as hipóteses denominadas absolutas é que definitivamente podem ser consideradas como impenhorabilidades, já que a rigor, o art. 650 apenas arrola os bens que – uma vez denunciado pelo executado no prazo  e forma legal- só serão penhorados se outros não existirem. Todavia, sujeitam-se à penhora, tendo apenas o privilégio de só se sujeitarem à responsabilidade patrimonial se outros não existirem para esse desiderato[31].

Porém, não há nada que impeça que o próprio devedor disponha de seu bem tido como impenhorável para pagamento da divida se esse for o seu interesse[32].

Há ainda uma última modalidade de impenhorabilidades denominada de impenhorabilidade dos bens de família ou impenhorabilidade do bem de devedor. O bem de família instituído pela Lei 8.009/1990 é impenhorável por força da referida lei independente de qualquer outro ato legal para que adquira tal condição, mas a dita impenhorabilidade sofre inúmeras restrições (admite a penhora) em diversas hipóteses previstas na própria Lei n 8.009/1990, como veremos no tópico a seguir [33].

Conforme art. 1º da Lei n 8.009/1990:

O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

Entretanto, a impenhorabilidade a que trata o artigo, abarca do mesmo modo os móveis que os compõem, eliminados os veículos, as obras de arte e os adornos suntuosos. Todavia, este dispositivo não exclui da responsabilidade patrimonial todos os bens moveis que englobam a residência do executado. Vale ressaltar que a regra é a penhorabilidade dos bens e não a impenhorabilidade. Sendo assim, deve-se interpretar restritivamente as normas que estabeleçam a impenhorabilidade, e ampliativamente as que estabelecem a penhorabilidade de bens. A ideia essencial é que apenas o indispensável a sobrevivência deva ser considerado impenhorável[34].

Cabe ainda lembrar que a alegação de impenhorabilidade poderá ser oposta em qualquer processo de execução, e até mesmo nos que já tivessem sido iniciados (em exemplo de retroatividade dos efeitos da lei)[35].

As hipóteses de exceção da impenhorabilidade do bem de residência serão abordadas no tópico seguinte, como já dito.

4 Flexibilização da Impenhorabilidade dos Bens de Família

 

Pois bem, dentre as diversas leis constantes em nosso ordenamento jurídico, a Lei nº 8.009/90, é que trata sobre a questão da flexibilização. O art. 3º traz algumas hipóteses em que a impenhorabilidade do bem de família não é oponível, ou seja, nos casos ali enumerados, a penhora do imóvel utilizado para a moradia se torne possível. Assim é que, nos termos do já mencionado artigo, pode-se penhorar o bem de família nas execuções ajuizadas[36]:

I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;

II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

III -- pelo credor de pensão alimentícia;

IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.

VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Nas situações propostas aqui, o bem de família pode ser penhorado de forma livre e sem impedimento, independentemente do fato de o executado ter outros bens em seu patrimônio, e isto é que faz com que tenhamos colocado a impenhorabilidade do bem de família como categoria distinta das analisadas anteriormente, ou seja, dos bens relativamente e absolutamente impenhoráveis.

Por um lado, se diferencia a impenhorabilidade do bem de família da absoluta em razão de que os bens absolutamente impenhoráveis, nunca poderão ser objeto de penhora, o mesmo não acontece aqui, por força no disposto já citado artigo acima e transcrito[37].

De outro lado, difere a impenhorabilidade do bem de família da relativa já que aqueles bens relativamente impenhoráveis só poderão ser penhorados se o executado não tiver nenhum outro bem capaz assegurar a execução, ao passo que no bem de família (excepcionadas as hipóteses previstas no art. 3º da Lei 8.009/90), não poderão ser objetos de penhora, mesmo que o devedor não tenha outros, e nos casos do art. 3º, o bem pode ser penhorado, pouco importando, nesta hipótese, se o executado tem ou não outros bens em seu patrimônio que garantam a satisfação da execução[38].

 

Considerações Finais

Com base nos dados e observações acima apresentados é possível afirmar que as regras de impenhorabilidade presentes na atual legislação, especialmente quanto ao rol de bens absolutamente impenhoráveis constante nos incisos do art. 649 do Diploma Processual atual, bem como as definições apresentadas na Legislação Especial n.° 8.009/90, referentes ao Bem de Família, são limitadoras à ação executiva do Estado, de modo a proteger a moradia do devedor e sua família da penhora e mantê-los em condições dignas de subsistência.

Do estudo dos princípios norteadores do procedimento de execução por quantia certa e sua aplicação, bem como nas generalidades e definições doutrinárias apresentadas sobre o tema conclui-se que a própria doutrina vem se demonstrando mais flexível acerca das normas referentes às regras de impenhorabilidade dos bens do devedor.

Ademais, foi possível compreender, ainda, a diferença entre bens absolutamente penhoráveis, relativamente penhoráveis e bens de família, no bojo do processo de execução, destacando em especial a situação daqueles que compõem os bens de família e suas hipóteses de exceção que ilustram a flexibilização.

Por fim, analisando a atual legislação e a Lei 8009/90, em especial, verificamos que o legislador está buscando cada vez mais coibir a insatisfação do credor, sem ferir, claro, os direitos básicos do devedor, de modo a preservar condições dignas para ele e sua família, assim também como respeitando os dispositivos presentes no CPC e nas leis complementares.

 

 

REFERÊNCIAS

ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16ªed. Vol. 2, Lúmen Juris: Rio de Janeiro, 2008.

DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. vol. 5. 2 ed.

São Paulo: Podivm, 2010.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

MARINONI, Luiz Guilherme. Sérgio Cruz Arenhart. Curso de processo civil, vol. 3: execução. 2ª ed. rev. e atual – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de execução civil. 4ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2009.

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. vol. 3. 24

ed. São Paulo: Saraiva, 2010

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009.


[1] Paper elaborado para a disciplina de Recurso Civil da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[2] Alunos do 7º período de Direito Noturno da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB

3 Professor, Mestre, Orientador.

[3] SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. vol. 3. 24  ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 313.

[4] MARINONI, Luiz Guilherme. Sérgio Cruz Arenhart. Curso de processo civil, vol. 3: execução. 2ª ed. rev. e atual – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 254.

[5] SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. vol. 3. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 313.

[6] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16ªed. Vol. 2, Lúmen Juris: Rio de Janeiro, 2008, p. 266-267.

[7] DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. vol. 5. 2 ed. São Paulo: Podivm, 2010, pág. 534-535.

[8] Idem.

[9] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16ªed. Vol. 2, Lúmen Juris: Rio de Janeiro, 2008, p. 268.

[10] Idem, p. 267.

[11] MARINONI, Luiz Guilherme. Sérgio Cruz Arenhart. Curso de processo civil, vol. 3: execução. 2ª ed. rev. e atual – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 255.

[12] SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. vol. 3. 24  ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 314.

[13] ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, pág. 576.

[14] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16ªed. Vol. 2, Lúmen Juris: Rio de Janeiro, 2008, p. 272.

[15] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16ªed. Vol. 2, Lúmen Juris: Rio de Janeiro, 2008, p.147.

[16] RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de execução civil. 4ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2009, pág. 56.

[17] Idem

[18] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16ªed. Vol. 2, Lúmen Juris: Rio de Janeiro, 2008, p.148.

[19] Idem, pág. 146.

[20] Idem

[21] DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 316.

[22] THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 121.

[23] Idem, p. 177.

[24] DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 254.

[25] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16ªed. Vol. 2, Lúmen Juris: Rio de Janeiro, 2008, p. 194.

[26] Idem.

[27] MARINONI, Luiz Guilherme. Sérgio Cruz Arenhart. Curso de processo civil, vol. 3: execução. 2ª ed. rev. e atual – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 256.

[28] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16ªed. Vol. 2, Lúmen Juris: Rio de Janeiro, 2008, p. 194.

[29] SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. vol. 3. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 315.

[30] MARINONI, Luiz Guilherme. Sérgio Cruz Arenhart. Curso de processo civil, vol. 3: execução. 2ª ed. rev. e atual – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 256-257.

[31] RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de execução civil. 4ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2009, pág. 94.

[32] Idem

[33] Idem p.102.

[34] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16ªed. Vol. 2, Lúmen Juris: Rio de Janeiro, 2008, p. 280.

[35] RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de execução civil. 4ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2009, pág. 102.

[36] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16ªed. Vol. 2, Lúmen Juris: Rio de Janeiro, 2008, p. 280.

[37] Idem, pág. 281.

[38] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16ªed. Vol. 2, Lúmen Juris: Rio de Janeiro, 2008, p. 281.