A MORTE DE FIDEL E O FIM DE UM REGIME QUE MUITOS AINDA SONHAM EM PROMOVER

Aguimon Alves (Prof. de Direito/Geografia - 27/11/2016)

        Caro leitor, por que tantos artistas, políticos, intelectuais e professores tomam como referência de moral e justiça o finado Fidel Castro? Vou te confessar algo: eu também admirava Fidel. Mas isto foi lá nos anos de 1980 na época da faculdade. Ainda não tinha despertado para questionamentos óbvios, como por exemplo, por que uma pessoa religiosa defenderia um regime que implantou à força o ateísmo? Hoje não sou simpatizante de Fidel e nem sou religioso. Sou agnóstico. Mas permaneço na defesa da liberdade religiosa dos outros. Não há demérito algum mudar de ideia, pois os fatos atropelam as ideias engessadas.

       Por que um ditador que ficou no poder por quase 50 anos e seu regime permanece há 57, ainda desperta tanta admiração e fascínio em grupo considerável de pessoas. Ditador? Sim, não sei que outro nome daria a alguém que permaneceu tanto tempo no poder. Alguém que derrubou o regime ditatorial de Fulgêncio Batista em 1959 com a promessa de estabelecer eleições democráticas, mas se apropriou do poder e se arrogou como o salvador dos oprimidos. A defesa de quem considera Fidel um ícone se agarra aos investimentos volumosos em educação e saúde. Praticamente acabou com o analfabetismo e implantou um sistema de saúde gratuito e universal para toda a população. De fato são evidências inegáveis.

       Também são evidências inegáveis o cerceamento às liberdades civis, o impedimento do direito de greve, a criação de um sindicato estatal, a censura da imprensa, a perseguição das instituições religiosas e de homossexuais, a execução de milhares de opositores. Nesta lógica, então devemos comungar com Maquiavel de que os meios justificam os fins, já que a intenção era a redução das desigualdades sociais. Fico muito impressionado ao ver sindicalistas aqui no Brasil defenderem um regime (que se confunde com o seu próprio criador) que impediu o pluralismo sindical e partidário.  Seria a versão moderna de Luiz XIV ao qual se atribui a famosa frase: “O Estado sou Eu”. Luiz XIV governou a França de 1643 a 1715, superou Fidel, foram 72 anos de reinado.

       Mas, se valeu a pena a redução das desigualdades sociais por meio de um Estado de exceção, o que dizer de uma outra história de sucesso nas “questões sociais” que apresento a seguir.

        Bem antes de Cuba havia um país que também criou um exemplar sistema educacional, que teve um espetacular crescimento econômico, dobrou a renda nacional, reduziu o desemprego a níveis aceitáveis e criou a carteira de trabalho. Na vanguarda de outros países, implantou o maior programa social de bem estar público até então conhecido; conseguiu a autossuficiência em alimentos; tinha leis que proibiam a dissecação de animais em vida; que proibia o fumo em restaurantes e transporte público; realizou consideráveis avanços na medicina; desenvolveu um complexo sistema de autoestradas inédito no mundo; desenvolveu a tecnologia para foguetes; desenvolveu técnicas cinematográficas até hoje utilizadas em Hollywood; instituiu um aparato de entretenimento cultural até então inexistente em qualquer outro lugar do mundo para os trabalhadores, fornecendo ingressos a preços reduzidos para teatros, óperas e concertos; promoveu viagens de férias a preços do tipo black friday dos EUA; que concebeu a ideia de um carro para ser adquirido por qualquer pessoa do povo, o  Volkswagen (carro do povo), ah, vou parar por aqui, você já acertou. Alguém se atreve a defender a Alemanha nazista?

         Mas tudo isto teve um preço: aniquilamento do direito à liberdade de expressão, controle da imprensa, extinção dos sindicatos, trabalho escravo de milhões, perseguição e extermínio de pelo menos seis milhões de judeus e o confisco dos seus bens, perseguição e extermínio de homossexuais e ciganos. E o mais irônico e deplorável: o regime que protegia os animais realizava experiências médicas horrendas em seres humanos. Alguém se atreve a dizer que os meios justificam os fins?

          Mas tais evidências ainda não são suficientes para os incrédulos. Ainda argumentam (se é que posso usar a expressão “argumentam”) que a Alemanha era um regime de extrema direita, um Estado totalitário e Cuba não. Mas qual a diferença entre um regime de extrema direita para um de extrema esquerda? Os dois eliminam seus opositores, aniquilam os sindicatos e o direito de greve, castram os direitos civis e qualquer liberdade de expressão. Em troca dão atendimento médico e uma educação com partido único. Depois de uma geração estudando em escolas de partido único, fica muito, muito difícil lutar por liberdade de expressão, item da cesta básica da democracia. A escola que só apresenta um tipo de filosofia, a dos filósofos de esquerda ou a dos filósofos de direita, é uma escola que forma rebanhos.

         Apenas para conjecturar, se fizermos as contas, os regimes de extrema esquerda superam sobejamente o número de exterminados em relação aos regimes de extrema direita e ditaduras de direita. Há historiadores, mais modestos, que falam em 20 milhões aniquilados na então URSS e 50 milhões na China. Além de tantos outros nos diversos países que tentaram a experiência do chamado “socialismo real”.

         Stalin, Mao Tsé Tung, Hitler, Fidel, George Bush, José Eduardo dos Santos, ditador “socialista” de Angola no poder há 37 anos, os três únicos governantes de Moçambique do mesmo partido (Frelimo) no poder há 41 anos, desde a independência, Pol Pot, chefe do regime do Khmer Vermelho (Camboja) que exterminou cerca de dois milhões de 1975 a 1979 e muitos outros, são todos deploráveis pelas suas condutas sanguinárias, ainda que alguns estejam disfarçados de dirigentes democráticos.

        Pouco conhecido dos brasileiros, rapidamente chamo atenção para algumas curiosidades. O regime “socialista” de Angola implantado em 1975 pelo MPLA, movimento de inspiração marxista, recebeu ajuda da URSS e de Cuba, obviamente. O que não seria óbvio foi o primeiro país a reconhecer sua independência. Sim, o Brasil da ditadura militar foi o primeiro país do mundo a reconhecer a independência de Angola que instituía um regime frontalmente contrário à ideologia da ditadura brasileira. Será? Acho que não. Na verdade, tratava-se de uma ditadura reconhecendo o início de outra.

        Mais de 30 anos depois, agora com o Brasil em plena democracia e com a chegada ao poder de um partido defensor ferrenho dos ideais democráticos, o Brasil, de novo, se aproxima do mesmo regime e do dirigente do mesmo partido no poder desde os idos de 1975.  Leva socorro em bilhões de dólares do BNDES, financiando obras em Angola, tendo a Odebrecht como a principal construtora. É inacreditável que os nossos impostos ajudem a financiar a sustentabilidade de uma ditadura da família mais rica de Angola. A filha de José Eduardo dos Santos é considerada a mulher mais rica da África, contrastando com a miséria dos angolanos. O presidente José Eduardo dos Santos, no poder há 37 anos, usa o aparelho de Estado para proveito próprio e de sua família. Será que esse era um ponto em comum tão forte entre Brasil e Angola?

        O músico Luaty Beirão, figura popular em Angola, em 2011 se atreveu a gritar pelo afastamento de José Eduardo dos Santos. Foi preso e torturado. Apesar da opressão econômica de nossos governantes, ainda prefiro o Brasil porque posso gritar “Fora Lula, Fora Dilma, Fora Renan e agora também posso gritar Fora Temer”.

        Caro leitor, vou fugir um pouquinho do tema central desse texto para te confessar algo. Não se assuste; leia até o final. Prefiro Temer hoje no poder, ainda que tenha de ir para as ruas, se necessário, para gritar “Fora Temer”, ao invés da “ex-possível” hipótese de gritar Fora Sérgio Cabral. Não entendeste? Explico: se não fosse o Temer, seria Sérgio Cabral o Presidente do Brasil. Sim, o “Serginho” era o preferido do Lula para o vice de Dilma nas eleições de 2010 para sucedê-lo. Ficaste espantado? Tem mais: o plano “B” de Lula para o vice de Dilma seria o Geddel Vieira Lima, Ministro da Integração Nacional do seu governo. Sim... o Sérgio Cabral que está preso por ter assaltado o Rio de Janeiro e o Geddel, pivô do mais recente escândalo do governo Temer. QUE PAÍS É ESSE? Geddel, ministro e amigo do Temer e ex-ministro do Lula, foi acusado pelo Ministro da Cultura Marcelo Calero de pressioná-lo para liberar empreendimento imobiliário em zona nobre de Salvador que tinha sido embargado pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional. Tudo por interesse pessoal, já que ele (Geddel) tem um apartamento no caríssimo empreendimento.

        Queres saber mais sobre o nosso “ex-possível” presidente da República? Geddel foi um dos sete anões do orçamento (por ser baixinho). O escândalo dos “anões do orçamento” foi o primeiro grande escândalo do Brasil após a ditadura. Isto foi lá pelos idos de 1993, quando o Geddel foi acusado de manipular esquemas de propina no orçamento da União para favorecer governadores, ministros, senadores e deputados. Também foi acusado de desviar dinheiro por meio de entidades sociais fantasmas ou com a ajuda de empreiteiras. Em depoimento à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da época, Geddel chorou, lamentando-se por ser um homem de poucas posses. Tinha 12 fazendas, um avião particular e diversos imóveis de luxo em Brasília. Com apenas 25 anos já tinha acumulado todo esse patrimônio. Será que barrou o Sérgio Cabral? Esses governantes não aprendem. Qualquer que seja a ideologia ou partido, eles insistem e nomear corruptos como auxiliares.

      Mas voltando à Dilma, ela preferiu o Michel.

       Que bom podermos gritar e gritar, e não ser preso por isso, no máximo ser censurado por alguns colegas, por aqueles defendem ditaduras e governos de partido único, em nome de um falacioso discurso da eliminação das desigualdades sociais.

            Por que é tão difícil para um grupo considerável de pessoas com nível superior, e conhecedores da história, enxergar que é possível promover saúde e educação de qualidade no âmbito de um regime democrático? Não foi assim no Canadá, na Coreia do Sul, no Japão, na Suécia, na Noruega, na Finlândia, na Inglaterra, na França, na Alemanha, na Áustria, na Suíça, na Dinamarca na Austrália, na Nova Zelândia etc.? Ou será que esses países progrediram sob ditaduras?

            Não posso admirar Fidel simplesmente porque ele buscou a redução das desigualdades sociais às custas da força de um regime de exceção. Conseguiu igualar a todos. Todos com baixa renda. Cuba é um país onde mais de 70% da população só teve um tipo de governante nos últimos 57 anos. Arrisco a dizer que os cubanos vivos nunca elegeram um presidente, ainda que para errar no voto. Um povo que nunca soube o que é liberdade de expressão, que nunca teve o prazer de falar “Fora” para alguém, de ir para as ruas em defesa das ideias de seu candidato, é um povo sem alma. Sem expectativas, sem lutas, não há sonhos.

           Em contrapartida, aqui no Brasil, a liberdade de expressão é amplamente utilizada pelos simpatizantes do regime de Fidel, os quais fazem uso das próprias instituições de Estado, que é um bem de todos, para estampar nas suas fachadas e interiores palavras de ordem e símbolos de um regime que já sucumbiu com a URSS em 1989. Mas acho que muitos ainda não perceberam que é hora de reciclar as ideias. Como é bom gritar “Fora Temer” para um governante que só tem mais dois anos de poder! Experimente gritar “Fora” para um governante que permanece por cinquenta anos no poder. Não viverá para me contar o que aconteceu depois do seu grito.

         Como é bom poder protestar contra a PEC 241, a reforma do ensino e a escola sem partido e ainda ouvir palestras a respeito desses temas. Já participei de várias sobre estas temáticas, tudo dentro de instituições públicas. A despeito de não ter visto debate em nenhuma delas, de ter apenas presenciado o ponto de vista de um lado, mesmo assim considero importante a manifestação.

         Como é bom utilizar as instituições de Estado para promover campanha político-partidária com exibição de cartazes com palavras de ordem, bottons, slogans e palestras em prol de determinados candidatos e ideias partidárias. Como é bom estampar símbolos dos regimes “socialistas” dentro das instituições públicas. Mas a lei eleitoral não proíbe? Sim, proíbe. Dane-se a lei. Ela só serve para os outros.

          Diz o artigo 73, I da Lei 9504 de 1997: São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

       I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária”.

          Como é bom e legítimo protestar contra aquilo que nos oprime ou pode oprimir futuramente, desde que o protesto não oprima o direito dos outros.

          Defender o regime de Fidel é a mesma coisa que defender uma escola com partido único. A ideia de uma escola sem partido é a mesma da ideia de uma escola com partido único. O cerceamento das pluralidades, quaisquer que sejam estão no projeto dos dois tipos de escolas. Isto é um dos indicativos da ausência de democracia.

          Termino com outras perguntas: Por que tantos que deixaram o Brasil da ditadura de direita militar e defendem o regime castrista não se exilaram em Havana? Por que não buscaram uma ditadura de esquerda ao invés de se exilarem em nações democráticas da Europa? E mais, por que muitos brasileiros que enaltecem a liberdade de manifestação, ao mesmo tempo enaltecem um regime que ironicamente sempre cerceou as liberdades em geral?

            Ditadura é ditadura, não importa se o regime é de esquerda ou de direita. São todas iguais. Os ditadores têm as mesmas práticas, governam da mesma forma e aniquilam os outros se for preciso para conservar o poder. Nenhum deles merece aplausos. Merecem ser banidos para o baú da História, não como heróis, mas como pessoas nefastas incapazes de promover a rotatividade no poder.