“A IMAGEM DA MULHER OU A MULHER DA IMAGEM”? a mídia e a construção da imagem feminina .*

 

  Henrique Kaian Souza Fonseca**

      Idbas Ribeiro de Araujo

 

 

Sumário: Introdução; 1Construção social do papel feminino: um olhar histórico; 2 Contribuição dos movimentos feministas na (re)construção da idéia de gênero; 3 Mulher e Mídia: violência explícita de gênero. Conclusão; Referências.

 

RESUMO

Este trabalho consiste em uma investigação acerca da efetiva participação da mídia, sobretudo a televisiva, na construção da imagem da mulher. Quais são os reais interesses contidos nas veiculações que envolvem a figura feminina? Faremos uma abordagem sobre a construção histórica e social do gênero, estabelecendo uma relação com o grau de preocupação e participação da mídia nessa construção.

PALAVRAS-CHAVE

Mídia. Mulher. Violência de gênero.

 

INTRODUÇÃO

 

 

              Não é difícil perceber as diferenças estabelecidas pela sociedade ao longo dos tempos no que concerne aos gêneros (ou seria ao sexo?). Se grande parte da sociedade entende essas diferenças como sendo de ordem biológica, Vera Andrade[1] nos faz entender que estas concepções errôneas não passam de simples “simbolismo estereotipado e estigmatizante de gênero” onde homens e mulheres são influenciados por valores culturais e históricos e conduzidos a desempenhar papéis naturalmente aceitos como sendo do sexo.   

Em meio ao emaranhado de mecanismos utilizados para disseminação das construções sociais, reservaremos um lugar especial para a mídia e sua “pedagogia cultural”[2], responsável por criar e reafirmar práticas e identidades hegemônicas, uma vez que não podemos concebê-la como simples instrumento de veiculação e sim como produtora de discursos, significados e sujeitos.

A mulher, enquanto sujeito, ganha contornos diversos por parte da mídia que a legitima a partir dos discursos de especialistas a serviço de seus interesses. (normalmente econômicos).        

Partindo do pressuposto de que o gênero é construção social e histórica permeada por características de ordem biológicas, faz-se necessário comprometermo-nos a estreitar os laços entre a formação social do gênero e o interesse midiático nesta construção. 

    

2. CONSTRUÇÃO DO PAPEL SOCIAL FEMININO: UM OLHAR HISTÓRICO

Para conpreendermos a construção dos papéis sociais femininos é necessário elencar uma breve explicação do conceito de gênero. Segundo Vera Andrade ‘’o gênero será concebido como o sexo socialmente construído’’[3]. Ao gênero diz respeito à feminilidade e masculinidade, ou seja, os papéis sexuais socialmente construídos.

Depois de ressaltado o conceito de gênero, falaremos agora da construção social dos papéis femininos partindo da historicidade dessa construção até a visão da sociedade moderna.  

A colonização apresentou a miscigenação como tema principal das relações de gênero daquela época. Através da força, os portugueses tomaram as terras e as mulheres, mantiveram relações sexuais primeiro com as índias e depois com as escravas causando essa grande miscigenação.

Livres da fé controladora do catolicismo espanhol e da inibição dos protestantes ingleses percebe-se, através das relações sexuais que os portugueses mantiveram com mulheres africanas, a visão dos papéis dessas mulheres na época. Elas eram vistas como trabalhadoras e objetos sexuais.[4]

Com a vinda das mulheres brancas, prevaleceu o arquétipo do modelo mariano. Na era colonial as mulheres eram assexuadas e estavam limitadas as restrições da casa e da igreja. Eram vistas como fracas, submissas e sobretudo sem participação política e recebiam educação para cuidar da casa e criar os filhos.

As lutas para ampliação nos papéis sociais vieram no período imperial, quando as mulheres começaram a se apresentar em melhores posições no mercado e as lutas pelo trabalho, educação e por participação política ficaram mais visíveis. Com a mudança de século as mulheres ocuparam significativamente os espaços, mas o maior destaque foi a atuação delas no magistério, profissão tipicamente feminina por causa do modelo de Maria que sustenta o cuidado como característica natural das mulheres. Mas o pioneirismo das mulheres veio no século XX onde as possibilidades de igualdade com os homens viraram realidade ainda que não completamente. Destaca-se o direito ao voto como uma das vitórias principais da época pois representa, mesmo que parcial, a participação política das mulheres.

A sociedade brasileira moderna, tem uma visão do modelo patriarcal onde as mulheres devem ocupar o espaço privado tendo a função de cuidar dos filhos e de ser a unidadade sucessória, essa é a mulher honesta. Essa visão decorre do machismo, que no contexto brasileiro está ligado a hipermasculinidade.

Mesmo com a visão machista da sociedade brasileira não se pode deixar de reconhecer que o movimento das mulheres vem ganhando espaço, embora comedido em várias partes. ‘’O que nos cabe é verificar se a crescente liberdade das mulheres brasileiras se achará (na mídia) pelo modelo de Maria ou se teremos que intervir para descobrir novos arquétipos para mulher brasileira do futuro.’’[5]

3. A CONTRIBUIÇÃO DOS MOVIMENTOS FEMINISTAS NA (RE)CONSTRUÇÃO DA IDÉIA DE GÊNERO.

Existem diversas maneiras de representação da violência contra a mulher que passam despercebidas para a maioria da população brasileira. O que muita das vezes tem aparência agradável escamoteia interesses e legitima preconceitos de gênero.

Os movimentos feministas emergentes, responsáveis pela busca de direitos e equiparação de gêneros, despontaram como um dos principais investigadores do que podemos chamar de organização dos ideais de cada gênero.[6]

As condutas reiteradas desses movimentos abriram espaço para discursos públicos de assuntos relacionados à mulher. Tais discursos permitiram uma reflexão acerca das concepções de gênero vigentes até então e propiciaram o surgimento de diferentes correntes dentro do próprio movimento feminista.

As diferenças ideológicas, no entanto, não foram capazes de inerciar a luta pela igualdade de gêneros, visto que, a essência dos que se dispuseram encarar esse problema histórico era a liberdade feminina em todos os aspectos.

A diferença considerada biológica que por tanto tempo inferiorizou a figura feminina, tornando-a sinônimo de simplorismo, ganhou contornos de revolta e inconformismo e teve reflexos diversos.             

        

1.  MULHER E MÍDIA: VIOLÊNCIA EXPLÍCITA DE GÊNERO

Ao longo dos últimos séculos a mídia nas suas mais diversas formas tem despontado como importante mecanismo de controle social, responsável por mudanças significativas no seio da sociedade.

As veiculações oriundas do meio midiático são reflexos da cultura daqueles que as produzem a partir de observação daqueles a quem elas alcançam. No entanto é possível perceber a prioridade dada às vozes hegemônicas quando tratamos de temas emergentes e não menos importantes dos que estão vigentes (a imagem feminina, por exemplo).

Neste contexto, a mídia passa a exteriorizar as concepções consolidadas ou em fase final de consolidação, muito embora tais concepções possam ser fruto de sua “pedagogia cultural”, permeada por interesses econômicos.

Produtos de mídia, especialmente artefatos audiovisuais de grande público, tendem a refletir mudanças nas expectativas sociais quanto ao papel desempenhado pela mulher apenas quando essas mudanças estão em vias de consolidação, ou seja, quando estão próximas de se tornarem conquistas de fato, incorporadas ao cotidiano de homens e mulheres, pelo menos nos grandes centros urbanos[7]  

Fruto da construção social, da qual ela é parte, reproduz a imagem de uma mulher biologicamente frágil, estritamente inferior ao homem em diversas áreas, com raras exceções em se tratando de atividades de cunho doméstico e estético.

Os padrões de beleza estimulam verdadeiras penitências e movimentam um mercado cosmético promissor estimulado pelo marketing.

A prolixidade em torno da fragilidade faz despertar uma idéia de dependência de gênero, onde o masculino parece complementar o feminino, chegando a tornar-se indispensável, gerador de satisfação pessoal.

As iniciativas sexuais por parte da mulher, normalmente traduzem uma conduta reprovável e são atribuídas a mulheres que não possuem um caráter exemplar.

A independência financeira é parceira da solidão, da frieza, da dureza, e de tantas outras características que afastam desta mulher sua sensibilidade enquanto pessoa. É como se esta mulher estivesse condenada a viver eternamente a mercê da ideologia do patriarcado[8], com papéis secundários pertinentes apenas ao gênero dominante, expressando uma violência controladora[9] legitimada, tão bem manipulada, que chega a ser digna de aplausos quando expressa em forma de filmes e telenovelas.

O que dizer então da exploração e ridicularização do corpo feminino, principalmente em se tratando de comerciais de TV? (comerciais de cerveja, por exemplo). A imagem da mulher, nem de longe se compara à mulher da imagem. Os belos contornos (frutos da construção social) estão impregnados ao prazer do consumismo. Seja qual for o produto, haverá sempre o acompanhamento (a mulher), sem o qual será impossível ter uma “refeição” completa.

Os discursos contraditórios acerca das personagens criadas, geradores de incertezas e angústias, escamoteiam o interesse de aquecer o mercado editorial e a procura por profissionais que ajudem na atenuação das incertezas. Esses discursos normalmente são veiculados em programas de grande audiência e abertos à participação do público (feminino em sua maioria).

 A mídia em quase todas as suas produções tem tentado estabelecer padrões ultrapassados de reprodução da imagem feminina, alcançando-as em todas as áreas e no mais das vezes violentando-as, mesmo quando lhe dá “papel de destaque”, visto que o referencial sempre parece ser a figura masculina.   

 

 

CONCLUSÃO

 

            Em meio aos avanços oriundos das lutas sociais de reconstrução da idéia de gênero, encabeçadas pelos movimentos feministas, percebemos uma disseminação desenfreada da mídia que violenta sorrateiramente a imagem da mulher, fundamentada na ideologia patriarcal e nos interesses econômicos provenientes do massacre causado por essa ideologia.

Um poderoso dispositivo pedagógico[10], que vem colocando a mulher em constante situação de falta. Um sujeito incompleto, dependente de outro gênero que busca igualar-se ao homem, como se este fosse o referencial a ser alcançado.   

E faz isso de forma legitimada socialmente, com doses de humor e entretenimento que encanta os olhos e ouvidos, inclusive, de quem deveria ser a mais interessada (a mulher).

Neste contexto, faz-se necessário um olhar especial (não de censura) a respeito do conteúdo midiático, a fim de não legitimarmos práticas violentadoras de gênero e concebermos a mídia como um ser inocente, pois não o é.

       

REFERÊNCIAS

 

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sexo e Gênero: a mulher e o feminino na criminologia e no Sistema de Justiça Criminal. Boletim IBCCRIM, v 11, fas. 137, abril, 2004. p.1.

________. Sistema penal máximo X cidadania mínima: códigos de violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora ,2003.

FISCHER, Rosa Maria Bueno. Mídia e Educação da Mulher: Uma discussão teórica sobre os modos de enunciar o feminino na TV. Artigo do trabalho intitulado “Subjetividade feminina e diferença na mídia televisiva”, apresentado no X COMPÓS – 10º Encontro Anual da Associação dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, realizado em Brasília (DF), em maio/junho de 2001. p.591

MAGALHÃES, Joanalira Corpes; RIBEIRO, Paula Regina. Gênero e mídia: analisando a rede de discursos neurocientíficos em programas de TV. Anais Seminário Internacional Fazendo Gênero 8: Corpo, violência e poder, 2008, p. 01-02. Florianópolis.

DUARTE, Rosália. Mídia e identidade feminina: mudanças na imagem da mulher no audiovisual brasileiro da última década. Revista Virtual Mídia e Educação

SOUZA, Eros de; BALDWIN, John R; ROSA, Francisco Heitor da.  A Construção Social dos Papéis Sexuais Femininos. Psicologia: Reflexão e Crítica, 2000, 13(3), pp.485-496.

SANTOS, Cecília MacDowell; IZUMINO, Wânia Pasinato. Violência contra as Mulheres e Violência de Gênero: Notas sobre Estudos Feministas no BrasilE.I.A.L. Estudos Interdisciplinares da América Latina e do Caribe. Universidade de Tel Aviv, 2005.



* Artigo científico apresentado à disciplina de Criminologia do 2º período vespertino do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco ministrada pela professora Carolina Pecegueiro para obtenção de nota.

** Alunos do 2º período vespertino do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[1] ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sexo e Gênero: a mulher e o feminino na criminologia e no Sistema de Justiça Criminal. Boletim IBCCRIM, v 11, fls. 137, abril, 2004. p.1-2.

[2] MAGALHÃES, Joanalira Corpes; RIBEIRO, Paula Regina. Gênero e mídia: analisando a rede de discursos neurocientíficos em programas de TV. Anais Seminário Internacional Fazendo Gênero 8: Corpo, violência e poder, 2008, p. 01-02. Florianópolis.

[3] ANDRADE. Op. Cit.

[4] SOUZA, Eros de; BALDWIN, John R; ROSA, Francisco Heitor da.  A Construção Social dos Papéis Sexuais Femininos. Psicologia: Reflexão e Crítica, 2000, 13(3), pp.485-496.

[5] Ibdem.

[6] FISCHER, Rosa Maria Bueno. Mídia e Educação da Mulher: Uma discussão teórica sobre os modos de enunciar o feminino na TV. Artigo do trabalho intitulado “Subjetividade feminina e diferença na mídia televisiva”, apresentado no X COMPÓS – 10º Encontro Anual da Associação dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, realizado em Brasília (DF), em maio/junho de 2001. p.591

[7] DUARTE, Rosália. Mídia e identidade feminina: mudanças na imagem da mulher no audiovisual brasileiro da última década. Revista Virtual Mídia e Educação

[8] ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo X cidadania mínima: códigos de violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003.

[9]Ibdem.

[10] FISCHER. Op. cit