A IDENTIDADE TRÁGICA NO CONTO VENHA VER O PÔR - DO ? SOL DE LYGIA FAGUNDES TELLES COMPARADA AO MITO DE NARCISO
Janete Strutz¹
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RESUMO


O presente artigo objetiva apresentar uma análise do conto "Venha ver o pôr-do-sol", de Lygia Fagundes Telles, integrante da obra: Antes do baile verde (1970). Uma combinação de suspense e morbidez conduz o conto a um final marcante e trágico, onde o leitor pode identificar uma mistura de inocência e mesquinhez em contrapartida à ironia, amor e ódio, conduzidos pela premeditação da crueldade e da vingança.

Palavras-chave: Venha ver o pôr do sol. Lígia Fagundes Telles. Trágico.


1. INTRODUÇÃO



No contexto deste conto há uma identidade subversiva de inversão de valores, onde o amor e o carinho de Ricardo por Raquel se transformam em ódio e vingança, pois ela trata-o com desprezo, enquanto ele, fazendo uso da ironia e se aproveitando de sua inocência, a convida para ver o pôr-do-sol mais lindo de sua vida. No entanto, tem em sua mente mísera, a fantasia de tê-la e não permitir que essa seja de mais ninguém, deste modo, cria uma estratégia para levá-la a um passeio onde acarreta a tragédia, pois ele a prende em um jazigo e sai a passos curtos em direção a saída enquanto seus gritos iam sendo abafados pelas profundezas da terra.



2. DESENVOLVIMENTO DA OBRA VISANDO A TRAGÉDIA



Tendo surgido provavelmente em meados do século VI a.C., a tragédia é o gênero mais antigo. Os temas da tragédia eram sinônimos da religião ou das sagas dos heróis. A maioria das tragédias retrata a queda de um herói, muitas vezes, atribuída à sua arrogância.
A tragédia clássica é um gênero nobre, cultivado inicialmente na Grécia. As personagens ilustres protagonizam uma ação recheada de atitudes nobres, de coragem, mas em que o protagonista, pessoa justa e sem culpa, caminha em direção à desgraça ou à morte, vítima de um destino que não consegue vencer.
Comumente, entre nós, modernos, a palavra "tragédia" tornou-se uma aplicação costumeira para designar um acontecimento doloroso, catastrófico, acompanhado de muitas vítimas, ou ainda para descrever o desenlace de uma paixão qualquer que redundou num horrível assassinato. Para os gregos, entretanto, tragikós era outra coisa. A tragédia definia acima de tudo uma forma artística, ou algo que somente ocorria entre as grandes personagens.
Pode-se dizer que um espetáculo trágico apresenta certas características facilmente identificadas pelo público. Em primeiro lugar, deve-se deixar clara a dignidade da queda, ou seja, a dignidade incontestável da personagem. O herói sempre será reconhecidamente grande, importante, que consegue manter a integridade moral mesmo em situações altamente adversa. Não se entende como tragédia o caso da vítima ser alguém sem vontade, conduzido como se fosse um deficiente para a desgraça, uma marionete inconsciente dos deuses. E, por último, a tragédia resulta de uma falta absoluta de solução.
A obra Venha ver o pôr do sol, conta a história de Raquel e Ricardo, dois jovens namorados, que por acaso do destino são levados a separação. Raquel troca-o por um homem mais velho e Ricardo inconformado a convida para ver seu último pôr-do-sol, onde já tinha tudo premeditado para matá-la. Mesmo casada com um homem rico e ciumento, Raquel vai ao encontro de Ricardo, que, depois de rejeitado e vivendo na pobreza, insistiu para que juntos assistissem a um último pôr-do-sol.
O desenrolar da história é tomado por um ambiente frio e assustador, inuciosamente descrito pela autora. O astuto e misterioso rapaz usa de carícias, enquanto impele-a a prosseguir por entre caminhos escuros e desolados.
Desta forma encontramos duas estórias num mesmo conto: uma estória romântica e inocente, que se desenvolve em primeiro plano, e uma trágica, num segundo momento, mas não menos importante, e que provoca todo entrelaçamento da trama de modo surpreendente. O conto possui inúmeras ambigüidades, que vão desde a estrutura de construção do texto, o sentimento dos personagens.
Ricardo convence Raquel a entrar em um cemitério abandonado, com o pretexto de que lá poderão assistir ao pôr-do-sol mais lindo do mundo. Embora Ricardo declare ainda amar Raquel, o que ele realmente quer é vingar-se dela.
O desfecho do conto é trágico, Raquel é trancada e abandonada em uma catacumba que Ricardo dizia ser de seus familiares. O narrador apresenta indícios de que há algo de sombrio no conto, mas, ao mesmo tempo, disfarça tais indícios para que o leitor não desconfie do desfecho.



3. EXPLORANDO A DEFINIÇÃO DO MITO, E SUA REPRESENTAÇÃO DO MUNDO E DO HOMEM


Muitas pessoas entendem o mito como histórias falsas, mas o que ele faz é transmitir um significado a um fenômeno que ocorra na terra e com os seres humanos. Platão e Aristóteles disseram que o mito tornou-se um ponto de vista comum entre a filosofia e a religião e foi com os mitos que os filósofos iniciaram suas reflexões.
Segundo Mircea Eliade, a tentativa de definir mito é a seguinte:
"O mito é uma realidade cultural extremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada em perspectivas múltiplas e complementares....o mito conta uma história sagrada, relata um acontecimento que teve lugar no tempo primordial, o tempo fabuloso dos começos...o mito conta graças aos feitos dos seres sobrenaturais, uma realidade que passou a existir, quer seja uma realidade tetal, o Cosmos, quer apenas um fragmento, uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, é sempre portanto uma narração de uma criação, descreve-se como uma coisa foi produzida, como coeçou a existir..." (ELIADE, 2002, p. 12/13)
É difícil encontrarmos uma definição para mito, pois, o mito conta uma história histórica, sagrada, ele revela um acontecimento ocorrido em tempos remotos, podendo ser fabuloso, ou alicerçado na realidade. Está diretamente ligado a religião, transmitindo mensagens que levam o leitor a uma profunda reflexão sobre seu "eu" e sobre sua existência, faz você olhar para dentro de si, refletir sobre a experiência de estar vivo e captar o significado dos símbolos. Trata-se de uma simbolização da religião e da sabedoria prática, algo vital à civilização humana que se recorre constantemente.
O mito, no entanto, é uma linguagem apropriada para a religião. Isso não significa que a religião, tampouco o mito, conte uma história fantasiosa, mas que ambos traduzem numa linguagem baseada na plasticidade, isto é, em descrições e narrações, uma realidade que transcende o senso comum e a racionalidade humana e que, portanto, não cabe em meros conceitos analíticos.
Não importa, do ponto de vista do estudo da mitologia e da religião, que Narciso não tenha realmente apaixonado por sua figura refletida na agua, nem que Deus não tenha criado o ser humano a partir do barro. Religião e mito diferem, não quanto à verdade ou falsidade daquilo que narram, mas quanto ao tipo de mensagem que transmitem.


4. ANÁLISE COMPARATIVA DO CONTO "VENHA VER O PÔR DO SOL" DE LÍGIA FAGUNDES TELES COM O "MITO DE NARCISO"



Numa análise mais profunda do conto Venha ver o pôr do sol, de Lygia Fagundes Telles, podemos notar que existe algumas semelhanças com o mito de Narciso. As personagens principais das duas histórias são providas de desejos que despertam a vontade de possui os seus enamorados. Sendo admirados e desejados, causam ciúmes ou inveja, que por sua vez provoca a raiva e a revolta.
No caso de Narciso sendo admirado pelas Ninfas acaba por ignorar o amor da Ninfa Eco provocando nela o desejo de vingança. Já Raquel, personagem do conto "Venha ver o pôr-do-sol", rejeita o amor de Ricardo, que é pobre, para se casar com outro homem que é rico causando em Ricardo um forte desejo em não ver este relacionamento seguir adiante, desta forma provoca sua desgraça, acabando com a vida de Raquel.
Também podemos destacar como semelhança, o fato da história trazer elementos trágicos, onde, Narciso sofreu a ira de Nêmesis, sendo amaldiçoado, por não aceitar o amor de Eco, sendo assim, não foi em vão o sofrimento da ninfa, pois do alto, do Olimpo, a deusa Nêmesis vira tudo o que se passou, e, como punição, condenou Narciso a um triste fim, que não demorou muito a se realizar e com sua morte cumpriu seu triste destino.
Raquel também é punida por recusar o amor de Ricardo. Atraída por ele até um cemitério abandonado, ele a tranca em um jazigo, que por sua vez, condenada a morrer por recusar o amor dele, punida e abandonada a morrer solitária e aos poucos se definhando, no vazio com o passar dos dias.
A tragédia é usada como punição das personagens que por serem tão egocêntricos, devido à grandiosa beleza que possuíam, eles estiveram o tempo todo presos a si mesmo, que não tiveram capacidades de olhar para a outra pessoa, sendo incapazes de amar.
As punições são o ponto alto das narrativas acima, onde cada uma das personagens, são julgadas por seus algozes, recebem como castigo a morte lenta e certa. Cada antagonista cumpre com sua sina: a de interpretar, julgar e condenar, pondo um final trágico as sua narrativas.
Desta forma, o mito não se desfaz, ele permanece e se fortalece com o passar dos anos, tornando-se numa linguagem plástica, onde o sentimento é compartilhado por todos, ou seja, em descrições e narrações de uma realidade que transcende o senso comum e a racionalidade humana e independe de aceitação como falsidade verdade absoluta.


5. CONCLUSÃO



Na narrativa de Lygia Fagundes Telles, o reconhecimento acontece no momento que a personagem Raquel vê a fechadura, e toma conhecimento que ela é nova, ou seja, foi colocada por ele, com o objetivo de deixá-la naquele lugar.
Nesse momento a personagem toma conhecimento do propósito de Ricardo, e também o leitor percebe o desfecho da narrativa. O narrador apresenta-nos a reação de Raquel diante do reconhecimento. Nota-se o comportamento de uma pessoa que está perdendo a vida, e é esse o objetivo do narrador, mostrar que o fim da personagem chegou.
Podemos concluir neste estudo que, são vários os caminhos que levam as pessoas a destruirem aos outros que estão a sua volta, quando se veem afastados de sua fonte de amor.
A indiferença com que as personagens Raquel e Narciso apresentam em relação aos seus pares, provoca uma reação, que por sua vez culmina com a morte trágica dos mesmos.
Essa mesma indiferença acarreta o desgaste na relação com o outro que leva a caminhos extremos e sem volta, configurada como um dos principais motivos que levam à desgraça e até mesmo uma fase onde o individuo se encontra sem saber onde é o limite entre ele e o outro.
No mito, Narciso, não consegue separar a figura que vê da figura que emite o reflexo. No conto, Ricardo, no seu íntimo acredita que se Raquel não pode ser dele não será de mais ninguém. Tão pouco podemos destacar, que, o ataque ao bem amado, não justifica a sua perda, mas assegura a "justiça" por têr-lhes causado dor e sofrimento.
De forma que o ataque a pessoa desejada é vista como defesa à fonte causadora de ciúmes e sofrimento, enfim, esse ataque, passa a ter um mecanismo de conservação, ou seja uma forma de se manter vivo.



ABSTRACT


This article intends to present an analysis of the short story "Come and see to the sunset" by Lygia Fagundes Telles, part of the work: Before the green ball 92007). A combination of suspense and morbid tale leads to a remarkable and catastrophic end, where the reader can identify a mixture of innocence and pettiness in contrast to the irony, love and hatred, led by the forethought of cruelty and vengeance.

Keywords: come and see to the sunset. Lígia Fagundes Telles. Tragic.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ELIADE, Mircea. Aspectos do Mito, Edições70, Lisboa. 2007.
NETO, David Azoubel. Mito e Psicanálise: Estudos Psicanalíticos sobre formas primitivas sobre formas de pensamentos. Ed. Papirus, São Paulo: 1993
ROSENFELD, Anatol. Debates: O mito e o Herói no moderno teatro brasileiro. Ed. Perspectiva. 2°Edição: São Paulo, 1996.
VASCONCELOS, Paulo Sérgio de. Mitos Gregos. Ed. Objetivo, São Paulo; S/d

SITES ACESSADOS em 15/12/2010
http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/tragedia_grega1.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Trag%C3%A9dia
http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=7767