Abordagens teórico-metodológicas de historiadores como E. P. Thompson, Christopher Hill e Natalie Zemon Davis, que praticam a chamada “história vista de baixo”. 

Um olhar sobre a “história vista de baixo”

A História antes contada apenas a partir da visão das elites, agora passa a voltar sua atenção para as pessoas “comuns”. Surge aí a chamada história vista de baixo, onde homens e mulheres que tinham suas histórias ignoradas e eram silenciados, começam a ser ouvidos. A massa passa agora a ter suas experiências consideradas importantes pela historiografia.

Christopher Hill usava como personagens de seus escritos as pessoas que faziam parte de um mundo diferente das chamadas “elites”. No seu entendimento, as elites já eram demasiadamente retratadas, é na revolução inglesa que ele se utiliza com mais abundância dessa perspectiva para falar da história vista de baixo, textualmente Hill diz que “Podemos descobrir que os homens e mulheres obscuros que aparecem neste livro, junto com alguns menos obscuros, falam mais diretamente a nós que Carlos I ou Pym ou o general Monk, que nos manuais figuram como os autores da História”. (HILL, 1987. p.35).

Assim, baseados nas idéias de Christopher Hill historiadores como E. P. Thompson e Natalie Zemon Davis passam a dar ênfase a questões antes deixadas de lado pelos historiadores, que anteriormente se preocupavam em abordar a história social vista a partir “dos grandes nomes”.

Jim Sharpe, por exemplo, estimulado pela história das massas estuda a Revolução Francesa, em especial a Batalha de Waterloo que veio a derrotar o exército comandado por Napoleão Bonaparte, levando em consideração não o Duque de Wellington (que comandou a batalha), mas sim as cartas de um soldado raso (William Wheeler) à sua esposa. Ou seja, Sharpe realizou uma história numa perspectiva oposta aquela que até então era feita, a das elites.

O autor Eduardo Thompson é um defensor do ponto de vista da história vista de baixo. Na sua concepção a história deve ser contada, não somente levando em consideração os “grandes fatos” da história oficial e seus heróis, mas, sobretudo pela observação dos fatos ocorridos com pessoas que fazem parte da massa esquecida, entre eles: os operários, os camponeses, os artesãos, etc.

Em 1966 esta nova abordagem da história começou a vir à tona com mais fervor em decorrência de um artigo publicado por Edward Thompson sobre “The History from Below”em The Times LiterarySupplement. Este artigo veio a expandir os estudos da história para aqueles cuja suas experiências haviam sido até então negligenciadas pela historiografia tradicional.

Em decorrência da escassez de fontes documentais, historiadores que tentam estudar as experiências das pessoas ditas “de baixo”, tem constantemente recorrido ao uso da história oral que embora, muitas vezes, as fontes orais não sejam consideradas objetivas, não as torna inútil, muito pelo contrário. Pois ela permite aos historiadores chegarem muito perto das experiências das pessoas pertencentes às classes ditas inferiores. Como foi o caso de Carlo Ginzburg na sua obra “O queijo e os vermes”.

            A história oral utiliza técnicas que possibilitam a organização de um acervo de relatos de história de vida que, no seu conjunto, levam à recuperação da identidade coletiva e da memória da comunidade. São os sentimentos de pertencimento a um grupo, garantido por imagens ou símbolos, que permitem o reconhecimento do outro como a si mesmo. Esse reconhecimento pode ser visualizado a partir da gravação sistemática (de som e imagem) de depoimentos de personagens singulares, atribuindo importância a grupos que antes não eram trabalhados pela historiografia. Diante da sua grandiosidade, a história oral, não poderia deixar de fazer parte desse novo campo da história que tenta dar vida e voz as pessoas comuns de todas as sociedades.

Historiadores como Thompson e Davis, em seus trabalhos sobre a violência da massa tornaram-se essencial para definir e formar uma nova abordagem cultural da história social.

Para iniciarem suas pesquisas históricas, Thompson e Davis deram ênfase a uma idéia central, a cultura, pois esta serviria como papel motivador para a transformação da história. Logo, utilizaram como ponto de partida as idéias tradicionais do marxismo, embora desconsiderando algumas delas, como as “tradicionais” interpretações sobre as forças sócio-econômicas como pontos fundamentais e determinantes para a criação histórica.

Para Davis seria preciso uma maior amplitude de grupos dentro da sociedade, não se deter apenas sobre a situação sócio-econômica da elite, mas analisar os pequenos grupos que por muito tempo vêem sendo excluídos do contexto histórico. Davis pretendia entender o papel e a função desta massa e qual a influência e contribuição que esta tinha para a formação da sociedade.

Enquanto isto, Thompson se relaciona com o marxismo de forma mais complexa e mais direta que Davis, pois ele acredita que seu projeto é uma espécie de reabilitação do marxismo empregado por Marx, com alguns ajustes em relação ao silêncio que Marx deixou quando se diz respeito às mediações morais e culturais, embora Thompson não negue a importância desta visão marxista, o que ele deseja de fato é “examinar” o modo como essas experiências materiais são abordadas culturalmente. Além disso, ele encontra mais um ponto marxista que acredita ser preciso uma redefinição, desta vez, como Marx utiliza o termo “classe”, pois Thompson vê a classe como uma categoria histórica que descreve pessoas em termos de seu relacionamento ao longo do tempo e não como era descrita por Marx, pois este considerava a classe como sendo a posição dentro da estrutura econômica ou da relação como os meios de produção.

Outro campo de estudo que estes historiadores utilizam é o da antropologia cultural, que tem por objetivo estudar o homem e as sociedades humanas na sua vertente cultural. Uma das suas questões centrais é a representação, pela palavra ou pela imagem, assim, o estudo da espécie do signo na comunicação humana, tornou-se uma preocupação maior. O signo na linguagem humana e, na representação iconográfica são pontos de partida para o desenvolvimento dessa ciência. Ela propõe conhecer o homem enquanto elemento integrante de grupos organizados. Além disso, volta-se especificamente para o homem como um todo: sua história, suas crenças, usos e costumes, filosofia, linguagem, características psicológicas, valores éticos etc.

            Serviu como fonte de inspiração para historiadores preocupados em fazer a história das massas, pois, alguns de seus métodos enfatizam elementos culturais sobre os de natureza sócio-econômica além de maneiras para se refletir e examinar as “interações informais”.

Davis utilizou como meio de pesquisa a antropologia a principio como uma forma de refletir sobre os rituais dentro dos sindicatos primitivos, depois buscou compreender os elementos que desencadeavam a prática religiosa. Enquanto E. P Thompson se deteve a uma antropologia simbólica, a qual inicialmente desconfia como instrumento de analise e posteriormente passa a atribuir a ela um grande potencial, a voltar sua atenção para os vários costumes da sociedade que compunha o século XVIII. Como indica a citação:

Thompson, porém, insiste em que a metodologia da antropologia simbólica

deve ser reformulada para levar em conta a transformação histórica, a particularidade contextual e o cuidado empírico. Acima de tudo, deve incorporar também uma consciência marxista dos conflitos de classe. (DESAN, 2001. p. 72)

           

Suzanne Desan, com esta citação, quer mostrar que Thompson tem interesse pela existência e atitude e não pela transformação e causalidade e que para ele a experiência é determinada pelo ser social. Quando Desan fala que Thompson tinha uma consciência marxista dos conflitos de classe é uma referência ao engajamento que ele tinha com o partido comunista, do qual era membro e que em seu relacionamento com as classes sociais ele, Thompson, postula uma interação dialética entre “experiência” e “consciência social”.

Assim Thompson e Davis fazem uso de conceitos como: experiência, comunidade e legitimidade, economia moral ou modelo paternalista, consenso comunitário e reciprocidade para embasar suas pesquisas sobre as massas como um todo, mostrando que entre outros, camponeses, artesãos e operários têm suas histórias vinculadas ao mundo.

Referências bibliográficas

DESAN, Suzanne. Massas, comunidade e ritual na obra de E. P Thompson e Natalie Davis. In: HUNT, Lynn. A Nova História Cultural. 2ª ed. São Paulo: Martins fontes, 2001. p.63-96.

SHARPE, Jim. A história vista de baixo. In: BURKE, Peter. (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992. p.39-62.

RILL, Christopher, O mundo de ponta-cabeça: ideias radicais durante a revolução inglesa de 1640. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p.29-55.