A exploração infantil em trabalhos domésticos¹

Jéssica Gaspar Miranda²

 Sumário: Introdução; 1 Evolução dos direitos humanos e as providências para garantir seu respeito; 2 Direitos fundamentais: garantias constitucionais; 3 Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente: tentativa de assegurar a garantia de direitos; Conclusão, Referências.

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo fazer uma abordagem sobre a exploração da criança e do adolescente, fazendo primeiramente uma abordagem da Constituição e dos direitos por ela estabelecidos; e após, demonstrar, através dos resultados da pesquisa feita no Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente, o que é feito para buscar amenizar essa exploração e os seus efeitos.

 PALAVRAS-CHAVE: Exploração Infantil. Direitos Fundamentais. Garantias constitucionais. Cidadania mínima.

 Introdução

 Não é de hoje, que nota-se a necessidade de muita gente, de buscar meios de maior obtenção de lucros, ou pelo menos, de não ter tanto prejuízo quanto aos gastos com mão-de-obra. Ao longo dos anos, pôde-se observar a grande busca pela mão-de-obra mais barata, mais desvalorizada possível, que faz com que muitas pessoas não tenham escrúpulos quanto à utilizar-se de crianças e adolescentes para fazer trabalhos pesados, aproveitando-se da própria necessidade destes, pagando muito menos do que deveriam e muito menos do que realmente vale o trabalho feito por eles; nascendo assim, a exploração do trabalho infantil.

  ¹ Paper elaborado à Disciplina de Sociologia Jurídica, ministrada pelo Professor César Choairy, para obtenção da terceira nota.

² Aluna do curso de Direito Noturno da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

Mesmo com uma nova Constituição que tenta assegurar os direitos de cada uma dessas pessoas, a exploração até hoje é algo muito comum, seja nos campos ou nos interiores, seja em casas de famílias.

 1 Evolução dos direitos humanos e as providências para garantir seu respeito.

 Quando se fala na evolução dos direitos humanos, fala-se em três etapas principais: primeiramente, os direitos de liberdade foram afirmados, o que se refere a todos os direitos que tendiam a limitar o poder do Estado, reservando mais liberdade ao indivíduo; após, foram propugnados os direitos políticos, tornando cada vez maior, a participação dos membros da comunidade no poder político; e por último, foram promulgados os direitos sociais, que vem como forma de demonstrar o amadurecimento dos direitos, dos anseios do indivíduo, trazendo uma liberdade através ou por meio do Estado. Segundo Bobbio¹:

 “Quando os direitos do homem eram considerados unicamente como direitos naturais, a única defesa possível contra a sua violação pelo Estado era um direito igualmente natural, o chamado direito de resistência. Mais tarde, nas Constituições que reconheceram a proteção jurídica de alguns desses direitos, o direito natural de resistência transformou-se no direito positivo de promover uma ação judicial contra os próprios órgãos do Estado. Mas o que podem fazer os cidadãos de um Estado que não tenha reconhecido os direitos do homem como direitos dignos de proteção? Mais uma vez, só lhes resta aberto o caminho do chamado direito de resistência.”

 Sabe-se que hoje há várias maneiras de fazer com que o seu direito seja efetivamente respeitado; e daí a importância de conhecê-lo, saber da existência de pessoas que o desrespeitam e saber como agir frente a essas pessoas. Pensando na forma de agir perante os agressores, surge o direito penal, que tem uma missão diferente da que buscamos ao estabelecer os nossos direitos, ao desejarmos ser considerados como cidadãos. E dessa idéia do direito penal versus a cidadania, tem-se uma ótima explicação da Vera Andrade², como forma de esclarecer o que ansiamos com cada um deles:

¹ BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 5ª ed. São Paulo: Campus, 2004.

² ANDRADE, Vera. Sistema Penal Máximo x Cidadania Mínima: códigos de violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

“Enquanto a cidadania é dimensão de luta pela emancipação humana, em cujo centro radica o sujeito e sua defesa intransigente, o sistema penal (exercício institucionalizado do poder punitivo) é dimensão de controle e regulação social, em cujo centro radica a reprodução de estruturas e instituições sociais, e não de proteção do sujeito, ainda que em nome dele fale e se legitime; enquanto a cidadania é dimensão de construção de direitos e necessidades, o sistema penal é dimensão de restrição e violação de direitos e necessidades; enquanto a cidadania é dimensão de luta pela afirmação da igualdade jurídica e da diferença das subjetividades; o sistema penal é dimensão de reprodução da desigualdade e de desconstrução das subjetividades; em definitivo, enquanto a cidadania é dimensão de inclusão, o sistema penal é dimensão de exclusão social.”

 2 Direitos fundamentais: garantias constitucionais

 Sabemos que a nossa Constituição traz em seu texto, os direitos e as garantias fundamentais de cada cidadão brasileiro; e segundo o art. 5º desta “todos são iguais perante a

lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, á igualdade, à segurança e à propriedade...”.

 O sociologismo constitucional tem como um de seus fundamentos a afirmação de que a Constituição é primordialmente uma forma de ser; e não de dever-ser; devendo ser cumprido o que é estabelecido por esta, pois não deve ser apenas uma folha de papel alheia à nossa realidade. Portanto, “o problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um direito que se gostaria de ter”, conforme dito por Nietzsche.¹ Dessa maneira, deveria a Constituição ser capaz de assegurar a todos, inclusive às crianças, os direitos que são considerados como garantias fundamentais e são por nós desejados. Para o mesmo autor, “partimos do pressuposto de que os direitos humanos são coisas desejáveis, isto é, fins que merecem ser perseguidos, e de que, apesar de sua desejabilidade, não foram ainda todos eles (por toda a parte e em igual medida) reconhecidos.”.

¹ NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral: Uma polêmica. 10ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

Assim, segundo Hans Kelsen¹, “o objetivo do ordenamento jurídico é, portanto, o de motivar os homens a uma conduta, através da representação desse mal que os ameaça, no caso de uma determinada conduta, uma conduta contrária”; ou seja, o objetivo seria o de fazer com que os homens não quebrassem esses direitos, como forma de garanti-los e fazê-los cada vez mais presentes e reconhecidos por nós. Esta mesma Constituição deveria assegurar o cumprimento de nossos direitos, até mesmo, pelo que é trazido por José Afonso da Silva², que diz que:

 “...para Miguel Reale, a fonte, a origem da ordem institucional positiva, deve procurar-se na própria realidade social, em seus estratos mais profundos. As constituições, assim, não são meros produtos da razão, como diriam os racionalistas; algo inventado ou criado pelo homem, ou por ele deduzido logicamente de certos princípios, como pretendem os formalistasem geral. Aocontrário,  são resultados de algo que se encontra em relação concreta e viva com as forças sociais, em determinado lugar  e em determinada  conjuntura histórica...”

 E, portanto, não deveria haver tanta quebra de direitos, por estes serem resultado de toda uma evolução história de luta a favor destes, para que estes fossem consagrados; ao longo dessa história, buscou-se a justiça, que se pode denominar como a “felicidade social” e tentou-se estabelecê-la no próprio ordenamento jurídico, tornando o direito como reflexo do fato natural como fato consciente dos homens que criam, seguem ou violam normas jurídicas (Hans Kelsen, 2007).

 3 Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente: tentativa de assegurar a garantia de direitos

 O Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente é um órgão que trabalha na garantia dos direitos destas pessoas; e não na execução em si, recebendo denúncias e tomando medidas de proteção quanto a esses direitos. Ao chegar ao Conselho, foi feita uma entrevista com um dos conselheiros, chamado José Ribamar Lessa, no sentido de buscar alguns esclarecimentos quanto a esse tipo de exploração, o que é feito para proteger esses direitos, qual a assistência dada ao agredido e quais as providências tomadas quanto ao agressor. Assim, podemos saber

¹ KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 5ª ed. São Paulo: RT, 2007.

² SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

que o Conselho se responsabiliza pelo agredido; enquanto normalmente, o agressor é levado ao judiciário, à delegacia. Primeiramente, o Conselho dá uma advertência ao possível agressor, nos fazendo questionar se isso ameniza ou diminui o acesso ao judiciário. Muitas vezes não; pois uma vez capaz de agredir e explorar a criança, o agressor continua a fazê-lo. Dessa maneira, uma vez tendo ciência da violação desses direitos e depois de averiguada a denúncia, age em função de resolver os problemas causados à criança e ao adolescente, além de tomar medidas contra o violador. Portanto, caminha-se no sentido da justiça.

  Sabe-se que a maioria das denúncias são anônimas, sendo raras as que são feitas por quem é agredido; mas, o que se percebe, é que geralmente o agredido procura a delegacia não pela exploração, mas sim, por algum tipo de agressão; pois a exploração doméstica, em sua maioria quase absoluta, é acompanhada de lesões físicas, como surras e exploração sexual. E isso seria uma forma de saber quando a criança ou o adolescente é realmente explorado pela família ou por outros, caracterizando assim, a exploração no âmbito familiar pela própria família.

 Por tanta violência e exploração, muitas vezes o adolescente não quer retornar ao seio familiar; e é aí que entra o projeto da Família substituta ou Família acolhedora, que é um projeto de idéia provisória, onde a criança fica por um tempo sob os cuidados de outra família, ou seja, procura-se outro tutor, devendo resolver esta situação judicialmente. Apesar dessa medida, faz-se um trabalho de tentativa de retorno ao seio familiar. 

 Apesar de tantas mazelas envolvendo esses casos de violência, eles podem acabar por incentivar ou intensificar a adoção de crianças sem vínculo familiar, ao invés de deixá-las na rua.

 Conclusão

 A partir da análise feita por este trabalho, percebeu-se que os direitos humanos, principalmente os das crianças e adolescentes, não são plenamente reconhecidos e respeitados, não se sabe ao certo o porquê dessa exploração, apenas tenta-se achar justificativas como a tentativa de obter lucros de qualquer forma; e ainda, questiona-se se as pessoas realmente sabem do que tratam esses direitos. Segundo Bobbio¹, os “direitos do homem são aqueles que pertencem, ou deveriam pertencer, a todos os homens, ou dos quais, nenhum homem pode ser despojado.”. Dessa maneira, não se poderia falar em direitos do homem; e menos ainda das crianças e adolescentes, por não pertencerem a todos; é como se estes fossem utópicos, algo que ainda desejamos obter.

A grande dúvida que fica com essa exploração e com o desrespeito aos direitos de pessoas tão indefesas é justamente os motivos que levam os homens a ajustarem ou não seu comportamento à ordem jurídica.

 REFERÊNCIAS

 ANDRADE, Vera. Sistema Penal Máximo x Cidadania Mínima: códigos de violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 5ª ed. São Paulo: Campus, 2004.

 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 5ª ed. São Paulo: RT, 2007.

 NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral: Uma polêmica. 10ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007