Para discorrer sobre a compressão do espaço e do tempo na pós-modernidade, David Harvey, fornece uma visão panorâmica da cena artística européia desde o realismo na primeira crise de acumulação capitalista, em 1846, que cedeu espaço ao modernismo do desenvolvimentismo provocador da primeira guerra, até a concretização do conceito de pós-modernismo do século XX. A partir do argumento de Harvey é possível afirmar a existência de um ciclo, de valorização e de desvalorização do espaço, ocorrido duas vezes semelhantemente antes e depois das guerras mundiais. Tal ciclo se deve à plenitude da instalação do sistema capitalista; nota-se que Harvey utiliza conhecimentos de economia para sustentar o conceito de modernidade e pós-modernidade e a relação da sociedade com a compressão do tempo-espaço.
Os primeiros indícios de alteração da compreensão do tempo e do espaço, sinalizando para uma visão moderna, se dão com a crise capitalista de 1845-48 desencadeando as revoltas da "Primavera dos Povos". A burguesia, então, viu desmanchada sua idealização de um posto próprio, a classe que está à frente do tempo, e se construiu a idéia do tempo cíclico, do dinheiro e, mais tarde, de espaços relativos. Esta Europa, inexperiente e propensa ao conflito, patrocinará uma arte que busca algo além da efemeridade em meio à fragmentação e o inconstante cenário cultural, se sobrepondo ao realismo. Além da arte, a subjugação do espaço está presente na linha de produção fordista e na isolação do homem industrializado.
Até agora estamos vendo um período de destruição do espaço, época de exposições mundiais e investimentos a longo prazo e a recuperação do capitalismo. Entretanto, o sentido da compressão do espaço vira com a tendência da espacialização do tempo. Harvey exemplifica com a valorização das caracterizações vistas nos museus, uma necessidade de liberação do espaço através da organização racional do passado. É a busca do "ser", em detrimento do "vir a ser" da visão do espaço pelo tempo, caracterizando o modernismo que enfatiza a cultura nova e a identidade social. Com isso, vemos a ascensão dos nacionalismos, a estetização da política, que desembocará na Primeira Grande Guerra e, em seguida, o período caracterizado pela crise de 1929 e pelo modernismo decadente terminando com a Segunda Guerra Mundial.
Em seguida, iremos nos deparar com o início de um novo ciclo, porém com uma acentuação da tendência de globalização. O novo suporte para esta antiga tendência é o capitalismo voltado para a acumulação flexível e baseado na idéia de "tempo de giro", reflexão sobre o tempo de durabilidade do produto, sendo pioneiros os mercados da moda e da recreação. Esta efemeridade dos produtos irá ganhar mais sentido com a formação de signos e simulacros, com o intenso desenvolvimento da publicidade. Importante notar que o simulacro, um objeto mercadológico de adoração, não é considerado no contexto um indício de estetização da política; o simulacro é ainda meio de manipulação do mercado diversificado, muito dependente de imagens, ou seja, de diálogos efêmeros, e a contraposição desta ideologia é o seguro de futuro (controle do desemprego e de dívidas futuras) e a pregação da religiosidade e da família. Ainda ilustrando esta conflituosa globalização, pode-se citar a função das cidades mundiais, e suas relações com a adequação e exploração dos espaços e identidades, com fins lucrativos no mercado diversamente internacionalizado.
A partir da percepção da existência de uma "aldeia global", vemos certos fatos que assinalam a inclinação do tratamento do espaço em função do tempo. A ruptura do acordo de Bretton Woods é um forte exemplo da desmaterialização do dinheiro, jogado em um mercado flutuante. Para se adaptar a esta fugacidade do dinheiro as mercadorias adquiriram funções cada vez mais cotidianas, tornando o mercado da exclusividade sociocultural pouco estimativo. O bombardeio de produtos permite ao consumidor viver diversas realidades a partir de simulacros inspirados nas identidades dos museus. A ficção pós-modernista é extremamente plural e não objetiva a coerência; poderíamos refletir agora a criação do mito da cultura global única. Este é mundo em que o indivíduo possui diversas opções de escape, entretanto, os simulacros, os meios, necessitam de potencialidade de lucro para obter aceitação global. Agora começa a se tornar perceptível uma alteração de lados no contexto que demonstra vontade de tendência ao predomínio do espaço identificador.
Harvey, entretanto, não apresenta um argumento do qual se possa extrair uma alteração da compressão tempo-espaço para um claro direcionamento na identidade. Podemos notar, sim, um conservadorismo na ideologia do "ser", mais agradável ao mercado, e, em oposição, o "vir a ser" que prega a construção do espaço e da identidade em função do capital. Nesse momento é possível notar a volta da geopolítica estetizada como um acalmador de ânimos no conflito com a manipulação de identidades, porém é muito confusa a relação do cenário da política com o cenário do mercado nas décadas finais do século XX. Harvey deixa apenas a especulação da possibilidade do reforçamento da interpretação materialista histórica para a análise da compressão tempo-espaço, pressionada pela acumulação de capital de reduzido tempo-de-giro.
No capítulo 18, David Harvey usa o cinema, que surgiu no contexto do primeiro grande impulso do modernismo cultural e, dentre todas as formas artísticas, tem talvez a capacidade mais robusta da tratar de maneira instrutiva de temas entrelaçados do espaço e do tempo. Analisando os filmes Blade Runner, de Ridley Scott e Asas do desejo, de Wim Wenders, o autor exemplifica muito das características do pós-modernismo, além de dar uma atenção particular à conceituação e aos significados do tempo e do espaço.
Blade Runner conta a história de um pequeno grupo de seres "humanos" geneticamente produzidos, chamados de replicantes. Eles foram criados com o propósito de trabalhar realizando tarefas altamente especializadas em ambientes particularmente difíceis nas fronteiras da exploração espacial. São dotados de força, inteligência e poderes que estão no limite dos seres humanos comuns. Porém, temendo que eles possam em algum momento representar uma ameaça à ordem estabelecida, seus fabricantes lhes deram um tempo de vida de apenas quatro anos. O filme, que se passa na Los Angeles do ano 2019, gira em torno da investigação do especialista Deckard, destinada a descobrir a presença desses seres e eliminá-los.
Mostrando a capacidade que a sociedade tem de condicionar as pessoas, o filme reflete, através desses seres, a raça humana. Os replicantes, como são criados já em forma adulta, não tem uma vivência social nem uma memória emocional, mas se sentem atraídos pelo estilo de vida que é apresentado a eles.
Como sabem da sua breve vida, eles se veem obrigados a aproveitar o curto espaço de tempo que tem na terra. Acabam assim sendo atraídos pelos encantos da vida humana. Isso faz com que apareça neles a vontade de permanecer por mais tempo vivos. Essa busca por mais tempo de vida ser torna uma obsessão, que passa a gerar conflitos entre e os replicantes e os humanos.
Suas reivindicações são por tempo de vida, mas isso não interessa à sociedade. O que ela quer é muita produção em pouco tempo, e, se os replicantes ganham mais tempo de vida, vão deixando de serem produtivos e contribuem para o aumento da população.
Aparecem os simulacros, que buscam nas memórias humanas, como fotografias, por exemplo, a construção de uma memória própria, para tentar se sentir mais encaixado no mundo que vive, para tentar provar uma identidade. Cria-se também uma linguagem que unia todas as línguas mais faladas, tornando-se assim o cidadês, que seria como uma língua universal que ajudaria na integração das pessoas. Analisando os humanos, pode-se perguntar se as suas memórias são reais ou são apenas representações de alguns breves momentos vividos, implantados pelo sistema, que usam até as lembranças como produtos, por exemplo, em festas retrô.
Fazendo uma comparação, a tragédia dos replicantes pela busca de uma vida prolongada na verdade seria a busca humana por esta. Os humanos vivem em um tempo em que tudo acontece tão rápido e que é todo pré-definido pelo sistema que em certa fase da vida passa a querer descobrir o que seria realmente viver. Por outro lado, há aqueles que buscam uma vida ?eterna? no sentido de beleza e de poder aproveitar mais o que eles pensam que são suas vidas, quando na verdade se trata de um condicionamento da sociedade capitalista.
Seguindo, tem a análise de Asas do desejo, onde existem dois grupos que vivem em diferentes escalas temporais. Os anjos vivem no tempo duradouro e eterno, e os seres humanos, em seu próprio tempo social, cada grupo vendo a vida de maneiras bem distintas.
Os anjos voam sobre Berlim, cidade símbolo de sobrevivência, que já havia passado por nazismo, pós-guerra e pós-muro, ouvindo os conflitos dos seus moradores e observando o dia-a-dia deles. E assim, acabam sendo atraídos pela vida humana.
Um dos anjos se apaixona por uma humana e, para poder viver o amor, ele torna-se humano, abandonando sua imortalidade. Existe então uma troca de experiências e visões. Ele passa a descobrir o que é amar, emoção fundamentalmente humana, e ela passa a enxergar o quanto as coisas mundanas são efêmeras.
Ao se tornar humano o anjo tem que descobrir em si uma identidade humana. Ele passa então por um processo de transformação onde aprende a conviver de acordo com as regras da sociedade. Ele tem também que aprender a descobrir e conviver com as máscaras que as pessoas adquirem para poderem conviver bem.
No filme, os únicos que são capazes de ver os anjos são as crianças, isso acontece porque assim como os anjos elas são puras, ainda não tem o conhecimento das suas identidades nem da manipulação da sociedade capitalista, que nem mesmo muitos adultos conhecem.
O filme é quase todo sem tonalidades fortes para mostrar como o mundo se encontra sem emoções e mostra como elas podem ser encontradas nas coisas simples da vida. Assim, Wenders faz uma critica ao capitalismo que desvaloriza a simplicidade e supervaloriza as megalomanias da sociedade atual.
A pós-modernidade é o fator que mais influenciou na mudança do cotidiano das pessoas. Ela faz com que os indivíduos, influenciados pelos meios midiáticos, que, de certa forma, são quem determina o modo de vida da população, se sintam obrigados a pensar e agir de uma forma mais mecânica e prática. Acaba-se assim com o ócio, que geralmente traz reflexão acerca de vários aspectos da vida.
Tudo isso se deve à necessidade do ritmo acelerado do mundo atual. Se uma empresa, por exemplo, continua trabalhando da mesma forma que fazia há 50 anos, provavelmente em pouco tempo ela irá falir. Porém se essa mesma empresa aceita o ritmo acelerado de produção, tanto de produtos como de conhecimento, ela prosperará, pois estará encaixada nos moldes da sociedade pós-moderna.
Mas essa possibilidade de considerar mais o tempo que o espaço não traz apenas malefícios. Esse advento da pós-modernidade possibilita que as pessoas trabalhem e estudem em qualquer lugar. Isso faz com que pessoas que moram longe de uma universidade, possam estudar com a mesma qualidade de ensino que teria no espaço físico e possam trabalhar até mesmo estando longe de seus habituais locais de trabalho. Faz também com que a necessidade de um prédio físico acabe, ajudando a diminuir consumo de energia, utilização de materiais, gastos com transportes, entre outros. O tempo é a peça-chave de tudo. Esse ritmo, porém, fez com que valores fossem esquecidos. As pessoas passaram trocaram a ética pela estética.
David Harvey usa o governo de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, para exemplificar como a valorização da estética sobre a ética, típica da cultura pós-moderna pode influenciar negativamente na política. No caso exemplificado, o autor mostrou que o carisma do presidente estava acima da sua política, pois embora o seu governo não tenha sido um sucesso (crises econômicas e consequente arruinamento da classe operária) e tenha sempre favorecido a classe burguesa, os empresários, investidores, etc., a sua imagem e a do suposto crescimento do país permaneciam quase que intactos. Todo o valor exótico, fetichista e fascinador de um ex-astro de cinema parecia superior à ética presidencialista.
Harvey procura realizar um diagnóstico da produção cultural e a formação da estética, a partir de um sistema de produção e consumo feito por divisões de trabalho, marketing e publicidade elaborados. Este sistema de produção é dominado pela lógica da circulação do capital. À qualidade produção é agregado um marketing e o tipo de consumo específico. O autor atribui também que a demanda é quem determina a produção. Assim, a economia perpassa pela sociedade de consumo, com a personalização deste para seduzir o indivíduo pelos seus valores para lhe oferecer bens e serviços. O sistema capitalista é negativo, pois também se utiliza de fatores culturais, estéticos próprios ao fazer sua promoção.
Hoje aparece uma moda e produtos culturais programados pela tecnociência (ciência + tecnologia presente no dia-a-dia). "A tecnociência invade o cotidiano com mil artefatos e serviços, mas não oferece nenhum valor moral além do hedonismo consumista" (SANTOS, 1989, pág. 73). Estas sociedades visam apenas lucro e poder. As vidas se fragmentam desordenadamente em imagens, dígitos, signos. O pós-modernismo é invasor (e ruim, portanto), pois penetra no cotidiano com a tecnologia de massa e individual, com o objetivo de saturar com informações, diversões e serviços. Na era da Informática se lida mais com signos do que com coisas. Ou seja, a tecnologia programa cada vez mais o cotidiano. Além disso, a máquina fez recuar a tradição, a religião, a moral e ditou novos valores mais livres, urbanos, mas sempre atrelados ao progresso social. Por fim, criou a massa industrial e o indivíduo máquina, sozinho no coletivo das metrópoles, desumanizado.
Harvey afirma que o excesso de informações causa o esquecimento precoce dos fatos. O indivíduo na condição pós-moderna é submetido a um bombardeio de informações fragmentadas que nunca formam uma unidade, com importantes efeitos culturais, sociais e políticos. "O pós-modernismo é coisa típica das sociedades pós-industriais baseadas na informação" (SANTOS, 1989, pág.11). O mundo é explicado de forma muito simplista, principalmente sobre a difusão dos meios de comunicação que estão sob domínio de pequenos de grupos preocupados apenas com seus interesses. A sociedade pós-industrial é baseada na informação e consumo. "O sangue dos sistemas pós-industriais é o circuito informação-estetização-erotização-personalização" (SANTOS 1989, pág. 30).
No que tange à política, os metadiscursos anteriormente eram prestigiados, mas hoje existem basicamente imagens medíocres e sem profundidade. Os candidatos se preocupam mais com a aparência, a sua visibilidade nos meios de comunicação do que com o compromisso com o povo. Observam-se a queda da grande narrativa, das grandes promessas salvadoras da humanidade, marcas do pós-modernismo.
Neste ambiente, prefere-se a imagem ao objeto, a cópia ao original, o simulacro (a reprodução técnica) ao real. Isto é resultado, na cultura ocidental, da busca do simulacro perfeito da realidade. "Simular por imagens como na TV, que dá o mundo acontecendo, significa apagar a diferença entre real e imaginário, ser e aparência. Fica apenas o simulacro passando por real." (SANTOS, 1989, pág.12). No que concerne à TV, se por um lado ela distorce ou ilude o público, desrespeita-o e desvaloriza-o em detrimento dos seus interesses comerciais, em contrapartida, é capaz de desconstruir preconceitos. O capitalismo não tem escrúpulos, não valoriza nem estimula o desenvolvimento humano e o pior: corrompe-o e dita as suas ações de acordo com os seus interesses, enfim, não lhe dá autonomia.
O pós-modernismo tem algo de positivo: valorizam, incluem e reconhecem a diversidade como parte integrante, aponta o abalo de preconceitos, derruba o muro entre arte culta e arte de massa, rompe barreiras entre gêneros, traz de volta o novo. Ele é pluralista, propõe a convivência de todos os estilos, todas as épocas, sem hierarquias. Enfim, o mercado é um cardápio cheio de opções e cabe a cada um escolher o que mais lhe agrada.
No que concerne ao espaço e ao tempo: existem territórios e espaços de poder reais que são impreteríveis para a compreensão do desenvolvimento capitalista e a abrangência global. Assim, observa-se uma evolução do materialismo histórico que é a preocupação com a sua geografia. O materialismo é, portanto, uma análise aberta e dialética, que valoriza também o espaço e não só o discurso fechado. A metateoria não é uma verdade total, mas uma tentativa de chegar às verdades históricas e geográficas que caracterizam o capitalismo. Então com base no materialismo histórico pode-se entender a condição pós-moderna como condição histórico-geográfica. A condição pós-moderna é uma perene evolução.

BIBLIOGRAFIA

CONNOR, Steven. Cultura Pós-Moderna. São Paulo, Edições Loyola, 1993.

HARVEY, David. Condição pós ? moderna : uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo : Edicões Loyola, 1992.

JAMESON, Fredric. Pós-Modernismo. São Paulo, Editora Ática, 1997.

SANTOS, Jair. O que é pós-Moderno. São Paulo, Editora Brasiliense, 1989.